A discussão sobre a redução da jornada de trabalho e as transformações no mundo trabalhista, especialmente no contexto das plataformas digitais, é um dos temas em destaque na agenda da 113ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em Genebra. Presente no evento, que termina nesta sexta-feira (13), o ministro do Trabalho e Previdência do Brasil, Luiz Marinho, ressaltou a importância de enfrentar esse debate com profundidade, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.
“Isso aqui passa por um debate profundo que tem que acontecer globalmente, que é da redução da jornada máxima do cada país e um processo de inclusão forte do papel do sindicato, da negociação, da convenção coletiva”, disse.
Marinho destacou ainda que a economia de plataformas – ou trabalho por aplicativos – vai muito além do transporte de pessoas. Permeia setores variados como saúde, educação e serviços domésticos, demandando regulamentações específicas que garantam proteção social, remuneração adequada e jornadas justas. Para o ministro, o jovem trabalhador busca mais do que formalização — deseja condições dignas de trabalho, com liberdade, remuneração justa e respeito ao tempo de descanso.
Outro ponto abordado por Luiz Marinho foi a necessidade urgente de discutir a redução da jornada máxima de trabalho, pauta que, segundo ele, deve ser enfrentada globalmente e com forte participação dos sindicatos e negociações coletivas. A aprovação, na última semana de uma Comissão Normativa sobre o Trabalho Decente na Economia de Plataformas da Conferência Internacional do trabalho (CIT), com forte apoio do Brasil, foi vista pelo ministro como um avanço, embora ele ressalte os desafios políticos para a aprovação de projetos de lei no país.
Além disso, o ministro falou sobre o papel do Brasil em organismos multilaterais como o G20 e os Brics – bloco que reúne países do Sul Global –, destacando o debate ético necessário em torno da inteligência artificial, que, segundo ele, precisa ser colocada a serviço do desenvolvimento humano, e não da concentração de renda.
Por fim, Luiz Marinho alertou para os riscos das falsas narrativas, difundidas especialmente pela extrema direita e impulsionadas por tecnologias digitais, que podem confundir a população e prejudicar o debate público sobre direitos trabalhistas e justiça social.
Confira a entrevista na íntegra
Brasil de Fato: Ministro, o senhor tem uma longa experiência de participação na Organização Internacional do Trabalho e em suas atividades. Qual é a importância da OIT para o mundo do trabalho?
Luiz Marinho: Primeiro, o presidente costuma falar muito dos organismos multilaterais, a importância deles para se pensar a governança global, pensar a qualidade de vida do povo. Se com os organismos multilaterais de governança o mundo está nessa bagunça, imagina se não existisse nada que buscasse conformar, organizar, regulamentar, sugerir, recomendar.
No caso da OIT, o diferencial é ser uma organização tripartite, que busca congregar a visão do governo, portanto, dos Estados-membros, dos empregadores e dos trabalhadores. Portanto, é um estímulo à busca das negociações de entendimento, construção de visão comum, de desenvolvimento dos países. Essa é a recomendação. O esforço que se tem aqui, apesar da complexidade, dificuldade de chegar numa decisão comum entre 187 países. O povo brasileiro, o argentino, o americano, qualquer povo que possa imaginar como seria conjugar a visão de 187 países com as três visões: de governo, de trabalhadores e de empregadores. Tem sua complexidade. Então, o entendimento de uma convenção significa que ela tem toda a condição de ser implementada nos países, que passou por profundos debates de diferentes visões. Portanto, a gente sempre olha com bons olhos quando se tem uma convenção, uma recomendação do OIT para buscar criar condição de sinergia para o mundo real. No nosso caso, no Brasil a gente vê com bons olhos esse esforço tripartite que o OIT lidera e organiza.
Na Comissão Normativa sobre o Trabalho Decente na Economia de Plataformas da Conferência Internacional do trabalho deste ano, três temas vêm tendo destaque: proteção contra riscos biológicos no ambiente de trabalho, trabalho decente na economia de plataformas e formalidade e informalidade. Como tem sido a participação do Brasil nestas discussões?
O Brasil sempre tem uma atuação e uma ação destacada nos encontros da OIT e sempre costuma estar entre as maiores delegações, até pelo formato desse debate tripartite no Brasil. Há participação de seis centrais sindicais, mais as confederações empresariais, mais a área de governo. Portanto, sempre há um debate profundo, uma diversidade, grandes divisões. A nossa contribuição costuma ser sempre destacada em vários temas e não foi diferente nessa, não está sendo diferente nessa conferência.
