Pacientes relatam infecções e perda do globo ocular após cirurgias em clínica oftalmológica de Belém


De 40 pacientes submetidos a mutirão, 22 tiveram problemas e ao menos cinco perderam o olho, segundo advogado. Polícia Civil, Ministério Público e Conselho de Medicina investigam o caso. Polícia investiga clínica após denúncias de amputação de olhos
Mais de 20 pacientes denunciam que sofreram com infecções bacterianas após procedimentos cirúrgicos realizados em um mutirão em uma clínica oftalmológica em Belém. Em ao menos cinco casos, segundo o advogado de 11 das vítimas, a retirada do globo ócular foi necessária para impedir o aumento da infecção.
A Polícia Civil, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), o Conselho Regional de Medicina (CRM) e a Secretaria de Saúde municipal investigam o caso. O CRM informou que o local tinha autorização para funcionar e investiga a conduta ética dos profissionais. Já a Polícia investiga se houve exercício irregular da medicina – veja no vídeo acima.
A clínica investigada é a São Lucas, que fica travessa Itaboraí, em Icoaraci, distrito da capital paraense, que se apresenta nas redes sociais como especialista em oftalmologia e atua em convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS).
Mutirão com 22 pacientes afetados
As cirurgias de glaucoma, catarata e outros problemas oculares foram realizadas a partir de um mutirão onde mais de 40 pessoas em 1º de julho. De acordo com o advogado de 11 das vítimas, Cássio Souza, 16 pessoas destes 40 pacientes atendidos precisaram retirar olhos, sendo que cinco deles são defendidos pelo próprio advogado.
A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) informou que foram realizados dois mutirões, sendo que o segundo teve mais pacientes com problemas relatados.
“No dia 12 de junho, foram atendidos 41 pacientes, dos quais dois tiveram intercorrências. No dia 1º de julho, foram realizadas 40 cirurgias de catarata, e 22 pacientes apresentaram intercorrências”, informou a Secretaria em nota.
As vítimas afirmaram que os primeiros sintomas da infecção surgiram poucos dias depois das operações. Algumas precisaram fazer um transplante de córnea para não correr o risco de perder a visão. Já outras precisaram retirar os olhos para impedir que a infecção se espalhasse.
Uma das pacientes que precisou amputar um dos olhos após complicações da cirurgia é Albanise Soares, de 65 anos, diagnosticada com catarata por meio do SUS, que a encaminhou para realizar a cirurgia pela clínica.
“Eu passei pela cirurgia, fiz limpeza umas duas vezes e não deu certo, tive uma dor intensa que não passava mesmo tomando remédio”, relatou sobre as complicações após a cirurgia.
“Fiz o transplante de córnea que também não deu certo por causa da bactéria. O que aconteceu? Tive que fazer a retirada do olho por conta dessa bactéria”, afirma.
A filha revelou que a clínica São Lucas estava suja, com lixo e até uma barata morta no chão. “Minha mãe relatou que o pano cirúrgico colocado no rosto dela fedia muito”, disse.
Imagens de dentro da clínica mostram sujeira no chão e barata morta.
Arquivo pessoal
A idosa já tinha vários sintomas de infecção bacteriana e precisou, dois dias depois, fazer um transplante de córnea para tentar salvar o olho esquerdo. O procedimento foi feito em outro local. Apesar da tentativa, a paciente não conseguiu recuperar a saúde do olho e precisou amputá-lo.
“A minha mãe vai usar uma prótese. A vida dela nunca mais vai ser a mesma. Eu tenho uma mãe que tem medo de sair na rua. Ela era uma pessoa totalmente independente e agora ela depende dos filhos”, completou a filha da vítima.
Evolução da infecção da paciente idosa após a cirugia de catarata na clínica.
Arquivo pessoal
Fotógrafo afetado
Um dos pacientes é fotográfo e realizou a cirurgia de catarata. O paciente contou que precisou ir a uma outras clínica em Belém, onde o oftalmologista constatou que ele estava com uma infecção severa.
“A cirurgia demorou cerca de 10 a 15 minutos. Eu comecei a sentir os sintomas no dia seguinte, quando tirei o tampão para usar o colírio e percebi que estava doendo muito e muito inflamado. Eu não estava enxergando mais nada”, disse uma das vítimas em entrevista ao g1.
Após três intervenções cirúrgicas, a infecção foi contida sem que ele perdesse o globo ocular. Mas, segundo o paciente, o nervo ótico já havia sido afetado e ele ficou cego do lado esquerdo, como mostra o laudo abaixo.
Laudo de paciente que ficou cego do olho esquerdo após cirurgia de catarata.
Arquivo pessoal
O que diz a Polícia e os órgãos fiscalizadores?
A Polícia Civil (PC) informou que a delegacia de Icoaraci apura o crime de exercício irregular da medicina e venda casada após acionamento do Ministério Público, e que outro caso registrado na delegacia da Pedreira também é apurado pela unidade de Icoaraci.
A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) afirmou, também por meio de nota, que a clínica será notificada em razão das ocorrências e que os serviços serão preventivamente suspensos. Afirmou, ainda, que a Vigilância Sanitária também esteve no local para realizar uma inspeção preliminar e, até o momento, não encontrou falha no fluxo regulatório.
Perfil da clínica São Lucas.
Reprodução / Redes sociais
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará (CRM-PA) disse que tomou conhecimento da situação ocorrida na Clínica São Lucas envolvendo aproximadamente 30 pacientes, os quais, após procedimento cirúrgico, ficaram com graves sequelas.
O CRM-PA informou que fiscalizou a clínica presencialmente nesta quarta-feira (16). Segundo o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Pará, Lauro Barata, um relatório será encaminhado as autoridades competentes para adoção das medidas necessárias.
“Apareceram situações que nos deixaram preocupados, ou seja, a presença de formol envolto em gases jogados no chão, uma máquina de lavar dentro do centro cirúrgico, que não tinha até mesmo o preenchimento adequado e físico dos pacientes que tinham sido operados naquele dia, no autoclave não apresentava nada relacionado ao tempo de esterilização”, relatou sobre a visita do CRM no local.
Posicionamento da clínica
Em nota, o advogado que representa a Clínica e Maternidade São Lucas informou que as cirurgias não foram feitas por qualquer mutirão. Todas foram realizadas “a partir de prévias consultas médicas com todos os pacientes”.
A defesa da clínica disse que todas as cirurgias ocorreram no mesmo dia e que cada procedimento realizado durou de 10 a 15 minutos de duração.
O advogado ainda reforçou que o espaço atua de forma regular perante os órgãos de fiscalização e quer “cumpre rigorosamente com os protocolos de prevenção e controle de infecção hospitalar, visando minimizar os riscos de contaminação”.
“Estamos trabalhando em estreita colaboração com especialistas e autoridades em saúde para investigar cada caso individualmente e prestando todo o suporte necessário aos pacientes e familiares, inclusive em relação a pacientes com ações judiciais em curso”, pontuou.
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