
No interrogatório de mais de duas horas no STF, o ex-presidente negou ter tratado de golpe de Estado ou prisão de autoridades. Pouco depois das 14h, Alexandre de Moraes começou a interrogar Jair Bolsonaro. A Procuradoria-Geral da República acusa o ex-presidente de ser o chefe da trama golpista. Bolsonaro negou que tenha tratado com comandantes militares sobre um golpe de Estado no Brasil ou que tenha avaliado prender autoridades. Mas o ex-presidente disse que discutiu com a alta cúpula militar possibilidades constitucionais para contestar o resultado das urnas — mesmo tendo perdido as eleições presidenciais de 2022.
Sentado entre dois advogados, o ex-presidente Jair Bolsonaro iniciou dizendo que a denúncia contra ele não procede.
Alexandre de Moraes, ministro do STF: É verdadeira a acusação que é feita?
Jair Bolsonaro: Não procede a acusação, excelência.
Logo depois, Alexandre de Moraes disse que iria seguir a ordem cronológica dos fatos. Nessa etapa, segundo o rito processual, o réu exerce a autodefesa e não pode ser contraditado. Moraes leu diversas declarações de Bolsonaro, dadas ao longo do mandato, em que questionava a segurança das urnas e do processo eleitoral. Moraes quis saber qual era o fundamento para as reiteradas alegações de fraude.
“Eu fiquei dois anos como vereador e 28 como parlamentar. A minha retórica sempre foi parecida com isso. Vamos lá. A questão da desconfiança, suspeição ou críticas duras não é algo privativo meu. Essa foi a minha retórica que usei muito enquanto deputado e depois como presidente também, buscando o voto impresso como uma forma a mais de termos mais uma barreira para evitar qualquer possibilidade de se alterar o resultado de umas eleições”, disse Jair Bolsonaro.
Moraes também questionou a declaração de Bolsonaro durante a reunião ministerial de julho de 2022, de que ele, Moraes, Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, todos do STF, estariam recebendo dinheiro para fraudar as eleições. Bolsonaro, então, falou que não tinha provas do que disse e se desculpou.
Alexandre de Moraes: Quais eram os indícios que o senhor tinha de que nós estaríamos levando US$ 50 milhões, US$ 30 milhões?
Jair Bolsonaro: Não tem indício nenhum, senhor ministro. Tanto é que era uma reunião para não ser gravada, era um desabafo, uma retórica que usei. Se fossem outros três ocupantes, teria falado a mesma coisa. Então, me desculpe, não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta dos senhores três.
Bolsonaro também foi questionado sobre uma reunião que realizou com embaixadores de vários países no Palácio da Alvorada, antes das eleições, em que fez ataques às urnas sem apresentar qualquer prova. A reunião foi uma das bases utilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral para condenar o ex-presidente e declará-lo inelegível até 2030.
Bolsonaro se defendeu. Disse que se reunir com embaixadores era uma prerrogativa do Presidente da República; disse que exagerou na retórica e voltou, como em vários momentos do interrogatório, a questionar a segurança das urnas e a defender mais camadas de proteção.
“É uma política privativa do chefe do Executivo. Se eu exagerei na retórica, devo ter exagerado, com toda certeza. Mas a minha intenção, meu objetivo, sempre foi mais uma camada de proteção, por ocasião das eleições, de modo que evitasse qualquer conflito, qualquer suspeição. Todo sistema eletrônico computacional possui vulnerabilidades. A intenção minha não é desacreditar, sempre foi alertar para aprovar”, afirmou Jair Bolsonaro.
Em seguida, Moraes questionou se Bolsonaro foi informado sobre a operação da Polícia Rodoviária Federal durante o segundo turno das eleições. A denúncia aponta que a PRF realizou blitzes em cidades onde o então candidato Lula tinha obtido a maior parte dos votos para dificultar o trânsito dos eleitores. No dia do segundo turno, o TSE determinou a suspensão das operações.
Alexandre de Moraes: O senhor teve conhecimento dessa operação?
Jair Bolsonaro: Não, senhor. O que eu fiquei sabendo sobre isso, após o ocorrido, é que nenhum eleitor deixou de votar nessa região. Isso eu fiquei sabendo depois.
Bolsonaro também foi interrogado sobre a acusação do delator Mauro Cid de que fez pressão para que o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, adiasse a divulgação do relatório sobre a segurança do sistema eleitoral do primeiro para o segundo turno. O documento afirmou que não foi encontrada nenhuma fraude. O ex-presidente disse que nunca pressionou o ministro para adiar ou modificar o relatório.
