As primeiras palavras de dois campeões (por Marcos Magalhães)

Socos, cadeiradas e um falso laudo médico atraíram a São Paulo as atenções do primeiro turno das eleições municipais. Mas, para melhor entender o atual momento político do país, é bom prestar atenção ao que disseram dois campeões de votos situados do centro para a esquerda.

O primeiro deles é o prefeito reeleito de Recife, João Campos, do PSB. Aos 30 anos, o filho do governador Eduardo Campos obteve 78% dos votos na capital pernambucana e se prepara para seguir o caminho do pai e disputar o governo do estado em 2026.

Um dos raros expoentes progressistas nas eleições municipais, mesmo ainda muito jovem ele sugeriu a adoção de uma nova postura aos partidos aliados. Mais do que se preocupar com a disputa ideológica, disse ele, a esquerda deve buscar sintonia com os desejos dos eleitores.

“As pessoas querem que a cidade melhore”, observou Campos. “Elas estão sedentes por um projeto de cidade que de fato se realize”, disse o prefeito, citando como exemplos o aumento de vagas em creches, a expansão de hospitais e as obras de mobilidade.

Se permanecer restrita ao que chamou de “disputa de narrativa de campo ideológico”, a esquerda vai perder contato com a população. “As pessoas dizem ‘tudo bem, mas quem é que vai fazer o que eu preciso para minha cidade’?”

A disputa ideológica pode mesmo ser um caminho perigoso para os que não estão sintonizados com a onda bolsonarista que varreu o país há seis anos e que permanece forte mesmo após dois anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Antes dessa onda, era difícil que algum candidato admitisse ser de direita. No máximo seria de centro. O pêndulo agora mudou de lado, e os conservadores e ultraconservadores se orgulham de exibir a conexão com a direita.

De fato, o velho centrão e a nova direita – esta mais ideológica e radical – marcaram pontos nas eleições deste ano. E o refrão anticomunista será ouvido mais uma vez na disputa de segundo turno em São Paulo, do prefeito Ricardo Nunes contra Guilherme Boulos, do PSOL.

Mas ainda existe espaço para quem não repete esse discurso. O prefeito reeleito de Recife é o melhor exemplo à esquerda, de alguém que optou pelo pragmatismo de uma boa gestão.

Pelo centro, a melhor história de sucesso vem do Rio de Janeiro, onde Eduardo Paes, do PSD, obteve 60% dos votos e conquistou, já no primeiro turno, o seu quarto mandato à frente da segunda maior cidade brasileira.

Paes era o prefeito quando o Rio recebeu os Jogos Olímpicos de 2016. A cidade alcançou ali projeção mundial, mas logo começaram as críticas pela falta de reaproveitamento das instalações construídas para os jogos.

Depois da eleição de Marcelo Crivella, no mesmo ano, a cidade foi ladeira abaixo. As instalações olímpicas foram esquecidas, as estações de BRT foram depredadas e fechadas, muitas obras foram paralisadas e as contas ficaram no vermelho.

Em seu terceiro mandato, Paes conseguiu recuperar as contas, reconstruir os corredores de ônibus e reutilizar instalações olímpicas em parques e escolas. Também criou parques e espalhou pela cidade escolas em tempo integral, com ênfase em novas tecnologias.

O resultado da eleição reflete o reconhecimento do trabalho. Mas também indica o sucesso de uma postura pragmática. Na primeira declaração após as eleições, ele tinha a seu lado desde o bolsonarista Otoni de Paula a representantes de partidos de esquerda, como PT, PSB e PDT.

O prefeito agradeceu ao presidente Lula pelo apoio que tem dado à sua gestão e, como o colega reeleito de Recife, defendeu atenção aos problemas reais da população.

“Essa eleição é sobre o que a gente deseja para o Brasil”, disse Paes. “Chegou a hora de parar com a polarização, com essa dualidade, como se fôssemos inimigos. Não somos. Aqui tem um grupo diferente que mostrou que dá para se juntar mesmo pensando diferente”.

Ele vai precisar muito desse grupo heterogêneo. Basta sobrevoar o Rio de Janeiro para perceber que, ao lado de suas belezas naturais, permanece um quadro de grande desigualdade e de persistente pobreza. Mais do que nunca serão necessários investimentos em saúde, educação, urbanização e mobilidade.

Apesar dos antigos problemas, porém, o Rio permanece a principal face do Brasil para o resto do mundo. E agora, no final do ano, receberá representantes dos vinte países mais importantes do planeta para a cúpula do G-20.

A gestão municipal não é um assunto menor, apesar de a cobertura jornalística das eleições ter dado muito mais importância à redistribuição de poder entre os partidos e, principalmente, às consequências dos números de 2024 sobre as eleições de 2026.

Como bem lembram João Campos e Eduardo Paes, é preciso estar mais sintonizado com os desejos da população, em vez de se perder em guerras ideológicas. Esse pode ser um bom caminho para reequilibrar as forças políticas do país.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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