Há 40 anos, Tostão falava à PLACAR rompendo uma década de silêncio

Há 40 anos, Tostão falava à PLACAR rompendo uma década de silêncioFoto: Reprodução

Eduardo Gonçalves de Andrade, o popular Tostão, completa nesta quinta-feira, 25, seus 77 anos de vida. Chamado também de Rei Branco, Vice-rei e Mineirinho de ouro, o ex-jogador, tricampeão do mundo em 1970, vivia uma espécie de “exílio” da fama depois do encerramento da carreira. O silêncio foi quebrado em uma histórica entrevista ao repórter Octávio Ribeiro, conhecido como “Pena Branca”, na edição de julho de 1984 de PLACAR.

Na ocasião, Ribeiro contou com a ajuda do jornalista Hélio Fraga, editor de esportes do jornal Estado de Minas, amigo próximo de Tostão. O camisa 9 do tricampeonato mundial da seleção brasileira resistiu: “não quero entrevistas”.

Tostão aceitou recebê-lo graças a promessa do repórter de entregar dois livros de autoria dele, mas aindai insistia em não conceder entrevista: “se eu recusei falar com meu amigo Raul, por que lhe vou dar entrevista?”. O “sim” enfim veio: “ligue o gravador”.

Na conversa, Tostão admitiu ter parado no Vasco, em 1973, em virtude de um novo problema no olho direito e o aconselhamento do médico a não praticar mais esporte, nem mesmo de forma amadora. Uma desobediência poderia trazer graves riscos.

Quando passou a cursar medicina a presença constante de repórteres, fotógrafos e da imprensa até mesmo nas salas de aula passaram a incomodá-lo. Ele chamou de “onda de boatos” as informações que circulavam que tinha raiva do futebol, que havia jogado as taças fora e que não gostava mais de ser chamado de Tostão.

“O lado bom é que as pessoas pararam de me procurar, de me chamar para fazer reportagem, para ir a tal lugar etc….”, disse. Uma história ao melhor tipo Greta Garbo, estrela sueca que detestava holofotes.

Confira a reprodução resumida da reportagem na sessão Prorrogação:

Uma história do tipo Greta Garbo

O repórter Octávio Ribeiro, conhecido como “Pena Branca”, já era uma lenda do jornalismo brasileiro, o craque das missões impossíveis. Foi ele quem entrevistou o cabo Anselmo, líder dos marinheiros que lutara contra o regime militar de 1964, mas que depois seria agente infiltrado, denunciando companheiros para as forças da ditadura. Ribeiro encasquetou com um personagem: Tostão, “o inventor de espaços”, segundo o escritor Roberto Drummond. Desde que abandonara o futebol, em 1973, em virtude do deslocamento da retina do olho esquerdo, após ter jogado pelo Cruzeiro, pelo Vasco e pela seleção, o ex-atleta fechou-se em copas e virou um cidadão qualquer, o doutor Eduardo Gonçalves Andrade. Ribeiro e o fotógrafo Armênio Abascal tiraram o ex-jogador de seu canto doméstico, depois de onze anos. Foi o atalho para a volta a uma vida normal, sem receios, sem pressões — a caminho de Tostão se tornar o que é hoje, o melhor cronista esportivo do Brasil.

Você parou por causa do olho, mesmo? Justamente. Levei uma bolada no olho, tive de ser operado de um descolamento de retina, um problema grave, principalmente para o atleta. Fui operado nos Estados Unidos em 1969, considerado apto para voltar. Voltei na Copa e joguei sem problemas, apesar de não estar em condições físicas ideais por ter ficado uns seis meses sem jogar. Continuei jogando, mas, em 1973, voltei a ter problemas no olho, fui novamente operado. Já estava no Vasco. Depois da cirurgia, apesar de ter corrido tudo bem, fui aconselhado pelo médico a não praticar mais esporte, porque corria o risco muito grande de ter problemas mais sérios. Mesmo que eu quisesse voltar, assumindo graves riscos, eu voltaria sem as mesmas condições que tinha antes.

