Por vista e segurança, bares saem do chão e viram ‘ilhas’ em prédios no Centro de SP; especialista compara prática a ‘safári’


g1 visitou dois locais inaugurados recentemente na República e no Viaduto Santa Ifigênia. Professor de Urbanismo diz que barateamento de imóveis faz com que empresários invistam na área, mas isolem clientes: ‘Para o público desses locais, o Centro vira um ambiente exótico’. Bares e baladas ocupam andares de prédios no Centro de SP
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O Centro de São Paulo sempre foi repleto de botecos tradicionais, eventos culturais e festas espalhadas pela madrugada. Com a pandemia, muitos estabelecimentos acabaram fechando, o que deu uma imagem de abandono à região. Mas essa sensação pode estar no fim: empresários estão voltando a investir na área, principalmente os ligados à vida noturna, que aproveitam o “boom” do fenômeno dos rooftops para ocupar andares de edifícios, longe da insegurança das ruas.
Para os empreendedores: esta é uma forma de mostrar a arquitetura do Centro para os clientes, mas de uma forma segura.
Para um especialista: esta modalidade de lazer se aproxima de uma experiência comparada a um “safári” na região central.
Este movimento veio acompanhado de mudanças recentes. Em 2022, a Prefeitura de São Paulo lançou um projeto de revitalização do Centro, o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Setor Central, com intervenções nos distritos da República e da Sé, e o Setor Centro Metropolitano, que abrange total ou parcialmente os distritos de Brás, Belém, Pari, Bom Retiro e Santa Cecília. Investiu também na Lei do Retrofit, aprovada em 2021 e que incentiva a reforma de edifícios antigos.
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Nas ‘costas do Copan’
Na Rua Martins Fontes, atrás do Copan, um edifício que parece comum guarda o Matiz, um bar que ocupa o último andar do local. Ele foi fundado como um “bar de escuta” e funciona até as 3h.
“Não tinha um projeto como o Matiz no Centro de São Paulo, o que é um desperdício muito grande. E, daí, fui entender por qual motivo não tinha. Cheguei à conclusão que é fruto da questão imobiliária, da insegurança, vários fatores que impossibilitavam os empresários de virem para cá”, avalia Yuri Mendonça, um dos sócios do bar.
Yuri Mendonça, um dos sócios do Matiz.
Rafael Peixoto/ g1
Yuri é de Recife e inaugurou o Matiz em setembro de 2023, um bar que tem a música como sua espinha dorsal. Ele conta que pensava no projeto há mais de 10 anos e sempre teve o Centro como prioridade para dar início a algo.
O local fica no 11º andar de um edifício e ocupa também a cobertura. São dois ambientes: uma sala de audição com Djs e o terraço.
“Vir para o Centro é uma coisa que me brilhava nos olhos e achar esse local foi meio que divino, ele meio que me achou. Tinha que ser no Centro, porque para quem não é daqui [de São Paulo] o Centro é onde acontecem as coisas”, completou.
O Matiz parece uma sala de estar comum de um apartamento, mas com um bar, além de ter sido pensado para ter a estrutura acústica de um estúdio musical. “Estamos dentro de um estúdio, temos placas acústicas que ajudam na absorção do som e no conforto acústico, tudo para trazer uma experiência nova de ouvir música.”
O bar também tem uma vista privilegiada do Centro da capital.
“A gente está em uma região que eu diria que é segura, mas é segura com cuidados. Aqui a gente fica ilhado e completamente distante da violência que acontece lá embaixo. Elevamos a experiência visual para o cliente e calhou com a segurança”, afirma Yuri.
SP 360º
E foi a experiência visual que também atraiu o argentino Exequiel Felipelli, um dos sócios do recém-inaugurado Ephigenia, que ocupa dois andares de um edifício no Viaduto Santa Ifigênia, no Centro Histórico.
Quando questionado do porquê ter escolhido o prédio, Exequiel é categórico: “Pela vista”.
Ele tem uma vista de 360º da cidade de São Paulo. De lá podem ser vistos monumentos como: Edifício Martinelli, o antigo “Banespão”, atual Farol Santander; Vale do Anhangabaú; Viaduto Santa Ifigênia; Mirante do Vale e até o Pico do Jaraguá.
