Nunca mais, uma ova

O teatro macabro organizado pelo Hamas e protagonizado pelos reféns Eli Sharabi, Or Levy e Ohed Ben Ami no dia 8 de fevereiro)Reprodução

A cada sábado, dia do descanso segundo a tradição judaica, os israelenses são expostos a mais um espetáculo de terror. No último, foram libertados os reféns Alexander Sasha Trupanov, Sagui Dekel-Chen e Alexander Sasha Troufanov, todos eles raptados do kibbutz Nir Oz no dia 7 de outubro de 2023. Neste dia, Sasha tomou conhecimento do assassinato de seu pai no dia da invasão; já Sagui soube do nascimento de sua terceira filha, ocorrida durante seu período de cativeiro. Os três, visivelmente abatidos e claudicantes, foram barbaramente torturados, mantidos em túneis e isolados durante 498 dias.

A visão dos três foi um pouco menos chocante do que a do sábado da semana passada. Naquele dia, o mundo retornou ao ano de 1945, quando soldados dos exércitos aliados, desprevenidos quanto ao que estavam por encontrar, abriram os portões do inferno dos campos de concentração nazistas. Assistiram mudos e confusos à visão de figuras quase irreconhecíveis de seres humanos frágeis e acinzentados, com olhos enormes em meio a faces esmaecidas, o caminhar trôpego típico da fome, da exaustão, da solidão e do abuso.

Sagui Dekel, um dos três reféns libertados ontem, reencontra sua esposa depois de quase 500 dias de cativeiro.Reprodução

Assim foram vistos os reféns Or Levy, Eli Sharabi e Ohad Ben Ami, chocando não apenas os israelenses mas o mundo inteiro. Até mesmo o presidente americano Donald Trump comparou-os publicamente aos sobreviventes do Holocausto.

Com razão.

Condições divulgadas a conta-gotas

As informações sobre o período de cativeiro dos reféns (todos homens) das últimas semanas estão sendo veiculadas muito lentamente, o que nos dá tempo de respirar e tentar digeri-las. Uma bênção que seus familiares não compartilham com o público geral. Eles sofreram deterioração severa física e mental, desnutrição e diminuição de massa muscular, e desenvolveram doenças cardíacas. Os membros das famílias também declararam que sofreram abuso físico e psicológico durante todo o tempo de cativeiro.

Or Levy, sequestrado do Festival Nova, soube que sua esposa, Einav, havia sido assassinada no próprio dia do ataque do Hamas somente após ter sido trazido de volta a Israel. Ele foi mantido acorrentado em um túnel baixo e estreito, onde não conseguia colocar-se em pé. Or, nome que significa “luz”, precisou reaprender a andar para conseguir caminhar, amparado, até o palco onde o Hamas o fez participar de um espetáculo humilhante. Or finalmente reencontrou-se com seu único filho, de 3 anos.

Eli Sharabi, morador do kibutz Be´eri, reapareceu irreconhecível e com o olhar evidentemente perturbado. Antes de sua libertação, os terroristas gravaram com ele e os outros dois reféns um vídeo em que encenam uma comemoração bizarra após o anúncio de sua libertação. Nele, Sharabi agradece o Hamas e se diz feliz em saber que em breve reencontrará suas duas filhas, Noiya e Yael, e sua esposa, Liane: ele não sabia, mas os terroristas sim, que as três foram assassinadas em suas casas, no próprio dia 7 de outubro. Também seu irmão foi sequestrado, e morreu no cativeiro.

Já Ben Ami retornou às suas três filhas e à sua esposa, Raz. Ela fora sequestrada junto com ele, mas retornou a Israel após a primeira negociação de troca de reféns. A fundação do Estado de Israel, em 1948, trouxe em si a promessa de que nunca mais um judeu vivenciaria o que passaram seus antepassados durante a Segunda Guerra Mundial. Ela não se cumpriu e é terrível a expectativa do que se verá daqui para a frente.

Em Israel, estamos sem palavras. Uma reportagem local recente noticiou que, dos 10 milhões de cidadãos israelenses, 3 milhões estão em estado de trauma.

Achei o número bastante otimista.

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