O Brasil traz profundas contribuições em relação tanto ao debate de plataforma, como o debate da igualdade salarial, a necessidade de convencer as nações a buscarem dialogar com seus trabalhadores e empregadores. A busca da inclusão e respeito à mulher no mercado do trabalho, assim como todo o debate de mudança climática, olhando os problemas do impacto do calor na vida das pessoas, seja na agricultura, seja na construção civil, seja em qualquer área de atuação, em qualquer atividade econômica.
Portanto, o país participa com muito destaque nesse processo, assim como no debate de economia de plataforma. Muita gente às vezes fala da plataforma pensando somente no transporte de pessoas, mas tem transporte de mercadoria, está inserida na interação da mão de obra do serviço doméstico, de serviços, enfim, na saúde, na educação. A plataforma tem chegado em várias atividades econômicas no mundo, e o Brasil sempre procura refletir, trazer a sua participação para colaborar com esse debate, em busca de ter uma orientação que facilite para todos. Todo o país, neste momento, está buscando ter a sua legislação específica sobre, por exemplo, trabalhadores em plataforma. A OIT tirando uma convenção, uma orientação, uma recomendação, seguramente isso ajudará muito nos debates internamente de cada país.
Segundo o Informe da OIT, mais de 2 bilhões de trabalhadoras e trabalhadores no mundo têm emprego informal. No caso do Brasil, qual é a realidade sobre os trabalhadores que atuam na informalidade e quais políticas o governo vem implementando para haver uma transição da economia informal para a formal? Com as novas tecnologias e a inteligência artificial como uma realidade concreta, o senhor acredita que os jovens que entram para o mercado de trabalho têm interesse na formalização?
Este debate das plataformas agrega um processo de flexibilização muito grande nas relações de trabalho. O interesse da juventude estar ou não estar formalizado é muito relativo a depender da função. Evidentemente, o desejo da busca de estar com mais liberdade na sua relação de trabalho não é, necessariamente, o mesmo de não desejar formalização dessa relação trabalho. E muitas vezes depende de qual é a remuneração que esse segmento da economia de um país está oferecendo para esses trabalhadores, jovens ou não. Há, portanto, um sentimento de que a juventude não deseja formalização. Eu costumo dizer que não deseja um emprego onde vai ficar oito horas preso no serviço, com um chefe ou uma chefa chata no pé dele e com a remuneração que estão pagando. O valor da remuneração também é determinante para o convencimento do trabalhador e da trabalhadora de fazer essa formalização ou não.
É muito relativo dizer uma afirmação de que o jovem não quer formalização de jeito nenhum. Ele não quer um emprego de baixa remuneração com a responsabilidade que estão pedindo nessa contrapartida por um pagamento de uma remuneração baixa. Teve até um episódio do ex-presidente [Joe] Biden, americano, com um grupo de empresários reclamando que não conseguia mão de obra para uma determinada tarefa. Ele virou e disse assim: “paga mais que vocês vão encontrar”. Não é ausência de trabalhadores, vocês estão remunerando muito pouco para o grau de responsabilização que vocês desejam dessa mão de obra. Portanto, aqui também é um debate dessa natureza fortemente. É evidente que no Brasil, não é só no Brasil, você tem uma jornada, especialmente no comércio, tem uma jornada chamada 6 por 1. Trabalho de segunda a sábado, descanso no domingo. E há uma grande rejeição a isso, particularmente da juventude, que naturalmente é mais rebelde em relação a essa rigidez dessa relação de trabalho. Isso aqui passa por um debate profundo que tem que acontecer globalmente, que é da redução da jornada máxima do cada país e um processo de inclusão forte do papel do sindicato, da negociação, da convenção coletiva. Então, tudo isso está em torno desse debate aqui e envolve também o grau de remuneração. Portanto, é preciso que a gente enfrente esse debate.
Na semana passada, a CIT aprovou, com uma forte participação do governo e dos trabalhadores brasileiros, a elaboração de uma convenção e de uma recomendação para os trabalhadores que atuam na economia de plataformas. Como o senhor vê essa decisão da Comissão da CIT e qual é a atual realidade brasileira nesta questão?