Exequiel e Caio, sócios do Ephigenia.
Rafael Peixoto/ g1
O local ainda está passando por reformas, mas já está em funcionamento, recebendo festas e Djs. O Ephigenia conta com duas pistas e fica aberto até as 5h.
“A gente ficou numa árdua pesquisa atrás de locação, depois achamos esse espaço e vimos que ele tinha um ótimo potencial. Decidimos abraçar e investir aqui. A ideia inicial sempre foi ocupar um prédio com uma vista bonita no Centro”, afirma.
“Acreditamos muito na revitalização do Centro, a gente veio para essa área que ainda está em processo de revitalização, mas acreditamos que, em não muito tempo, vai virar um ‘point’ noturno”, completa.
‘Ilhados’, mas seguros
Tanto o Matiz quanto o Ephigenia ficam dentro de prédios comerciais. Quando chegam ao local, os visitantes ficam “ilhados” acima do Centro da cidade. O Ephigenia fica ao lado da estação São Bento, na Linha 1-Azul do Metrô. Sempre que os clientes saem da estação, há um segurança esperando e sinalizando o caminho até o edifício. No trajeto, haverá outro agente.
Esta é uma das medidas que os donos encontraram para proporcionar mais segurança para os clientes. A fila para entrar começa na portaria do prédio e também é acompanhada por seguranças.
Já o Matiz fica a 9 minutos da estação do Metrô República, das linhas 3-Vermelha e 4-Amarela, mas, segundo Yuri, os clientes geralmente chegam de transporte por aplicativo. Para não terem que esperar na rua, a fila para entrar é formada dentro do estacionamento do edifício.
Mendonça, um dos sócios do Matiz, explica que mudou a fila para o estacionamento para evitar os furtos na rua. “São algumas preocupações que a gente tem com o bem-estar do cliente e que ajudam a ter um certo controle pela segurança”, afirma.
Já Felipelli, ressalta a importância da revitalização do Centro para a área ficar mais segura. “Não adianta nada colocar seguranças se não tem pessoas”, afirma.
“Durante o dia, tem muito comércio, mas fecha e fica deserto, então dá essa brecha. Se à noite tiver vida noturna, fica muito mais difícil ter violência”, acredita.
Os dois também concordam que o fato de os estabelecimentos serem na cobertura dos prédios auxiliam na sensação de segurança.
De acordo com Mendonça, isso abriu a possibilidade de pessoas que não são acostumadas com o Centro visitarem o local. Ainda segundo o empresário, a maioria de sua clientela não usa o Metrô ou o transporte público para sair do local, o que permite que o Matiz feche às 3h, 1h40 antes da abertura do Metrô.
‘Safári’ no Centro
Para Pedro Vada, professor de Urbanismo na Escola da Cidade, o barateamento de imóveis no Centro proporciona a empresários a oportunidade de fazer uma espécie de “safári”. O urbanista ainda argumenta que este é um movimento antigo, que começou com os rooftops, mas sofre algumas modificações para voltar a ocupar a região central, que foi negligenciada nos últimos anos.
“Você ocupa uma região que é barata por conta do abandono do poder público, mas com uma parcela da população que tem muito dinheiro, atraindo um público classe média, classe média alta, principalmente jovens. A própria prefeitura tem um esforço para colocar mais áreas de habitação no Centro”, conta.
Mas qual o lado negativo de atrair mais pessoas para o Centro? Segundo Vada, o real problema é a falta de investimento em locais que já existem e são utilizados pela população.
“Esses bares e baladas não estavam no Centro, não são acostumados a estar no Centro, mas vêm para cá ocupar lugares mais baratos e que têm uma visão do Centro revitalizado. Para o público desses locais, o Centro vira um ambiente exótico, um verdadeiro safári. Eles chegam em ambientes megacontrolados, com segurança, sobem em um prédio e ficam completamente isolados do que acontece embaixo, ficam só com a paisagem maravilhosa”, afirma.
“É um safári de um ambiente que poderia ser perigoso, mas está controlado. O térreo vai continuar com os mesmos problemas e ainda tem toda uma relação com as pessoas que querem estar nesses lugares, mas não vêm para o Centro. Eles não pegam metrô, eles vêm de carro, sobem e depois vão embora.”
*Sob supervisão de Paula Lago
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