Etnoturismo aproxima não indígenas dos povos originários

Aldeia ShanenawaDivulgação

A paulistana Hilda Raquel Guiaro, 60, começou um programa pessoal em 2018 para conhecer o Brasil de ponta a ponta. O objetivo era conhecer o país, as diversidades de origens, saindo da “bolha paulistana”, como ela destaca, e conviver com os brasileiros e suas diferentes culturas. Com isso, ela decidiu embarcar em uma aventura considerada diferente para muitos: visitar uma aldeia indígena.

“Era a minha primeira vivência em uma aldeia, expectativa muito alta. A preparação foi um pouco mais tensa, pois tinha que levar barraca e seria uma vivência mais raiz, o que me fez lembrar das viagens da época de universitária”, brinca a executiva de tecnologia. 

Chegando ao destino, que foi a Terra Indígena Katukina Kaxinawá, no Acre, ela conheceu a aldeia Shanenawa. “A alegria dos Shanenawa é tão contagiante. Passamos os dias dançando, brincando, vivendo a magia da floresta, aprendendo a cuidar do nosso corpo, a integração com a natureza, etc. Somos transportados para um mundo mais humano”, recorda.

Hilda é mais uma das muitas pessoas que está conhecendo o etnoturismo como possibilidade turística. Visitações em aldeias indígenas sempre foram possíveis, mas em menor escala. Agora, há agências especializadas em proporcionar esta experiência, que permite ao turista não indígena experienciar o contato direto com a vida, cultura, saberes, medicinas tradicionais e outros aspectos de um determinado povo indígena brasileiro.

O etnoturismo é uma das principais opções de turismo sustentável e de impacto, não só para quem o realiza, mas também para os moradores da região, que recebem os grupos e obtêm uma fonte de renda significativa. A expedição também desperta a preocupação socioambiental, preservando a biodiversidade local, o modo de vida e saberes ancestrais.

As aldeias indígenas que atuam com este tipo de prática oferecem serviços de estadia, alimentação, diversas oficinas e vivências, que aproximam os visitantes de seu modo de vida, realizando um intercâmbio entre pessoas que muitas vezes têm rotinas radicalmente diferentes do apresentado, o que potencializa as trocas realizadas. A venda de artesanato movimenta a economia local e traz inúmeros benefícios para as famílias.

“Ouvir as histórias, os conhecimentos ancestrais, a comida, os ensinamentos; o valor que eles dão para viver em comunidade; as dificuldades do dia a dia que eles enfrentam para preservar e manter a cultura viva com o desafio de terem que se adaptar à nossa cultura por uma questão de sobrevivência. Tenho orgulho de conseguir fazer parte desta história”, defende Hilda.

Quando ela foi visitar a comunidade Shanenawa, ela também pôde participar de todos os rituais.

“A experiência foi mágica. Todos os rituais encantam, são transformadores. O contato com a floresta, com o barro, com as medicinas, resgata a nossa essência que muitas vezes deixamos de lado, pode-se dizer até que estão adormecidas.”

Para ela, não apenas atendeu, como superou todas as suas expectativas. Tanto que já foi em duas vivências diferentes, uma no Acre e outra em Alagoas, na Terra Indígena Kariri Xocó.

“Na essência, as duas foram mágicas. Saímos do nosso dia a dia, entramos em um portal e começa a nossa conexão com a terra e as nossas origens”, enfatiza ela, que também aspira viver uma experiência do tipo mais uma vez.

Impactos nas aldeias

Moradores de Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs), cada vez mais pressionados por forças de desmatamento, atividades garimpeiras ou até mesmo pelo avanço das cidades, precisam, continuamente, atuar na mobilização, conscientização e divulgação de acontecimentos do seu dia a dia para que sigam como os guardiões dos biomas brasileiros.

Por isso, vivenciar experiências em tais locais gera impactos positivos para seus moradores que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), detêm 11,6% do território brasileiro.

“O turismo sustentável na aldeia Shanenawa tem trazido muito aprendizado, conhecimento e ajuda financeira para dar oportunidade de pessoas realizarem cursos, graduações e capacitações fora da aldeia e, posteriormente, para que sejam aplicados dentro dela”, destaca o Cacique Teka Shanenawa, do povo Shanenawa do Acre.

O líder continua: “É uma experiência de grande importância e que vem trazendo uma contribuição no fortalecimento sustentável. O turismo vem ajudando nas dificuldades que temos, inclusive está contribuindo com a faculdade das minhas duas filhas. Isso tem sido uma porta aberta para vender nossos artesanatos, mostrar nossa cultura e provar que não somos menos do que qualquer outra cultura ou povo brasileiro. Nunca na nossa história havíamos tido essa oportunidade.”