Aí Tostão desapareceu e entrou o doutor Eduardo. Por que sumiu o Tostão? Esta é uma oportunidade boa para a gente conversar sobre isso, porque as pessoas imaginam e inventam um punhado de coisas. Quando fiz o vestibular para medicina, fui fotografado lá no Mineirão, tinha cinegrafista me filmando, quer dizer, eu era a atração do vestibular. Quando entrei na faculdade, aquele entusiasmo todo, comecei estudando, me esforçando, e notei que a badalação continuava. Eu estava na sala de aula e entrava repórter, cinegrafista, pedindo para tirar fotografia, quer dizer, aquilo foi um transtorno para mim, para o professor, que achou aquilo estranho, os alunos, e o negócio não parava nisso. Continuava convite para ir em festa de não sei o quê. Então eu falei: “Isso aqui não está só me atrapalhando, não posso levar uma vida a sério”. E medicina é um curso sério, qualquer profissão é coisa séria. E por causa disso tive de cortar essas coisas. Tinha pessoas que não entendiam, outras ficaram com raiva de mim, e começou a surgir…

Uma onda de boatos… É, conversas, boatos, dizendo que eu tinha raiva de futebol.

Que você jogou suas taças fora… Justamente, saiu na televisão que eu tinha queimado, jogado fora meus troféus, minha taça, e que não gostava que ninguém me chamasse de Tostão, tinha de ser Eduardo. Se as pessoas me chamavam de Tostão, eu dizia “Não, você tem de me chamar de Eduar­do” — e, depois que me formei, de “doutor Eduardo” (rindo). E esse tipo de coisa cresceu tanto que teve o lado bom e o lado ruim. O lado bom é que realmente, de uns tempos para cá, as pessoas pararam de me procurar, de me chamar para fazer reportagem, para ir a tal lugar etc., e eu tenho uma vida particular mais livre. E teve o lado ruim, que criou uma história tipo…

Greta Garbo? Greta Garbo.

Nunca mais encostou o pé numa bola? Não. Às vezes brinco com meu menino, só, em casa.

Lá nos fundos, escondido, ninguém vê. Não, não precisa ser escondido.

Como é que ficou seu olho? Ficou bem, mas com restrições. Tive problema sério, fiquei com déficit vi­sual na vista esquerda, mas que não me atrapalha para as atividades normais. Se pudesse, jogaria uma pelada de fim de semana, mas realmente não posso. Aí tem aqueles que dizem: “Mas é brincadeira, você fica só no meio-campo dando passe”, mas você sabe que, se a gente entra numa brincadeira dessas, se entusiasma, daqui a pouco está pulando de cabeça, trombando.

E quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo, você cara a cara com o presidente Médici, que foi a época de maior repressão. O que você sentiu no encontro? Realmente, eu não tinha nenhuma afeição pelo governo, na época. Agora, a gente tem de separar as coisas. Quando passou aquele filme de Roberto Farias, “Pra Frente, Brasil”, apareceram os jogadores sendo recebidos pelo Médici. Fui assistir ao filme e fiquei até pensando: será que em 1970 eu tinha a consciência política que tenho hoje? Porque hoje sinto que tenho muito mais. Nem se compara. Quando vi o filme, pensei: será que estava alienado? Não era, não. Eu tinha consciência desses problemas. Inclusive, cheguei a falar muito sobre isso em entrevistas. Na época, ninguém falava sobre isso, nem tocava nesse assunto. O futebol contribuiu para acalmar as coisas erradas. Agora, como atleta, eu não poderia chegar ao extremo de, por exemplo, falar: “Não vou participar da Copa, não vou a Brasília ser recebido pelas autoridades”. Porque eu fazia parte de um grupo e não tinha nada de mais eu ir lá e receber a homenagem. Eu era um em trinta. Se eu tivesse a mesma consciência política que tenho agora, não sei se reagiria de forma diferente.

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