TJSP manda entidade ligada a parentes de ministros devolver R$ 56 mi

São Paulo — O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou a devolução de R$ 56 milhões pagos pela Prefeitura de São Sebastião a uma associação ligada a parentes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). O contrato sem licitação tinha como fim a atuação da associação para defender o município em uma briga por royalties da exploração de petróleo.

A decisão foi tomada no mesmo julgamento em que a Corte considerou o contrato ilegal e determinou sua anulação. Desembargadores consideraram o valor alto, a falta de licitação indevida, e a subcontratação dos escritórios de advocacia pela entidade irregular.

A entidade em questão é a Associação Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultoria (Nupec), que firmou contratos sem licitação com mais de uma dezena de municípios para defendê-los na Justiça em ações contra a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), responsável pela partilha dos royalties.

A associação foi contratada pela Prefeitura de São Sebastião em uma disputa com Ilhabela por R$ 900 milhões em royalties. O contrato prevê o pagamento de 20% de honorários sobre o valor dos royalties. Na prática, ela dá procuração a três escritórios de advocacia para que atuem em nome da prefeitura.

Essas bancas são a do vice-presidente da Nupec, Vinicius Gonçalves Peixoto, e dos advogados Djaci Falcão Neto, filho do ministro Francisco Falcão, do STJ, e Hercílio Binato de Castro, o “cizé”, genro do ministro Luiz Fux, do STF. Os casos chegam às Cortes superiores, mas os ministros não julgam causas desses advogados em razão do impedimento.

Em uma disputa como essa, basta ter uma liminar para que o dinheiro caia na conta do município. Dessa forma, prefeituras pagam após receberem recursos de liminares para a entidade, à diferença de uma disputa na qual o destino final do dinheiro só sai com a decisão do mérito da Justiça, o que leva mais tempo para acontecer.

O TJSP acolheu uma ação popular e pareceres do Ministério Público paulista (MPSP) e ordenou que o contrato com São Sebastião fosse cancelado. Segundo desembargadores, além de serem feitos no teto da tabela da OAB para cobrança de honorários, os contratos sem licitação com a associação são usados para subcontratar escritórios de advocacia.

“Exorbitância da remuneração”

Em primeiro grau, foi movida uma ação popular contra o contrato da Nupec e os pagamentos aos advogados que teve parecer favorável do MPSP. A Justiça indeferiu a ação na primeira instância. O juiz do caso considerou que os royalties são matéria de alta complexidade e que justificam a contratação sem licitação. Também afirmou que os honorários de 20% são compatíveis com “valor de mercado”.

Responsável por enviar parecer ao TJSP, a procuradora de Justiça Selma Negrão Pereira dos Reis afirmou que a questão dos royalties é rotineira para um município como São Sebastião e que seus procuradores tinham condições de ganhar o processo em São Paulo. “Tanto que obtiveram sentença favorável aos interesses do ente público e apresentaram recurso de apelação quanto à parte da decisão que entenderam desfavorável”.

“A atuação da Nupec se deu naqueles autos apenas após a apresentação de recurso de apelação, de forma que a atuação da contratada ficou
restrita a alguns atos processuais, em demanda em que, reitera-se, já havia decisão favorável ao Município de São Sebastião. Apesar disso, receberá, em razão do contrato, vultuosa remuneração (20% dos royalties recebidos)”, disse Selma.

A procuradora ainda afirmou que “restou bem demonstrada a exorbitância da remuneração fixada em detrimento do erário público, vulnerados os princípios que devem reger a administração pública, especialmente a economicidade e a eficiência”.

“Patente ilegalidade”

Relator do caso, o desembargador Cláudio Augusto Pedrassi afirmou que a Nupec não tem registro na OAB como escritório de advocacia e, portanto, não poderia levar um contrato para prestação de serviços advocatícios. “Inviável que uma associação, nessas situações, receba procuração para prestar serviços de advocacia e muito menos repasse procuração para a prestação de aludidos serviços”, afirmou.

O desembargador disse, ainda, que o contrato sem licitação se justificaria pela especialização notória da banca de advocacia e que não há sentido em contratar a associação para ela dar a quem quer procuração para atuar nas causas. “Há, portanto, patente ilegalidade na
subcontratação de escritórios de advocacia em casos nos quais a entidade e as bancas são contratadas sem licitação.”

O magistrado também ressaltou que 20% é o teto em honorários segundo tabela da OAB. Considerou, ainda, que o contrato prevê o pagamento de honorários por êxito após decisões liminares, que podem ser derrubadas a qualquer momento. Segundo ele, “uma enorme irregularidade”. “Não consta do contrato previsão de devolução de valores em caso de revogação da liminar”, destacou.

O magistrado também concordou com o MPSP ao considerar que a Procuradoria do Município tinha condições de tocar os processos sem contratações de advogados. O julgamento foi dividido. Houve votos pela improcedência da ação, mas o relator saiu vencedor para rescindir o contrato entre a Nupec e o município de São Sebastião.

Nupec defende contrato

Ao Metrópoles, a Nupec afirma que é uma “instituição multidisciplinar com 35 anos de existência e que conta com profissionais de diversas especialidades, exercendo as suas atividades estatuárias através do trabalho de engenheiros, cartógrafos, contadores, sociólogos e advogados, entre outros, todos reconhecidamente capacitados no mercado de trabalho”.

“Os advogados citados possuem notória especialização e atuam há mais de 15 anos no setor de óleo e gás, colecionando vitórias robustas e definitivas em favor de dezenas de municípios que obtiveram o êxito judicial e a correta compensação pelos danos socioambientais sofridos pela exploração do petróleo e gás natural”, afirma.

A entidade afirma, ainda, que respeita “a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, mas não irá se furtar de interpor as medidas cabíveis para fazer valer as orientações já pacificadas sobre o tema nos Tribunais Superiores”. Cita também ações no STF que “dispõem sobre todos os requisitos necessários à contratação, os quais foram integralmente considerados no processo administrativo de contratação, mas absolutamente desconsiderados na equivocada decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo”.

“Importante pontuar que, ao contrário do afirmado na decisão a ser recorrida, em nenhum momento a Nupec é remunerada sobre serviço ou receita anterior à sua atuação em favor do município de São Sebastião. Isso é o que dispõe expressamente o contrato entre as partes e inclusive constou de diversas manifestações judiciais”, afirma.

“De qualquer sorte, importante pontuar que, quando do ingresso do corpo de profissionais da Nupec nos autos, a desembargadora federal relatora do caso já havia negado o levantamento do depósito em juízo que havia sido pleiteado pela Procuradoria Municipal de São Sebastião e, somente após recurso e intensa atuação da Nupec, o pedido foi levado ao órgão colegiado do TRF da 3ª Região, que reconheceu, de forma unânime, o direito ao levantamento do depósito em juízo em favor de São Sebastião, inclusive condenando o município de Ilhabela ao pagamento de multa por litigância de má-fé, dadas as diversas chicanas processuais que perpetrou na vã tentativa de retardar e confundir a atuação do Poder Judiciário”, diz.

A associação ainda afirma que foi “desconsiderado pelo Tribunal de Justiça que a Nupec atuou não apenas em um caso na Justiça Federal de São Paulo, mas sim no mérito de diversos feitos judiciais do interesse do município de São Sebastião, todos no TRF da 1ª Região em virtude da sede da Agência Nacional do Petróleo”.

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