Mudanças na legislação do caminhoneiro visam beneficiar profissionais

Mudanças na legislação do caminhoneiro visam beneficiar profissionais

A Lei do Caminhoneiro busca garantir melhores condições de trabalho para motoristas, mas enfrenta desafios legais que podem impactar o setor de transporte no Brasil – Foto: Divulgação

No Brasil, os caminhoneiros são os heróis anônimos das estradas. Mas o que a Lei do Caminhoneiro (lei 13103/15) significa para esses profissionais? A profissão de motorista no Brasil enfrenta diversos desafios e, com a promulgação da Lei do Caminhoneiro, em 2015, diversas dessas questões passaram a ser abordadas.

Motoristas lidam frequentemente com jornadas longas, baixa remuneração e a falta de regulamentação adequada, que afeta tanto a saúde quanto a segurança. A lei visa melhorar as condições de trabalho, estabelecendo normas que garantem direitos como descanso adequado e remuneração justa.

O Supremo Tribunal Federal (STF) está analisando questões da legislação que podem resultar em um passivo trabalhista significativo para o setor de transporte, estimado em mais de R$ 200 bilhões. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.322, que contesta partes da Lei  do Caminhoneiro, foi decidida no ano passado, mas foram apresentados dois recursos ao STF em agosto deste ano.

A lei prevê diretrizes que foram consideradas inconstitucionais pelo STF, incluindo normas sobre descanso semanal remunerado e intervalos entre jornadas. Com a declaração de inconstitucionalidade, os motoristas não poderão mais acumular horas de descanso não utilizadas, sendo obrigados a seguir os prazos de descanso entre as jornadas e em viagens longas.

Regulamentação da jornada de trabalho

A Lei do Caminhoneiro estabelece diretrizes sobre a jornada de trabalho, focando o tempo de direção e tempos de descanso, além das horas extras. Na concepção da lei, a jornada de trabalho deve ser limitada a 8 horas diárias, podendo ser estendida em situações específicas, desde que haja acordo entre as partes e o pagamento de horas extras. Os motoristas devem respeitar um tempo mínimo de descanso de 11 horas após uma jornada de trabalho.

A Lei exige que todas as jornadas de trabalho sejam controladas e registradas, o que pode ser feito com diários de bordo ou meios eletrônicos. Nos casos de  veículos de carga com peso bruto total maior que 4.536 kg, é preciso dispor de um tacógrafo, segundo o Código de Trânsito Brasileiro. Este dispositivo serve para registrar informações sobre a velocidade, a distância percorrida e o tempo de direção do motorista.

Condições de trabalho e segurança

No primeiro trimestre de 2024, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) aumentou significativamente suas ações de fiscalização relacionadas à lei do descanso nas rodovias federais.

Dados da PRF apontam um crescimento de 315% no número de autuações, que subiram de 4.898 no mesmo período do ano anterior para 20.320 neste ano. Além disso, o total de abordagens realizadas pela PRF também teve um aumento expressivo de 546%, passando de 751 para 4.854 intervenções.

Os caminhoneiros possuem uma série de direitos previstos na Lei do Caminhoneiro que visam garantir suas condições de trabalho e proteção – Foto: Divulgação

A Lei do Caminhoneiro estabelece que é imprescindível que os motoristas façam intervalos regulares para descanso. Isso inclui pausas de ao menos 30 minutos a cada 5 horas e meia de direção contínua. O objetivo desses intervalos é prevenir a fadiga, que compromete a atenção e a capacidade de condução.

Além disso, a legislação prevê o descanso semanal, exigindo que os caminhoneiros descansem 35 horas após seis dias de trabalho. Isso contribui para a saúde física e mental do profissional.

Mudanças recentes na lei

A Lei do Caminhoneiro está sujeita a contestação judicial, especialmente devido à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT). Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais 11 dispositivos da lei 13.103/2015, que tratam da jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal.

Essa decisão, tomada no dia 30 de junho, também validou outros aspectos da legislação, como a obrigatoriedade de exame toxicológico. Entre os pontos considerados inconstitucionais, destaca-se a possibilidade de fracionamento do período mínimo de descanso e sua coincidência com paradas obrigatórias do veículo.

O tribunal apontou que o descanso adequado é um dos pilares não apenas para a recuperação física do motorista, mas também para a segurança nas estradas, pois permite que o condutor mantenha a concentração durante a direção. Além disso, foram invalidadas normas que tratavam do descanso entre jornadas e viagens.

Outro aspecto importante da decisão foi a rejeição da exclusão do tempo de espera pela carga ou descarga da jornada de trabalho, considerando que esse período deve ser contabilizado como tempo efetivo de serviço.

