Quilombolas obtêm posse de 170 hectares de terra na Capital

O Quilombo Vidal Martins obteve da União um Taus (Termo de Autorização de Uso Sustentável) para uma área de 1.705.275,33 m², ou 170 hectares, o equivalente a 170 campos de futebol. O terreno fica no bairro Rio Vermelho, em Florianópolis, onde vive um grupo de 85 quilombolas, alguns descendentes de Vidal Martins, escravo que viveu no território nos anos 1730 e cujos descendentes diretos ainda estão no local. Com o Taus, os quilombolas têm a posse da terra para fins de moradia, atividades tradicionais socioculturais e de subsistência. A área, de domínio da União, é classificada como terreno de marinha e acrescidos de marinha.

170 hectares de terra são obtidos pelos quilombolas na capital

Comunidade Quilombola Vidal Martins – Foto: Comunidade Quilombola Vidal Martins/Reprodução/ND

Conforme a presidente da Associação do Quilombo Vidal Martins, Helena Vidal de Oliveira, 42 anos, o próximo passo é garantir dignidade para a comunidade, respeitando o limite da natureza.

“A importância de conquistar o Taus para o Quilombo Vidal Martins é reconhecer a história dos nossos antepassados, que foram escravizados. Uma reparação histórica que o Brasil tem com as comunidades quilombolas”, afirmou. “Meu sentimento é de conquista. Estou cansada, é uma luta que a gente faz de joelhos, mas comemora de pé. Foi feita Justiça por nós e por nossos antepassados”, completa.

Segundo ela, a intenção não é agredir a natureza, pelo contrário, é reflorestar o parque com vegetação nativa e recuperar a cultura da comunidade. Além dos 170 hectares, o quilombo também pleiteia outros 960, que estão dentro do Parque do Rio Vermelho. “Ninguém é invasor. O Estado está devolvendo o que é nosso por direito”, declara.

Vidal Martins foi reconhecida como a 1ª comunidade quilombola de Florianópolis, em 2022 – Foto: @arqvima/Reprodução/ND

Advogado do quilombo, Marco Fernandez explicou que a União transferiu a posse de duas grandes áreas de marinha, fora do parque. Segundo ele, é diferente de obter a propriedade, que confere o direito definitivo. “Conseguiram o direito de uso”.

A propriedade será dada na continuidade do processo. A União reconhece que podem possuir, porque viviam naquela região, tinham domínio anterior às leis. Reconhece a capacidade de uso e transfere a posse”, explica o advogado. Segundo ele, a propriedade deve ser obtida em cerca de seis meses.

O que pode e não pode

Nos 170 hectares que o quilombo obteve posse, foi autorizado, por exemplo, a construção de casas para morar, ações culturais, religiosas, desde que preservem a natureza e respeitem as leis ambientais de uso e ocupação do solo.

Não podem vender, ceder, transferir, fazer alienação fiduciária, ou dar em garantia. Fernandez explica que, no Estado, existem demandas semelhantes, uma em Praia Grande, outra em Campos Novos. A tendência é que ele também atue nos dois casos.

Famílias descendentes de escravos reivindicam posse de camping no Rio Vermelho – Foto: Osvaldo Sagaz/ND

Conforme Fernandez, não há desejo do quilombo de degradar a natureza, fazer loteamentos ou condomínios. “O interesse é que as famílias com necessidades habitacionais construam suas casas e usem de forma proba, digna, honesta, com desenvolvimento social, eco sustentável, socialmente justo, inclusivo, preservando a natureza e restaurando a restinga e a mata nativa atlântica degradada lá.”

Vitória Vidal da Silva, 24 anos, é professora no quilombo e tetraneta de Vidal Martins. “Nossos antepassados, conforme registro em cartório, estavam aqui em 1730. E agora, em 2024, saiu o Taus. Nossa esperança é que fique materializado para nós e outras pessoas que o território é nosso. Uma comunidade quilombola ou indígena num território é para preservar a cultura e a natureza”, frisa.

Atualmente, os quilombolas vivem em casas e barracas, mas não consideram a estrutura ideal. A expectativa é de que recebam recursos ano que vem para construção das casas.

Disputa por outros 960 hectares

Além dos 170 hectares conquistados, a comunidade anseia pelos outros 960 hectares numa batalha com o Estado. Conforme o procurador geral do Estado, Marcio Vicari, foi dado passo importante para um acordo, após a apresentação de uma proposta da PGE, liberando a área praticamente inteira, porém, retirando uma parte de um grupo escoteiro e outra da Polícia Militar Ambiental. Segundo Vicari, o percentual dessas áreas é ínfimo em relação ao total.

Comunidade do Quilombo Vidal Martins possui uma área de 961,28 hectares – Foto: Reprodução/ND

Depois de apresentado por escrito, houve prazo para o MPF (Ministério Público Federal) se manifestar. O órgão apresentou uma contraproposta, que está em avaliação pela PGE, e o retorno deve vir no dia 31 deste mês, data da próxima reunião das partes.

“Preciso validar pontos com o governo do Estado. Mas estamos caminhando numa linha boa de conversa e diálogo. Isso é importante. Já houve momentos em que as audiências foram beligerantes. Estamos debatendo propostas de maneira objetiva”, salientou Vicari. O procurador disse que esta é uma das primeiras questões desse tipo que o Estado enfrenta. “Fiquei feliz de ver que houve evolução no campo do debate das propostas. Isso contribuiu.”

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