O Cacique Teka Shanenawa da Aldeia Indígena ShanenawaDivulgação

O etnoturismo, quando realizado de forma responsável e com cuidados socioambientais, é também uma ação de resistência, pois aproxima a população não indígena dos povos originários, de sua cultura, espiritualidade e saberes ancestrais, valorizando-os, ajudando a protegê-los e quebrando preconceitos ou estereótipos, além de ajudar a manter as terras nas mãos de seus donos originais e provando seu uso sustentável.

“Considero essencial que o turismo sustentável e o etnoturismo criem condições para fortalecer e preservar a cultura, além, é claro, de levarmos recursos financeiros. A vivência possibilita a criação de uma rede de divulgação e troca de conhecimentos. Tudo baseado em respeito mútuo, respeitando as diferenças entre as culturas. E não é um turismo assistencialista”, insere Hilda.

Boas práticas ao imergir em terras indígenas

Aldeia ShanenawaDivulgação

Após conhecer e entender o que o etnoturismo oferece e suas implicações, é hora de saber como imergir numa cultura que pode ser impactante e bastante diferente das vivências em centros urbanos.

Há algumas dicas, que tendem a facilitar a chegada a estes locais. Um dos principais pontos é que o território a ser visitado necessita de maior atenção com aspectos básicos.

  • Regras: terras indígenas possuem algumas regras específicas, como não consumir bebida alcoólica; não fazer barulho excessivo para não perturbar a fauna; não marcar nomes ou sinais em árvores, pedras, placas ou qualquer outro bem natural ou do parque e deixar pedras, conchas, flores e todos os outros itens no local;
  • Registros: vídeos e fotos são bem-vindos, mas acompanhados de bom senso. Não tire fotos de crianças desacompanhadas ou sem seu consentimento, assim como pessoas com corpos expostos ou em situações que possam gerar constrangimento;
  • Pesquise: conhecer uma aldeia indígena, mesmo que dentro de seu país, é um aprendizado e provoca choque cultural. Busque aprender sobre aquela comunidade antes da visita e dê preferência para palavras e termos apropriados.

Hilda também compartilha dicas práticas na hora do planejamento e dia a dia na aldeia. Para ela, é essencial levar apenas o necessário na mochila.

“Leve também repelente, pois o que mais incomodou na viagem foram os piuns [conhecidos como os mosquitos borrachudos]. Tirando isso, vá com o espírito livre para poder ter a melhor experiência de ancestralidade. Deixe em São Paulo as neuras, os preconceitos.”

Expedições em terras indígenas

Aldeia ShanenawaDivulgação

Há diversas maneiras de conhecer aldeias indígenas de forma sustentável e com experiências realmente imersivas, evitando o turismo predatório, superficial e estereotipado.

A Vivalá, organização especializada em turismo sustentável no Brasil, possui três expedições criadas em parceria com povos indígenas brasileiros nas terras indígenas Katukina Kaxinawá, no Acre; Kariri Xocó, em Alagoas; e Tenondé Porã, em São Paulo, nos biomas da Amazônia e Mata Atlântica.

“Acho fundamental estar com uma agência. Principalmente porque teremos planejamento, organização, logística e segurança, que são fundamentais para que a viagem seja maravilhosa e mágica”, compartilha a paulistana, que sempre viaja sozinha.

“Viajo sozinha, mas nunca estou sozinha. Nas viagens da Vivalá, os grupos são sempre muito bons e a integração é sensacional… e muitos, após as viagens, continuam se vendo. Mesmo aqueles que moram fora de São Paulo.”

Terra Indígena Tenondé-Porã, São Paulo 

Para quem busca uma vivência mais curta, mas também muito significativa, existem roteiros acessíveis e próximos da capital mais populosa do país. A expedição para a terra indígena Tenondé-Porã é perfeita para conhecer os hábitos, a luta por autonomia e a resistência do povo Guarani.

A terra indígena Tenondé Porã tem uma extensão aproximada de 16 mil hectares, abrangendo cerca de 10% da totalidade da cidade de São Paulo e de outros três municípios. É possível caminhar pelas exuberantes trilhas do território e vivenciar o nhanderekó (modo de ser) do povo originário que vive e resiste nas fronteiras da maior metrópole do Brasil.

A experiência pode ser realizada em um único dia e é excelente para quem está na capital paulista e quer ter uma vivência junto à natureza, mergulhando nos seus saberes ancestrais.

Os roteiros acontecem quatro vezes ao mês, tendo opções de Turismo de Base Comunitária (TBC) com foco na cultura local ou de aventura, em uma trilha de 8,5 km entre as aldeias Kalipety e Yrechakã. Localizadas a 55 km do centro de São Paulo, as vivências de cerca de 12 horas contam com transporte saindo da capital, com valores a partir de R$ 250 por pessoa.

Fora de São Paulo, há também opções como Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira (BA), Aldeia Tupé (AM), Aldeias Yawanawá (AC), Parque Nacional do Xingu (MT) e Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR).

Independentemente da expedição ou da comunidade indígena escolhida para se aprofundar em uma nova cultura e estilo de vida, é importante que o viajante esteja completamente aberto, de alma e coração.

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