Argumentou-se que a não contabilização desse tempo prejudica o trabalhador, que está à disposição do empregador durante a espera. Também foi inviabilizado o descanso em um veículo em movimento, no caso de haver outro motorista no veículo, uma vez que isso compromete a qualidade do repouso necessário para o motorista.

Projeto de lei no Senado

O PL 490/2024, proposto pelo senador Paulo Paim (PT-RS), e que está em tramitação no Senado, visa estabelecer o Estatuto do Motorista Profissional, criando um marco regulatório para reconhecer e proteger os direitos dos motoristas, sejam eles autônomos ou empregados.

Além de definir a jornada de trabalho em seis horas diárias, com intervalos de descanso, o projeto estabelece direitos importantes, como acesso a programas de formação e atendimento médico pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Pela proposta, os motoristas também poderão recusar dirigir veículos em condições inseguras sem risco de demissão, embora os empregadores possam descontar horas não trabalhadas, a menos que um órgão de trânsito comprove a condição do veículo.

Para se tornar um motorista profissional, é necessário completar um curso especializado de pelo menos 60 horas, regulamentado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), e passar em um exame. O projeto também prevê que motoristas em atividade possam realizar o exame sem a formação, desde que sejam aprovados até três anos após a promulgação da lei.

Principais direitos dos caminhoneiros

Os caminhoneiros possuem uma série de direitos previstos na Lei do Caminhoneiro que visam garantir suas condições de trabalho e proteção. A jornada diária de trabalho é limitada a 8 horas, com um teto semanal de 44 horas. Além disso, eles devem ter intervalos para descanso que variam conforme as horas trabalhadas. Após dirigir por até 5 horas e meia, é obrigatória uma pausa de 30 minutos.

Outro direito importante é o descanso semanal, que deve ser de 35 horas após seis dias de trabalho. Os caminhoneiros também têm direito a férias de, pelo menos, 14 dias consecutivos, a cada ano. Em casos em que o tempo de espera para carga ou descarga ultrapasse 5 horas, o motorista pode solicitar uma diária. Para aqueles que transportam cargas perigosas, há um adicional de 30% sobre o salário base, reconhecendo os riscos associados a essa atividade.

Além disso, os motoristas têm direito a receber horas extras se trabalharem além das 8 horas diárias. É responsabilidade da transportadora custear um seguro obrigatório para o caminhoneiro.

Impacto econômico e social da lei

A implementação da Lei do Caminhoneiro pode resultar em um aumento nos custos para as empresas de transporte, uma vez que será necessário contratar mais motoristas e pagar horas extras para atender às novas exigências.

Esses custos adicionais podem ser repassados aos clientes, resultando em um aumento no preço do frete. Isso pode levar a um impacto direto na produtividade do setor, visto que as empresas precisarão reestruturar suas operações de transporte, logística e armazenagem para se adaptarem às regras.

Além disso, a lei pode exigir a construção de mais pontos de parada e descanso nas rodovias, o que implica em investimentos adicionais em infraestrutura. Outra questão é que o aumento dos custos logísticos decorrente dessas mudanças pode gerar efeitos inflacionários, refletindo-se nos preços finais de produtos e serviços no mercado.

Quanto aos impactos sociais, com melhores condições de trabalho, espera-se que os caminhoneiros tenham uma vida mais saudável, com menor estresse e jornadas mais equilibradas. A lei ajuda a valorizar a profissão do caminhoneiro, promovendo um reconhecimento do seu papel na economia.

Expectativas futuras e desafios

As expectativas da lei incluem uma melhoria nas condições de trabalho e um aumento na segurança das estradas. Entre os principais desafios, destaca-se a resistência de algumas empresas ao cumprimento da legislação. A implementação pode ser dificultada por problemas administrativos e brechas de fiscalização.

A Lei do Caminhoneiro estabelece diretrizes sobre a jornada de trabalho, focando o tempo de direção e tempos de descanso, além das horas extras. – Foto: Divulgação

O setor também enfrenta a necessidade de adaptação às novas tecnologias. A digitalização e o uso de ferramentas de gestão inteligente podem otimizar as operações. Há ainda a situação de aumento dos custos operacionais, como combustível e manutenção, que pode afetar a viabilidade das pequenas transportadoras.

Por fim, a infraestrutura rodoviária ainda exige investimentos. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), mais de 67% das rodovias do Brasil apresentam condições ruins, péssimas ou apenas regulares. No primeiro semestre de 2024, as indenizações referentes a seguros de transporte totalizaram R$ 692 milhões, conforme dados da CNSeg (Confederação Nacional das Seguradoras), devido a perdas e danos de cargas resultantes da inadequada infraestrutura das estradas no país.

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