Outra questão em relação às plataformas é se você regulamenta ou não e qual a condição de regulamentar. Há também uma lenda de que os trabalhadores não querem a sua regulamentação de novo. É o mesmo que eu já disse no início da resposta, mas se houver um processo, que fique claro que é para proteção social, previdenciária, com remuneração adequada, sem exagero da jornada. Evidentemente o jovem vai aceitar de bom grado a formalização.
Houve um debate de disputa de narrativa. O governo apresenta um projeto construído a várias mãos, com lideranças trabalhadoras e empregadores. E a narrativa que a extrema direita conseguiu disputar e momentaneamente vencer é que o projeto não era bom para os trabalhadores. Isso era um projeto que o governo queria usar para arrecadar, através de implementar e implantar direito previdenciário. O que não corresponde à verdade, mas a narrativa do momento foi essa e, até influenciada pelo processo eleitoral do ano passado, diminuiu. Os congressistas não tocaram. Esse é o momento. Agora, me parece possível que ele possa avançar a partir do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, conversando com o presidente do Hugo Motta, da Câmara, e montar uma comissão mista para poder avaliar os vários ângulos do projeto de lei, que busque garantir direito a esses trabalhadores que está expresso no nosso projeto. Enfim, creio que é um novo momento, creio que é plenamente possível avançar.
O ministério vem atuando fortemente nas presidências do Brasil no G-20 e nos Brics, como também no desenvolvimento da cooperação Sul-Sul. Como tem sido este trabalho no multilateralismo e organismos internacionais?
O Brasil tem procurado discutir com os parceiros, seja no G20, seja nos Brics, de como aprofundar o debate de direitos, fortalecer sempre a lógica dos direitos dos trabalhadores, buscar interagir entre os empregadores, trabalhadores e buscar ir reforçando toda a lógica de fortalecer o mercado de trabalho. Um mercado de trabalho saudável, seguramente a formalização do trabalho ajuda muito.
Nós percebemos no Brasil, especialmente a partir da retomada do crescimento da economia, que a economia mais vigorosa facilita o papel da formalização da relação do trabalho, diferentemente de quando a economia está em baixa, está com problemas, você aumenta drasticamente a informalidade. Chegou, em algum momento, 50% da mão de obra estava na informalidade. Hoje é alta demais, está na ordem de 40%. Mas é uma economia que vem crescendo, criando condições, como fizemos em 2023, 2024 e, em 2025, também promete. Geramos, de janeiro a abril de 2025, um pouquinho mais de 4 milhões de empregos formais no Brasil. Então, chegando a ocupação de mais de 105 milhões de brasileiros e brasileiras entre formalidade e informalidade e serviço público. Ou seja, estamos crescendo bastante.
No Brics, nós tiramos a discussão toda em torno da inteligência artificial, tecnologia, como que devemos, a partir disso, fomentar o crescimento da economia, a revolução que vai haver na relação ao trabalho. Contudo, chamando a atenção para a necessidade de um debate ético em relação à inteligência artificial. A quem pertencerá a inteligência artificial? É de domínio da humanidade ou é de propriedade de poucas empresas para impor ainda mais concentração de renda no mundo? Como disse o presidente Lula, o problema da fome, o problema da exclusão, não é por falta de riqueza, não é por falta de quantidade de alimentação produzida no mundo. Falta, na verdade, a distribuição de renda para poder acrescer para boa parcela da humanidade. Esses são os principais desafios que estão colocados.
Anteriormente, o senhor falou sobre a narrativa que a extrema direita vem utilizando para interferir nas discussões sobre diferentes temas e projetos que o governo vem propondo. Pode nos falar um pouco mais sobre o tema?
As tecnologias, as plataformas disponibilizadas para isso facilitam que a mentira pareça ser verdade. Então é importante que o nosso povo, a humanidade, reflita muito sobre isso antes de passar uma informação para frente, sem observar se isso corresponde ao mundo real ou se é meramente uma invenção, inclusive, pela inteligência artificial, para poder preservar a sanidade do nosso corpo. Mas tem uma questão aqui que está passando pela sanidade e insanidade. Ou seja, uma mentira que sai numa rede, todo mundo passa para frente como se fosse verdade ou porque achou engraçado. E parece que não é saudável para poder preservar valores, que olhe para a necessidade de mais renda, de mais direito, de mais condições de vida decentes no nosso mundo, como combater essas desigualdades utilizando essas ferramentas que são muito eficientes, mas devem estar a serviço da verdade e do desenvolvimento.
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