Justiça do DF aciona Interpol para ajudar a trazer de volta ao Brasil gêmeas levadas ao Líbano pelo pai


Pai levou meninas em abril de 2022, sem autorização da mãe. ‘Me sinto com as mãos atadas’, diz Bianca Carneiro que espera há um ano e nove meses pela volta das filhas. Bianca Carneiro com as duas filhas que foram levadas para o Líbano pelo pai.
Reprodução/Redes sociais
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Há um ano e nove meses, Bianca Carneiro não abraça as filhas. As gêmeas foram levadas pelo pai para o Líbano, sem a autorização da mãe, em abril de 2022.
As meninas, atualmente com 5 anos, não entendem mais o que a mãe fala em português, e os encontros, por meio de chamada de vídeo, são cada vez mais raros. Em 2023, elas se comunicaram apenas quatro vezes ao longo de todo o ano.
A Justiça do DF deu decisão favorável à mãe sobre a guarda unilateral das meninas, mas a ação não pode ser executada no Líbano, por não ser um país signatário da Convenção de Haia. O TJDFT pediu, então, ajuda à Interpol para trazer as crianças de volta (veja detalhes mais abaixo).
“Quero trazer minhas filhas de volta. Do ponto de vista jurídico, eu me sinto com as mãos atadas. É como se a Justiça tivesse me dado esse recado, de que a gente já fez o que podia, e que não pode fazer mais nada”, diz a mãe.
Segundo o Ministério da Justiça, a subtração internacional de crianças pode ser caracterizada de duas formas: por levar a criança para um país diferente do qual reside ou por reter a criança em território estrangeiro. Além disso, essa subtração é feita por um dos pais ou familiares.
O g1 tenta falar com a defesa do ex-marido de Bianca. As advogadas da professora explicam que não há contato com advogados e nem com a Justiça no Líbano, pois o país não é signatário de nenhum acordo de cooperação que tenha a força da Convenção de Haia.
Relacionamento começou em 2017
Bianca é professora e mora em Brasília. Ela conheceu o ex-marido em 2017 e as gêmeas nasceram em março de 2018.
O relacionamento foi oficializado em 2021, após o casamento civil. Bianca Carneiro conta que sofreu diferentes formas de violência psicológica ao longo da relação, e que as meninas presenciaram as agressões verbais.
“Sofri violência psicológica, nunca sofri violência física […] Com elas era um pai ríspido, ele não tratava mal, mas era um pai bruto, o jeito de falar. Ele não agrediu as meninas. […] Ele é uma pessoa extremamente explosiva e desequilibrada”, diz Bianca Carneiro.
Durante a pandemia de Covid-19, o avô paterno das gêmeas ficou em estado grave de saúde. O pai das crianças decidiu então ir para o Líbano e, por conta do trabalho como professora, Bianca e as filhas iriam depois.
Com o uso de uma procuração, a emissão dos passaportes das meninas e a autorização para elas saírem do país poderiam sem feitas sem a presença de um dos pais. No entanto, a viagem não ocorreu à época, mas a procuração foi utilizada, em segredo, pelo ex-marido de Bianca para tirar as filhas do Brasil em abril de 2022.
Separação e ida para o Líbano
Em fevereiro de 2022, Bianca havia decidido se separar. Em abril, as crianças que iriam, em teoria, passar o fim de semana de Páscoa com o pai, foram para o Líbano sem a mãe ter conhecimento.
No dia 17 de abril ele telefonou para Bianca contando que tinha saído do Brasil. As gêmeas estavam com 4 anos à época.
“O combinado era deixar na escola na segunda-feira, mas ele me ligou no domingo à noite por vídeo. Eu vi as pessoas da família dele que moram no Líbano percebi que ele estava lá. Perguntei ‘você saiu por onde’, e ele ‘ eu saí por São Paulo, normal’. E eu , ‘mas como?’ E ele respondeu ‘você autorizou’”, diz a mãe.
Comunicação com as filhas
As meninas, filhas de Bianca Carneiro, em Brasília, antes de serem levadas pelo pai para o Líbano.
