Falta gestão, sobra paixão: por que as SAFs ainda não atraem o mercado de capitais

A transformação dos clubes de futebol em Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) foi vendida como um passo à frente rumo à profissionalização, à transparência e à atração de investimentos. No entanto, a realidade brasileira ainda está distante do cenário idealizado por defensores desse modelo. É o que afirma Amir Somoggi, especialista e sócio da consultoria Sports Value.

Em entrevista à BM&C News, Somoggi fez uma análise crítica sobre a real condição das SAFs no Brasil, avaliando desde a estrutura de governança até as perspectivas de acesso ao mercado de capitais. “Nenhuma SAF brasileira hoje tem condições de abrir capital na bolsa. Falta governança, falta gestão e sobra prejuízo”, sentencia.

Gestão de SAFs ainda reflete vícios das antigas associações

De acordo com Somoggi, embora o modelo jurídico tenha mudado com a SAF, a estrutura de gestão dos clubes permanece frágil. “O que se espera de uma SAF é o funcionamento como uma empresa, com conselho de administração, metas de longo prazo e foco em resultado. Mas o que temos são clubes que continuam operando com lógica de eleição, amadorismo e instabilidade”, aponta.

A consequência direta disso é o afastamento de investidores sérios, especialmente os institucionais, que exigem transparência, prestação de contas e governança robusta. “Não existe controle interno, não há práticas ESG implementadas e a política ainda comanda boa parte das decisões. Isso mina a confiança do mercado”, afirma.

Atração está na valorização dos ativos, não no lucro

Apesar das fragilidades operacionais, Somoggi reconhece que os clubes de futebol têm um apelo especial para o mercado: a valorização do ativo esportivo ao longo do tempo. Ele cita o exemplo do Chelsea, comprado por Abramovich por 83 milhões de euros e vendido por mais de 3 bilhões. “Mesmo com prejuízos operacionais durante anos, a venda do ativo gerou lucro extraordinário. O mesmo se vê nos Estados Unidos com franquias esportivas.

O interesse de fundos de private equity, venture capital e family offices cresce com base nessa lógica. “Eles sabem que, mesmo deficitário, um clube pode multiplicar seu valor de mercado. Mas isso exige um grau de profissionalismo que ainda não se vê no Brasil.

IPO de SAFs ainda é uma ilusão distante

Questionado sobre a possibilidade de abertura de capital na B3, o analista é direto: “Não acredito nem em cinco, nem em dez anos”. Ele aponta uma combinação de fatores que tornam o IPO inviável no curto e médio prazo: a crise da própria bolsa brasileira, a instabilidade política nacional, o modelo amador de gestão esportiva e o risco da performance esportiva impactar diretamente o preço da ação.

Você imagina uma ação caindo porque o time foi rebaixado, ou subindo porque contratou um craque? Isso não tem racionalidade para o mercado financeiro”, comenta. “O investidor da bolsa quer previsibilidade e retorno. No futebol, há paixão, imprevisibilidade e, muitas vezes, voluntarismo.”

Debêntures como alternativa mais realista

Para Somoggi, o instrumento mais viável para os clubes acessarem o mercado de capitais são as debêntures previstas na Lei da SAF. “É a melhor solução. Você capta recursos, alonga a dívida e não precisa vender o controle”, afirma. No entanto, ele alerta: sem credibilidade, nem isso funciona.

O problema é que os clubes não passam confiança. O Corinthians, por exemplo, tem uma dívida impagável, e ninguém vai emprestar dinheiro com esse risco. Tem polícia investigando a presidência. Como atrair investidor assim?

Performance esportiva x retorno financeiro: um dilema estrutural das SAfs

Outro entrave estrutural apontado por Somoggi é a instabilidade da performance esportiva. “O desempenho dentro de campo afeta diretamente a receita, a moral da torcida, os patrocínios e, por consequência, o valor da ação. Isso torna o investimento extremamente volátil.

Ele compara com outros ativos da bolsa: “É diferente de uma empresa que tem receita recorrente, contratos estáveis e margens previsíveis. O futebol depende de ganhar campeonatos, de não ser rebaixado, de contratar bem. É um jogo de perde e ganha. E isso assusta o investidor tradicional.

IPO: mais ferramenta de financiamento do que estratégia empresarial

Somoggi ainda alerta que, mesmo em mercados mais desenvolvidos, os IPOs de clubes de futebol muitas vezes geram frustração. Ele cita a Juventus e o Borussia Dortmund como exemplos de clubes listados cujas ações derreteram. “É comum que o clube capte milhões com a oferta pública, mas o investidor acabe com prejuízo.”

Segundo ele, o IPO tem sido mais um instrumento de financiamento do que uma estratégia de longo prazo. “Vira um ganha-perde: o clube ganha dinheiro, mas o investidor perde. Isso precisa mudar para que o mercado leve esse setor a sério.”

Falta preparo, sobra paixão

Para Somoggi, o futebol brasileiro precisa amadurecer como negócio antes de pensar em bolsa de valores. “O melhor caminho hoje é consolidar boas práticas de gestão, emitir debêntures com transparência e credibilidade, e só então cogitar abrir capital”, afirma.

Ele finaliza com um alerta: “O esporte é paixão, e a mercantilização dessa paixão pode matar o que há de mais valioso no futebol: o vínculo com o torcedor. Os grandes gestores são aqueles que conseguem conciliar a emoção do jogo com a racionalidade da gestão empresarial.

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