Sequestro do ônibus 174 completa 25 anos; tragédia uniu sobreviventes: ‘Virou amizade’


Vítimas depositaram flores no local onde foram feitos 10 reféns, em 2000; episódio terminou com duas mortes e expôs falhas da segurança pública. Fantástico reencontra vítimas do ônibus 174 após 25 anos da tragédia
O sequestro do ônibus 174, um dos episódios mais traumáticos da história recente do Rio, completou 25 anos nesta quinta-feira (12). O crime, transmitido ao vivo por quatro horas e meia em junho de 2000, terminou com a morte da refém Geísa Firmo Gonçalves e do sequestrador Sandro Barbosa do Nascimento.
Os sobreviventes da tragédia revisitaram, na última quarta-feira (11), o local do ocorrido, na Rua Jardim Botânico, Zona Sul, para uma cerimônia emocionada. Alexandre (marido de Geísa), Janaina e Damiana – reféns à época – depositaram flores e se abraçaram no ponto onde o coletivo foi paralisado.
Foi a primeira vez que os três estiveram juntos no local desde a tragédia. Os três sobreviventes criaram laços de amizade por conta do sequestro.
“Não dá para esquecer. (…) Eu tenho uma amizade com a Damiana. Como se fosse até uma mãe para mim. Ela é uma pessoa muito especial. Janaína é uma pessoa que eu adoro como uma irmã. As duas são essenciais”, comentou Alexandre.
“Virou uma amizade muito grande. A Janaína já foi várias vezes na minha casa agora”, completou Damiana.
Relembre o sequestro
Em 12 de junho de 2000, Sandro Barbosa do Nascimento – sobrevivente da Chacina da Candelária (1993) – tomou 10 reféns no ônibus da linha 174, no Jardim Botânico.
Ônibus 174
GloboNews
Após negociações fracassadas, que duraram mais de 4 horas, Sandro desceu do veículo com uma arma apontada para a cabeça de Geísa.
Um policial do Batalhão de Operações Especiais (Bope) atirou em Sandro, mas a bala atingiu Geísa, que morreu no local. Sandro foi asfixiado dentro de um camburão da polícia e chegou morto ao hospital.
Traumas e superação
Todos os sobreviventes relataram ao RJ2 mudanças profundas em suas vidas após o crime.
“Mudou tudo. Profissional, psicológico. Minha vida mudou por completo. O que eu tinha antes, hoje não tenho mais nada”, afirmou Damiana.
“Eu queria esquecer esse dia, que ele não existisse. Foi o dia que eu desci de casa feliz, de mão dada com uma pessoa que me amava e voltei sozinha”, analisou Damiana.
Sobreviventes e amigos da tragédia que parou o Brasil: o sequestro do ônibus 147
Reprodução/TV Globo
Janaina destacou a luta diária ao logo dos anos após a tragédia.
“Tenho dias bons e difíceis. Mas acredito que tudo pode melhorar. A gente tem que levantar da cama todo dia e ter forças para enfrentar o dia”, disse Janaína.
Alexandre, que se casou novamente, enfatizou a dor da perda: “Geísa sempre estará no meu coração. A vida segue, mas não esquecemos”.
A homenagem terminou com um longo abraço entre os três.
“Foi como se meu corpo inteiro tremesse. Senti a vibração desse dia”, descreveu Janaina.
Geísa Gonçalves
Rede Globo/Reprodução
Professora Geísa
Geísa tinha 21 anos e trabalhava como professora infantil. Natural de Fortaleza, ela se mudou para o Rio de Janeiro para viver com Alexandre, seu namorado, com quem mantinha uma relação desde a adolescência. Descrita como dedicada, carinhosa e responsável, era apaixonada pela educação e pelas crianças com quem convivia. No dia anterior ao sequestro do ônibus 174, Geísa fez um pedido a Alexandre: “vamos casar?”. A resposta nunca chegou.
Em Fortaleza, uma escola foi batizada com seu nome — um espaço que perpetua seu legado de afeto, educação e esperança. Como dizem os educadores locais, o futuro interrompido da jovem professora “recomeça no futuro desses alunos”.
Vinte e cinco anos depois, Alexandre tenta ressignificar a dor. Casado novamente e trabalhando como porteiro em Laranjeiras, ele revisitou recentemente sua cidade natal pela primeira vez em 16 anos. Lá, foi até o memorial onde Geísa está enterrada e conheceu a escola que leva seu nome. A visita foi uma forma de se despedir, reconhecer a importância da ex-companheira e encontrar alguma paz.
Escola recebe nome de Geísa em homenagem à vítima do sequestro
TV Verdes Mares/Reprodução
Damiana: a saúde abalada pela memória
Damiana Nascimento de Souza também estava no ônibus e era amiga de Geísa — as duas trabalhavam juntas na mesma escolinha. Foi a última pessoa próxima a vê-la com vida. Desde o sequestro, a saúde de Damiana nunca mais foi a mesma: sofreu nove derrames, tem uma das mãos paralisada e vive em condições precárias.
A aposentadoria veio por necessidade, e ela acredita que, se pudesse continuar trabalhando como professora, sua vida teria tomado outro rumo. Mesmo com todas as dificuldades, guarda a memória da amiga e do que viveram juntas como parte de sua identidade.
Janaína: o batom e a luta contra o medo
Janaina Xavier foi outra das reféns do ônibus 174. Ficou conhecida por escrever, com batom, a frase “ele vai matar geral às 18h” na janela do veículo. A ideia foi do próprio sequestrador, que encontrou o cosmético na bolsa de uma passageira. Janaina nunca entendeu por que escreveu ao contrário, mas o gesto virou símbolo de resistência.
‘Quem passa por esses traumas nunca esquece’, diz refém do sequestro do ônibus 174
Na época, ela tinha recém-chegado ao Rio, vinda de Campo Grande, para estudar Administração. O trauma a fez mudar de planos, itinerários e vida. Hoje, aos 43 anos, Janaina é mãe, casada e segue fazendo terapia. O medo de andar de ônibus ficou por muitos anos, até que o Caminho de Santiago, percorrido aos 33 anos, a ajudou a retomar o controle da própria história.
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