Aniversário de SP: projeto de moda oferece formação, emprego e terapia para presas e egressas

Fundadora da Passarela Alternativa, Karen Brandoles largou seu emprego na indústria da moda para se dedicar ao trabalho no sistema carcerário. Projeto se conecta ao ODS 16. Em 2011, Karen Brandoles era uma jovem estilista, de origem cristã e de classe média-alta quando visitou pela primeira vez uma unidade prisional. Na ocasião, enquanto fazia um trabalho social, percebeu que as roupas das presas não tinham cor, o que tirava o brilho daquelas mulheres.
Para ela, um ambiente sem vida. Já no ano seguinte, conseguiu promover o seu primeiro desfile com 18 mulheres do presídio de São Miguel Paulista, extremo Leste da capital paulista.
Por trás das belas roupas e maquiagens, histórias eram contadas para Karen, que hoje tem 35 anos. Foi então que ela decidiu criar algo maior para oferecer dignidade para mulheres presas, muitas com realidades bem diferentes da sua.
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Assim surgiu, em 2018, a ONG Passarela Alternativa, um projeto que oferece formação em moda, corte e costura, além de renda e apoio psicológico para presas e egressas das unidades prisionais da capital paulista e outras cidades da região metropolitana.
“O projeto nasceu, realmente, como uma ferramenta de transformação social para meninas e mulheres. Moda é afetividade, expressão, comportamento, e ver aquelas meninas sem identidade, além de estarem reclusas da sociedade, mexeu muito comigo. Pensei: ‘Eu poderia estar aqui se eu não tivesse as oportunidades que tive’. Resolvi usar a oportunidade e o talento para mudar a vida dessas mulheres”, comenta Karen, fundadora da ONG Passarela Alternativa.
Para manter seu projeto em desenvolvimento, Karen precisou sair de seu emprego formal na indústria da moda e de outros projetos. Nesse período, também precisou lidar com o fim conturbado de seu casamento.
Mudando vidas
Karen cita uma frase da escritora e ativista de direitos humanos norte-americana Audre Lorde. “Não serei livre enquanto alguma mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas.”
E isso também é refletido na vida de quem já passou pelos cursos da ONG. Como a de Adriana Cássia, de 40 anos. Mãe de quatro filhos, ela realizou, ao longo dos últimos anos, serviços de faxina, produção de bolos e costura. Após 4 anos e 3 meses em regime fechado, Adriana passou a cumprir a pena em regime semiaberto, quando enfrentou obstáculos para quebrar os estigmas de ser uma ex-detenta no Brasil.
Foi a partir da capacitação em moda, costura e empreendedorismo que Adriana conseguiu ir contra as estatísticas e, pouco a pouco, conquistou seu espaço em uma sociedade repleta de preconceitos. Ela destaca que o apoio oferecido a ela pela ONG foi de grande impacto e hoje é revertido em esforços para ajudar outras mulheres com vivências semelhantes.
“Eu vim para cá tentar de novo. E aqui, na ONG, eu nasci como pessoa. Renasci, na verdade. Eu achava que era só mais um curso. Mas me senti acolhida, mais humana. Não me senti mais rejeitada”, relatou Adriana.
A egressa Silvia Helena conta que os projetos oferecidos pela Passarela Alternativa restauraram sua dignidade no auge dos 64 anos. Ela, que ficou órfã aos 9, precisou buscar nas ruas uma forma de sobreviver, mas conta que foi quando conheceu a rejeição.
“Conheci a fome, procurei oportunidade de trabalho, mas o preconceito naquela época era maior ainda. Então, foi aí que conheci as drogas, a vida do crime, fui presa. Você vira um bicho na rua. Depois de algumas tentativas, conheci a Passarela. Agora estou quase me considerando uma costureira profissional”, relatou Silvia, que destacou também os seus primeiros passos no curso.
“Cheguei aqui parecendo um bicho do mato, não confiava em ninguém, para mim tudo que os outros falavam era balela. Minha cabeça era assim. Mas com muita ajuda, paciência que elas tiveram comigo, assistente social, psicóloga, eu melhorei. Mudei completamente meu jeito de ver as coisas. Costumo dizer que aqui é família. O que eu não aprendi com 62 anos, aprendi em três anos. Minha vida inteira está resumida aqui nestes três anos. O projeto me trouxe esperança e enquanto ele existir eu estarei aqui”, completou.
Para Karen, poder oferecer dignidade e oportunidades é muito importante. Ela reforça que é uma forma de as mulheres se expressarem e se engajarem em suas próprias vidas. “Não sou salvadora. Estamos construindo um caminho juntas.”
Hoje a Passarela Alternativa tem uma parceria com a Secretaria de Assistência Penitenciária (SAP) para atuar também com as presas em regime semiaberto. O projeto auxilia na ressocialização das detentas através do corte e da costura.
“A gente consegue fazer uma analogia dos retalhos que seriam descartados, costurando novas peças, trazendo um novo ciclo de vida, um recomeço para aquelas peças, assim como na história delas. É isso o que a gente faz. Usar a moda a favor da vida”, completou Karen.
Por dentro dos ODS
Para as celebrações dos 470 anos da capital paulista, o Bom Dia São Paulo, o SP1, SP2 e o g1 exibem nesta semana uma série de reportagens sobre paulistanos que estão fazendo a diferença em cada uma das áreas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, ajudando a tornar a cidade um lugar melhor e mais justo para todos.
Nesta reportagem, tratamos do ODS 16: paz, Justiça e instituições eficazes, que fala sobre a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas, proporcionando o acesso à justiça para todos e construindo instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
Confira em detalhes o que ele estabelece:
16.1 Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares
16.2 Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças
16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos
16.4 Até 2030, reduzir significativamente os fluxos financeiros e de armas ilegais, reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado
16.5 Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas
16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis
16.7 Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis
16.8 Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governança global
16.9 Até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registro de nascimento
16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais
16.a Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive por meio da cooperação internacional, para a construção de capacidades em todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime
16.b Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável
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