Metade da população LGBTQIAP+ em favelas já sofreu discriminação onde trabalha, e homofobia nesses lugares ‘não é crime’, diz estudo


Sob o jugo do crime organizado — seja tráfico ou milícia —, a vítima de homofobia fica praticamente desamparada. ‘Na favela, existem regras, muitas delas trazidas por igrejas neopentecostais, que nos colocam em risco’, destaca a coordenadora Gilmara Cunha. Vista da Rocinha
Reprodução/TV Globo
Um levantamento inédito mapeou e ouviu a população LBGTQIAP+ que mora nas favelas cariocas. Quase metade dos respondentes afirmou ter sofrido alguma forma de discriminação sexual ou de gênero durante o trabalho — muitas das vezes, dentro da própria comunidade.
Mas ser gay ou lésbica na favela é diferente de sê-lo no asfalto, como destaca o estudo do Conexão G em parceria com a ONG Redes da Maré.
“A criminalização da homofobia não funciona e não vai funcionar dentro das favelas”, afirma a coordenadora do projeto, Gilmara Cunha.
Gilmara explica que, sob o jugo do crime organizado — seja tráfico ou milícia —, a vítima de homofobia fica praticamente desamparada.
“Aqui dentro, existem regras, muitas delas trazidas por igrejas neopentecostais, que nos colocam em risco”, destaca Gilmara. “Como vamos denunciar um agressor que mora a três casas da nossa?”, questiona.
A coordenadora diz que as políticas públicas contra a violência de gênero não chegam às favelas. “Uma travesti aqui dentro é diferente da do asfalto. É diferente ser gay, lésbica dentro de uma comunidade. Não queremos que isso aconteça. Queremos fazer parte da democracia e da sociedade.”
Essa invisibilidade levou à pesquisa. “Percebemos que era preciso quantificar e qualificar esses dados em um processo de política inclusiva e não excludente”, emenda Gilmara.
Durante 1 ano e meio, os pesquisadores foram a 60 comunidades e ouviram 1.705 pessoas LGBTQIAP+.
O que a pesquisa aponta
Raça
53% se declararam negros;
24%, brancas;
13%, amarelas;
9%, indígenas;
1% não respondeu.
Impacto da polícia
48,28% já sofreram violência em uma abordagem policial;
47,80% já tiveram suas moradias invadidas;
70% disseram terem ficado impossibilitados em alguma ocasião de ir para casa em decorrência de operações policiais;
24,28% contaram que já se sentiram ameaçadas em uma abordagem policial por sua identidade de gênero ou orientação sexual.
Agressões e assédios
23,5% declararam já terem sofrido assédio sexual;
25,5%, abuso psicológico;
80% das que se declararam lésbicas afirmaram que foram vítimas de assédio sexual;
60% dos homens gays relataram assédio moral.
Empregabilidade
41% contaram que nunca tiveram carteira assinada, e os trans são os que mais têm dificuldade;
65% das mulheres trans ou travestis responderam que são ou já foram profissionais do sexo.
31% recebem menos de um salário mínimo mensal;
9,4% vivem com menos de R$ 500 no mês.
“Identificamos na pesquisa que 60% da população trans sobrevive com menos de R$ 100 por semana. Quando se trata das travestis, esse valor é muito menor. Porque elas não estão inseridas no mercado de trabalho, não têm acesso ao processo educativo, não são aceitas na sociedade. A única opção é a prostituição, mas não é o desejo de todas”, detalha Gilmara.
O Conexão G oferece a cozinha trans. “Elas têm que ter outras opções para além de cabelo e maquiagem”, justifica.
Saúde
49% das mulheres trans e travestis vão ao médico mais de 2 vezes ao ano;
40% dos homens trans raramente vão;
28% dos homens trans entrevistados disseram que o posto médico em suas comunidades não distribui os medicamentos que precisam.
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