Aqueles que sabem, não decidem

Aqueles que sabem, não decidemJosé Otero

A oportunidade de reunir alguns dos principais especialistas em telecomunicações e tecnologia da informação e comunicação (TIC) da América Latina em uma sala durante várias horas é um privilégio que poucos podem desfrutar. Eu fui um desses sortudos. No último mês participei de um evento em que mais de 20 especialistas de dez países analisaram a região sob diferentes perspectivas.

Alguns focaram no aspecto técnico e nas reais possibilidades que algumas tecnologias poderiam ter a curto e médio prazo no crescimento do setor. Outros voltaram sua atenção para os aspectos econômicos, buscando entender o impacto na produtividade das inovações tecnológicas que chegam à América Latina. A tríade de perspectivas principais é culminada pela visão do cientista político, examinando como as políticas públicas impactam e definem o que ocorre em cada um dos mercados regionais.

Tudo isso contemplado contra o filtro da regulação, um quadro tão assimétrico na América Latina, onde leis inovadoras para TIC e telecomunicações dividem terreno com jurisdições onde a única coisa que se destaca é a ausência de uma norma nacional para o setor. Desta forma, foram revistas a 5G e a inteligência artificial, discutindo-se a ausência de territórios verdadeiramente inteligentes neste lado do mundo e a primazia dada em transformar os fóruns de desenvolvimento em eventos fúteis de auto promoção, nos quais a agenda de um punhado de empresas subjuga as necessidades daquele terço dos latino-americanos que vivem, segundo a Comissão Econômica para a América Latina, em níveis de pobreza. Infelizmente, é mais viável abordar a vida com a filosofia de Leibniz e alardear os grandes progressos alcançados do que parar, avaliar, corrigir e continuar. Os piores regimes da história são aqueles que compreenderam que a melhor forma de dominação era publicar apenas boas notícias.

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O diálogo tentou dissipar a miragem e focar no que os dados indicavam. As conclusões não foram promissoras, uma vez que as cidades da região estão muito mal classificadas em termos de inteligência, se levarmos em consideração o Índice de Cidades em Movimento publicado pela escola de negócios IESE da Universidade de Navarra. A apropriação tecnológica pelos governos latino-americanos também não é motivo de orgulho, segundo dados do Fórum Econômico Mundial.

Estar na sala significava observar como os analistas realizavam uma taxonomia minuciosa do setor, classificando as possibilidades de crescimento, determinando o futuro aparente da inovação digital, a geração remota de conhecimento digital e a apropriação deste insumo pelas autoridades regionais. Às vezes parecia que o diagnóstico era simplesmente o resultado de uma autópsia.

O que foi identificado positivamente foram os grandes avanços na geração de dados, mas dados relevantes que vêm evoluindo no ritmo da tecnologia. A quantidade de informações existentes, em alguns mercados, supera amplamente o que era divulgado pelos órgãos governamentais há algumas décadas. O desafio é que esses dados não se percam ou que sejam ignorados ao revelar um presente distante das promessas eleitorais. Não pode ser mera coincidência que a coleta de informações estatísticas tenha tão baixa prioridade na maioria dos mercados da região.

Tudo ia bem até que do fundo daquele turbilhão latino-americano surgiu o comentário, lembrando, como um grito amargo, que falamos da mesma coisa, mas não estamos buscando soluções. Sim, sabemos que as coisas estão difíceis. Esquecemos que na Colômbia, há pouco mais de uma década, as TIC eram vistas como um elemento essencial e inerente ao crescimento social e econômico, que no Peru ainda se buscam fórmulas para conectar a selva e os Andes, que no Brasil e no Chile o governo tenta promover a criação de aplicações locais que sirvam para atender as deficiências da região. Que o Uruguai está tentando transformar a exportação de software em uma parte maior do PIB nacional. Ou que a quantidade de especialistas que a Argentina possui representaria um presente melhor para as tecnologias digitais.

Contudo, a viabilidade disto não depende tanto de planos de trabalho a longo prazo. A aprovação de um documento não garante nada, o crescimento do setor digital depende dos resultados das eleições legislativas e executivas de cada país. É lá que são enterrados projetos criados pela oposição, para que possam ressurgir como zumbis com um novo nome. Nas mãos daqueles que muitas vezes não conhecem nada sobre tecnologia está a decisão daquilo que deve beneficiar mais o setor. Aqueles que sabem, não decidem. Uma realidade. À medida que se falava mais sobre como os dados eram ignorados, sobre a falta de visão de longo prazo ou sobre a necessidade de um projeto de país, gradualmente os especialistas lamentavam as oportunidades perdidas, por se encontrarem vivendo num setor que pensa como se tudo fosse churrasco, pagode ou uma reunião social. Sim, com uma mistura necessária de promessas de amor, decepções e traições.

Talvez sejamos todos heterônimos de um mesmo ser, e como Álvaro de Campos, existimos em intervalos entre o que desejamos e o que os outros nos impõem. Desejamos progresso, escolhemos o carnaval. Desejamos o desenvolvimento, escolhemos a demagogia. Desejamos o bem-estar, escolhemos o populismo. Difícil andar assim.

No final, surge a frase: só nos resta continuar trabalhando. Isto porque no fundo, dentro desse coração que se projeta como duro e às vezes sarcástico, o que existe realmente é a dor de estar comprometido em tentar promover o bem-estar próprio, do próximo, da grande família de compatriotas que estão ao nosso redor. Sim, muitos desses especialistas são idealistas românticos que vivem e respiram desejando encontrar, como Peter Pan, a Terra do Nunca.

José F. Otero é professor adjunto da Universidade de Nova York. Esta coluna é escrita em caráter pessoal.

Twitter: @Jose_F_Otero.

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