VÍDEO: Bolsonaro alertou Heleno para não “vazar” conversa sobre Abin

Reunião ministerial de Bolsonaro que embasou operação da PFReprodução/STF/PF

O general Augusto Heleno, antigo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) afirmou, em reunião com Jair Bolsonaro e ministros em julho de 2022, que tinha a intenção de infiltrar agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nas campanhas do então presidente (à reeleição) e de seu principal adversário na época, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com a Polícia Federal (PF), Bolsonaro interrompeu a fala de Heleno e afirmou que conversaria com o general “em particular” sobre o que a Abin estava fazendo. A PF sugere, em seus relatórios, que o então presidente possivelmente verificou “o risco em evidenciar os atos praticados por servidores da Abin”.

As declarações do general constam no vídeo que a PF encontrou no computador de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. As imagens foram tornadas públicas nesta sexta-feira (9) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Confira o trecho:

ATENÇÃO: o camarada @Brunocomunika pegou o corte da reunião secreta do Bolsonaro em que o general Heleno pede uma VIRADA DE MESA antes das eleições. Está na hora desse golpista capenga ir pra cadeia!pic.twitter.com/LNmGwmBTy0

— Vinicios Betiol (@vinicios_betiol) February 9, 2024

Leia a conversa entre Heleno e Bolsonaro que indica que ex-presidente poderia saber do uso ilegal da Abin

O diálogo entre Bolsonaro e Heleno se inicia com o general afirmando que já havia conversado com o novo diretor da Abin sobre um “esquema para acompanhar o que os dois lados vão fazer”.

“Dois pontos para tocar aqui, presidente. Primeiro, o problema da inteligência. Eu já conversei ontem com o Victor [Felismino Carneiro], novo diretor da Abin, nós vamos montar um esquema para acompanhar o que os dois lados vão fazer”, declara o general. “O problema todo disso é se vazar qualquer coisa. Muita gente se conhece nesse meio. Se houver qualquer acusação de infiltração desse elemento da Abin em qualquer um dos lados…”, prossegue Heleno, até ser interrompido pelo então presidente.

Sério, Bolsonaro atravessa a fala do general e dispara que o assunto deve ser tratado em reunião privada.

“General, eu peço que o senhor não fale por favor. Peço que o senhor não prossiga mais na sua observação, não prossiga na sua observação. Se a gente começar a falar ‘não vazar’, esquece. Pode vazar. Então a gente conversa particular na nossa sala sobre esse assunto”, diz Bolsonaro.

Com a reprimenta de Bolsonaro, Heleno leva a para outro tópico: a necessidade, segundo ele, de que o governo tomasse uma atitude antes do pleito, para evitar a vitória de Lula.

“O segundo ponto é que não tem VAR nas eleições. Não vai ter segunda chamada na eleição, não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições. Depois das eleições, será muito difícil que tenhamos alguma nova perspectiva”, disparou Heleno.

Operações da PF se entrelaçam

Nas últimas semanas, a PF tem investigado uma suposta organização criminosa que teria se instalado na Abin durante o governo Bolsonaro. Nas primeiras duas fases, as investigações tinham mirado o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Carlos Bolsonaro.

As denúncias apontam para o monitoramento ilegal de autoridades públicas e outros cidadãos, utilizando ilegalmente um sistema para rastrear a localização de dispositivos móveis, como celulares, sem autorização judicial.

Com a fala de Heleno no vídeo divulgado pela PF, as operações sobre a “Abin paralela” e o suposto esquema para instaurar um golpe de Estado se aproximam. Isso porque, durante as investigações das últimas semanas, Bolsonaro afirmou que não tinha conhecimento sobre o esquema de espionagem ilegal na Agência.

Na manhã desta quinta-feira (8), a Polícia Federal deflagrou a Operação Tempus Veritatis. A ação tinha como alvo um grupo que, supostamente, teria arquitetado um golpe após as eleições de 2022, com o objetivo de manter o então presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder.Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil – 20.02.2020
Ao todo, foram cumpridos 33 mandados de busca e apreensão, além de 4 mandados de prisão preventiva e 44 de medidas cautelares. Elas foram cumpridas nos estados do Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, além do Distrito Federal.Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – 04.10.2016
A operação teve como base a delação do ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Outras provas também foram coletadas pela PF para justificar as buscas promovidas pela operação. Os mandados foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de MoraesFoto: Antônio Cruz/Agência Brasil – 24.08.2023
Dentre os alvos, destaca-se o ex-presidente Jair Bolsonaro. Na operação, os agentes foram à casa do ex-mandatário em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, com o objetivo de apreender o passaporte. Entretanto, o documento não estava no local, sendo dado o prazo de 24 horas para ele ser entregue à Polícia. No tarde desta quinta-feira, o documento foi entregue em Brasília, sendo confirmado pelo advogado do ex-presidente, Paulo Bueno.Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – 04.12.2018
Dentre os presos, estão: os ex-assessores de Bolsonaro, coronel Marcelo Costa Câmara e Filipe Martins; o major do Exército Rafael Martins de Oliveira; e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.Foto: Montagem/Portal iG – 08.02.2024
A lista de investigados conta com ex-ministros de Bolsonaro e aliados, como o ex-ministro da Casa Civil Braga Netto; ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno; ex-ministro da Justiça Anderson Torres; e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira.Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – 25.09.2023
O ex-ministro da Justiça, inclusive, já responde ao STF por suspeita de conivência e omissão com os atos antidemocráticos do 8 de janeiro. Por conta desta acusação, Anderson Torres ficou quase quatro meses preso em 2023.Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil – 09.03.2023
Segundo a PF, o grupo teria se dividido em diferentes núcleos que disseminavam peças de desinformação sobre a fraude nas eleições de 2022. Elas teriam começado antes das eleições para “viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital’.Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil – 16.10.2022
A primeira parte do grupo teria trabalhado na construção de uma imagem de que as eleições foram fraudadas, espalhando fake news sobre a vulnerabilidade do sistema de votação eletrônico. A PF ainda afirma que o discurso é repetido desde 2019, e continuou após a vitória e posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).Foto: Pedro França/Agência Senado – 31.03.2023
Já o segundo eixo ficou encarregado de atuar na promoção de atos para subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito, com a promoção de um golpe de Estado. Segundo as investigações, o grupo era apoiado por militares com conhecimento tático de forças especiais em ambiente politicamente sensível.Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – 01.09.2023
A Operação Tempus Veritatis, que vem do Latim “hora da verdade”, é apenas uma das operações que estão em curso investigando a família do ex-presidente e aliados. Outras são: Operação Vigilância Aproximada, que investiga a chamada “Abin Paralela”; Operação Última Milha, investigando sobre o uso da ferramenta de espionagem “First Mile”; Operação Lucas 12:2, focado na investigação de um grupo ligado à Bolsonaro que supostamente comercializava joias e outros bens de valor; Operação Venire, que apura sobre a adulteração de dados sobre a vacinação contra a Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde; e a Operação Lesa Pátria, mais conhecida, que investiga os atos antidemocráticos do 8 de janeiro.Foto: Polícia Federal/Agência Brasil – 08.02.2024

Além disso, o diálogo entre os dois reforça o relatório da CPI das manifestações golpistas, divulgado em outubro do ano passado, em que a PF propõe que o enfraquecimento do órgão foi “proposital e está diretamente associado à tentativa de criação de um órgão paralelo de inteligência ― a “Abin paralela” ―, comprometido unicamente com os interesses do então presidente da República.”

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