‘Anatomia de uma queda’ traz drama instigante graças a ótima direção e elenco impecável; g1 já viu


Vencedor da Palma de Ouro de Cannes 2023 foi indicado a cinco Oscars, incluindo melhor filme, direção e atriz. À primeira vista, “Anatomia de uma queda”, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (25), poderia ser apenas mais um desses dramas de tribunal que existe aos montes em canais de TV por assinatura ou nas plataformas de streaming da vida. Mas isso é apenas na superfície.
O filme dirigido por Justine Triet (“Sybil”) apresenta uma obra muito mais elaborada do que a maioria vista no gênero, que instiga e prende a atenção durante os seus 151 minutos de duração. Isso se deve a um grande cuidado para contar bem sua história e desenvolver seus personagens de maneira profunda e, ao mesmo tempo, bastante satisfatória.
“Anatomia de uma queda” se consagrou como um dos melhores filmes de 2023 desde que conquistou a Palma de Ouro em Cannes e conseguiu cinco indicações ao Oscar 2024 — mesmo sem ter sido a escolha da França para representar o país na categoria de produções internacionais.
Com isso, aparece nas listas de melhor filme, melhor direção (Justine Triet), melhor atriz (Sandra Hüller), melhor roteiro original e melhor edição. Todas merecidas.
No Globo de Ouro 2024, levou ainda os prêmios de melhor roteiro e melhor filme de língua estrangeira.
Assista ao trailer de ‘Anatomia de uma queda’
Logo nos primeiros minutos, o público é apresentado aos três personagens essenciais da trama: a escritora Sandra Voyter (Sandra Hüller, de “Zona de Interesse” e “As faces de Toni Erdmann”), seu marido, Samuel (Samuel Theis) e o filho do casal, Daniel (Milo Machado Graner), que vivem em uma casa isolada nos Alpes franceses.
Um dia, Samuel cai do alto de uma das janelas da casa e morre. A tragédia é investigada pelas autoridades da França e o caso vai parar nos tribunais. Durante o julgamento que acusa Sandra da morte do marido, certos fatos sobre a vida do casal são revelados, o que faz com que Daniel entre em conflito.
O menino, que depôs como testemunha, não tem certeza do que realmente aconteceu, já que é deficiente visual, nem se a mãe é realmente inocente, o que abala a relação dos dois.
Sandra (Sandra Hüller) é julgada pela morte do marido em ‘Anatomia de uma queda’
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Culpada ou inocente?
O grande destaque de “Anatomia de uma queda” é a forma com que Triet desenvolve sua história, na qual mostra pulso firme para contá-la da melhor maneira possível. Assim, a cineasta francesa consegue construir um drama familiar sólido e intenso, sem se descuidar dos momentos ocorridos no tribunal.
Triet, que também assina o roteiro ao lado de Arthur Harari (que coescreveu “Sybil” com ela), é muito bem-sucedida ao fazer com que as reviravoltas da trama funcionem de forma contundente, brincando com a possível culpa ou inocência da protagonista.
Sandra (Sandra Hüller) pede ajuda ao amigo e advogado Vincent (Swann Arlaud), em ‘Anatomia de uma queda’
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Essa ambiguidade é essencial para deixar o espectador intrigado sobre a personalidade de Sandra, que é mostrada de forma bem profunda e densa, tornando-a bastante tridimensional. Isso ajuda a fazer o espectador refletir se ela é uma boa pessoa ou não, inclusive em relação a seu filho. Esse dilema só engrandece o filme.
Além disso, a diretora trabalha também com temas atuais, como a influência das redes sociais para “cancelar” ou não a reputação das pessoas. Afinal, à medida que o julgamento avança, os fatos revelados na internet ora ajudam, ora prejudicam a situação da escritora, que ainda tem que lidar com a desconfiança dos franceses por ser alemã, porém criada na Inglaterra, e nunca se sentiu totalmente confortável naquele país. De forma sutil, a cineasta trata os efeitos que a xenofobia, algo que está sendo cada vez mais discutido na Europa, podem causar na vida das pessoas e isso é algo louvável.
Triet também se destaca na condução de cenas bem impactantes. Com ótimos diálogos, a diretora cria momentos memoráveis, como a sequência em que Sandra e Samuel discutem e colocam para fora todas as suas frustrações. Não tem como não ficar impactado com esse momento no filme. Assim como um envolvendo Snoop, o cãozinho de Daniel, que pode chocar principalmente quem tem um bicho de estimação. Nessas duas cenas, ficam bons exemplos de quão excelente é seu trabalho na direção.
Sandra Hüller foi indicada ao Oscar por sua atuação em ‘Anatomia de uma queda’
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Mãe e filho de ouro
O outro grande mérito de “Anatomia de uma queda” está em seu incrível elenco, em que os maiores destaques são Sandra Hüller e Milo Machado Graner. A atriz, que já havia trabalhado com Triet em “Sybil” (2019), domina a tela com uma atuação fascinante e complexa.
Isso se deve ao fato de que sua personagem apresenta um comportamento contraditório, seja com as pessoas que estão ajudando em sua defesa, como o amigo e advogado Vincent (Swann Arlaud), seja com seu próprio filho. A interpretação de Hüller ajuda a plantar a dúvida no espectador se Sandra é realmente inocente da morte do marido como diz, ou se tem alguma culpa pela tragédia. Talvez outra atriz não conseguiria um resultado tão bom.
Já o jovem Milo Machado Graner impressiona por ter que construir um personagem difícil. Seu Daniel é um garoto com diversos problemas pessoais, que ficam ainda mais complicados com a suspeita que passa a pairar sobre sua mãe, com quem não tem um relacionamento tão bom quanto tinha com o pai falecido. O ator passa muita verdade nas cenas em que tem que mostrar as inseguranças e medos de Daniel, o que ajuda a tornar o filme uma experiência e tanto.
Daniel (Milo Machado Graner) vive um grande conflito interno em ‘Anatomia de uma queda’
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