Opinião: o ser humano não é descartável

Por Ricardo Sayeg*

Professor Ricardo Sayeg é autor do livro Odisseia do Direito QuânticoArquivo pessoal

Como publiquei em conjunto com os Professores Santiago Guerra e Balera, em Odisseia do Direito Quântico, insistindo em nossa lição, os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, por inatos, não são atribuídos pelo Estado nem mesmo pela sociedade civil.

Conforme demonstrou John Locke, o pacto social é consequente e não pressuposto à substância essencial, pura e primordial do ser humano de liberdade e igualdade em direitos e dignidade com fraternidade, estruturada naturalmente pelos direitos subjetivos. Todos seguem irrenunciáveis e, assim, de preexistente titularidade absoluta dos humanos, mercê da composição humana fisicobio-cultural-digital-institucional.

Direitos humanos

Em decorrência disso, os direitos humanos e sua atribuição objetiva da dignificação compromissória e emancipatória do ser humano independem da chancela estatal ou social, posto que, lhe é inato.

Assim, importa reconhecer a existência da ordem jurídica preexistente e não positivada do humanismo jurídico, emergente da singularidade quântica dos direitos humanos e dignidade da pessoa humana, como anterior ao positivismo e à respectiva instituição dos direitos fundamentais e civis.

Embora no Brasil e demais países de cultura jurídica romano-germânica, em caráter indicativo, jamais exaustivo, estes direitos subjetivos (inatos atributivos de dignificação do ser humano), venham sendo revelados e incluídos no catálogo dos direitos humanos, na razão da evolução do seu nível civilizatório, existe a tradição da positivação, a fim de lhes outorgar perfil objetivo de direito constituído para lhe dar inquestionável força normativa.

Neste contexto de positivação, de plano, a Constituição Federal dispõe expressamente sobre a premissa de todo o humanismo jurídico em várias ocasiões (arts. 4º, II; 5º, § 3º; 109, V-A e § 5º; e 134; art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), acrescentada à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).

Ademais, como se viu na Recomendação do Conselho Nacional de Justiça n. 123, de 7 de janeiro de 2022, está estabelecida aos órgãos do poder judiciário a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil e a utilização da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, além da necessidade de controle de convencionalidade das leis internas.

A principal repercussão deste sistema de humanismo jurídico, composto pela singularidade quântica dos direitos humanos, direitos subjetivos inatos atributivos de dignidade, é que o ser humano não pode ser classificado como coisa, porque não é objeto do poder potestativo de outrem. A liberdade é inata ao ser humano, tendo em vista que todo ser humano nasce livre. Para Kant, a pessoa humana não se submete, por natureza, à vontade alheia, por consequência, não é apropriável nem sequer pelo poder constituído.

A liberdade assegura ao ser humano sua autodeterminação – que implica a outorga da consciência de sua suficiência, por conseguinte do próprio valor, em situação de igualdade jurídico-formal em direitos e dignidade com todos os seres humanos – a “independência de ser obrigado por outros mais do que se pode, por sua vez, obrigá-los”, como afirma Kant.

O humano, portanto, não tem preço; ao contrário, é inapropriável, tem direitos inatos e dignidade com fraternidade, que, sob o ponto de vista subjetivo, é a razão e a consciência de seu próprio valor jurídico atribuído pelos direitos humanos.

Logo, é acertada a posição de Paulo Hamilton Siqueira Jr., ao afirmar que “o homem é dotado de um valor próprio, não podendo ser transformado em objeto”.

Assim, não se aliena a dignidade humana, que é irrenunciável, não tem preço e não pode ser identificada como um direito-custo, porque em matéria de direitos humanos, o objetivo determinante é a dignidade compromissória e emancipatória, e não o custo.

Conquanto custo seja métrica de racionalização da aplicação concreta dos direitos humanos, a dignidade deve ser defendida a qualquer custo, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – daí porque o custo não é critério determinante.

Todos os direitos inatos ao ser humano convergem para o específico direito objetivo natural da dignidade humana e, por conseguinte, o ser humano não é descartável.

* Ricardo Sayeg é professor livre-docente, doutor e mestre em Direito, presidente da Comissão Nacional Cristã de Direitos Humanos do FENASP, imortal da Academia Paulista de Direito e comandante dos Cavaleiros Templários Guardiões do Graal.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG

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