Reprodução/Redes sociais
Bianca explica que durante os primeiros seis meses das crianças no Líbano, ela conversava todos os dias com as filhas, por meio de aparelhos celulares de familiares do ex-marido.
“Minha relação com elas sempre foi de amor e proximidade. Passava todo o tempo com elas, era muito presente na vida delas. Uma das duas falava no início ‘mamãe vem me buscar’”, diz Bianca Carneiro.
A professora conta que o ex-marido insiste para que ela vá para o país do Oriente Médio. Como ela não quer, ele alega que Bianca abandonou as filhas.
Segundo a professora, ele bloqueou as chamadas dela para os telefones da família, e passou a monitorar as ligações de vídeo com as crianças.
“Me senti um lixo, me senti culpada, ele fez tudo nas minhas costas […] Não consegui falar no Natal, no Ano Novo. No aniversário delas do ano passado, não consegui falar com elas, mas pra ver a crueldade dele, o meu ex-marido me ligou na hora de cantar parabéns e ficou filmando as duas”, diz Bianca Carneiro.
Processos na Justiça
Bianca Carneiro entrou com três processos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) contra o ex-marido:
Violência doméstica: decidido a favor de Bianca, em agosto de 2022
Divórcio: conseguiu a decisão após um ano, em março de 2023
Guarda unilateral: em 17 de agosto de 2022, o tribunal decidiu, além da guarda unilateral, pelo pedido de busca e apreensão das meninas para a Polícia Federal e a Interpol
Líbano não é signatário da Convenção de Haia
Desde 2000, o Brasil é signatário da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças. O tratado internacional foi elaborado há mais de 40 anos e especifica em quais condições crianças podem sair do seu país de residência habitual sem o pai ou sem a mãe.
Com base nesse pacto, quando não há acordo entre os genitores sobre essa saída, um dos lados pode acionar as autoridades alegando a subtração internacional da criança.
A professora do curso de pós-graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília e especialista em Direito Internacional, Priscila Caneparo, destaca que o Líbano não é um dos países signatários da Convenção de Haia. Ela explica que quando há um pedido de busca e apreensão expedido no Brasil, não tem para quem mandar esse pedido no Líbano.
“Significa que ele não tem uma autoridade central, ou seja, ele não tem o órgão facilitador para fazer a busca e apreensão das meninas. Então fica mais difícil fazer a busca e apreensão”, diz a professora de Direito Internacional.
O país, localizado no Oriente Médio, é signatário de dois outros acordos internacionais: a Convenção para eliminação do Crime Organizado Transnacional e o Protocolo de Palermo. No entanto, segundo a professora Priscila Caneparo estes dois documentos são para imputar a responsabilidade criminal ao pai, e não para trabalhar para o retorno imediato das crianças, que é o que a Convenção de Haia faria.
Para a especialista, o caminho para a volta das crianças ao Brasil é “tortuoso” e depende da Justiça libanesa. Priscila Caneparo destaca que Bianca vai precisar de um advogado no país árabe para que a sentença brasileira seja homologada e reconhecida no Líbano, para então o Poder Judiciário no país do Oriente Médio cumprir a decisão.
O que dizem as autoridades brasileiras
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que quem cuida dos assuntos relacionados a casos de subtração internacional de crianças é a Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF), do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Procurado pelo g1, o Ministério da Justiça não respondeu até a publicação desta reportagem. No site da pasta, há a informação de que a subtração internacional de crianças não é crime no Brasil, pois não está prevista no Código Penal.
“No Brasil, a prática de subtração não é crime, pois não há previsão no Código Penal, razão porque é incorreto utilizar a palavra sequestro nesses casos. Ainda assim, se pai ou mãe, mesmo que detentor da guarda, transferir ou retiver a criança ou adolescente sem autorização da outra pessoa que detém a guarda para os fins da convenção, estará em violação das regras internacionais sobre a matéria e poderá ser instado a restituir a criança/adolescente ao seu país de residência habitual”, diz o Ministério da Justiça.
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