“As Forças Armadas entraram na Comissão de Transparência Eleitoral. Eu era o chefe supremo das Forças Armadas. O que eu pedia sempre para o ministro da Defesa era que fizesse um relatório o mais imparcial possível e que só colocasse ali o que não tivesse qualquer sombra de dúvida. O relatório saiu, se eu não me engano, dia 11 de novembro. Não tinha prazo para entregar. Acho que ele entregou no momento certo, com o seu arrazoado, que atendeu, no meu entender, a todos nós. O meu relacionamento com qualquer ministro nunca foi sobre pressão ou sobre autoritarismo”, disse Jair Bolsonaro.
E, apesar de ter levantado por diversas vezes dúvidas sobre as urnas, Bolsonaro disse ter acreditado no relatório das Forças Armadas:
“A partir do momento que você não tem prova de nada, a gente acredita”.
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Jair Bolsonaro
Jornal Nacional/ Reprodução
Moraes também questionou Bolsonaro sobre uma reunião na qual, segundo a denúncia da PGR, o então assessor Filipe Martins levou um advogado para que se discutisse a chamada minuta do golpe. Segundo a denúncia, o documento previa medidas contra a ordem democrática para reverter o resultado das eleições, como a instalação de um Estado de Sítio e prisão de autoridades.
Mauro Cid reiterou na segunda-feira (9) a existência dessa reunião e disse que o então presidente recebeu, leu e fez alterações no documento, mantendo o trecho que previa a prisão do ministro Alexandre de Moraes. Moraes quis saber se o ex-presidente se recordava da reunião com Martins.
“Para tratar de minuta, não. Eu lembro que ele esteve lá, foi várias vezes no Alvorada, não foi uma vez só. Raras vezes conversei com ele. Ele não é a pessoa adequada para tratar de minuta, seja qual for. Quando se fala em minuta, dá a entender que é uma minuta do mal. Da nossa parte, quando se fala em minuta do mal, conspiração, eu sempre tive o lado da Constituição”, afirmou Jair Bolsonaro.
Em seguida, Moraes questionou o ex-presidente sobre uma outra reunião, no dia 7 de dezembro de 2022, quando, segundo a denúncia, a chamada minuta do golpe foi apresentada ao então ministro da Defesa, Paulo Sérgio, e aos então comandantes das Forças Armadas. Bolsonaro negou qualquer discussão sobre um golpe de Estado.
“O que foi conversado nessas poucas reuniões… Que teve reunião para tratar de outros assuntos. Por exemplo, tratamos de GLO. Por quê? Os caminhoneiros estavam parando em Belém do Pará, sobre o que poderia acontecer com aquela multidão em frente aos quartéis. Então, teve assunto, teve reunião para tratar exclusivamente desse assunto. Conforme falou o general Freire Gomes, talvez foi nessa reunião, nós estudamos possibilidades, outras dentro da Constituição, ou seja, jamais saindo das quatro linhas, como o próprio comandante Paulo Sérgio falou que tinha que ter muito cuidado na questão jurídica, porque não podíamos fazer nada fora disso. Obviamente, a gente sabia disso e, em poucas reuniões, abandonamos qualquer possibilidade de uma ação constitucional. Abandonamos e enfrentamos o caso do nosso governo”, disse Jair Bolsonaro.
Depois, voltou a falar sobre o texto da chamada minuta do golpe e negou que tenha mudado o texto, como afirmou Mauro Cid. Segundo ele, o conteúdo do documento foi discutido de maneira informal, já que, segundo ele, as portas do TSE estavam fechadas para mudar o resultado das eleições. E isso após o tribunal impor uma multa de R$ 22 milhões ao PL, partido de Bolsonaro, pela representação judicial contra o resultado das eleições. E, por isso, não havia clima para qualquer coisa.
Bolsonaro também negou que o almirante Almir Garnier, então comandante da Marinha, tenha colocado tropas à disposição para um golpe.
“Não existia essa vontade, o sentimento de todo mundo era que não tínhamos mais nada o que fazer. Se tivesse que ser feito alguma coisa, seria lá atrás, via Congresso Nacional. Não foi feito. Então, tínhamos que entubar o resultado das eleições e poderíamos até, Vossa Excelência, perguntar por que não passei a faixa. Eu não ia me submeter à maior vaia da história do Brasil. Em hipótese alguma, não existe isso. Até o dia que eu falar assim: se nós fôssemos prosseguir em um Estado de Sítio ou até mesmo defesa, as medidas seriam outras. Na ponta da linha é que teriam outras instituições envolvidas. Agora, não tinha clima, não tinha oportunidade, não tinha uma base minimamente sólida para se fazer qualquer coisa. Repito: só foram conversadas as hipóteses constitucionais, tendo em vista o TSE ter fechado as portas para a gente”, disse Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro
Jornal Nacional/ Reprodução
Em vários momentos do interrogatório, o ex-presidente Jair Bolsonaro repetiu que nunca se falou em golpe no alto escalão de seu governo. Ele também negou que tenha sido ameaçado de prisão pelo general Freire Gomes durante a reunião no Palácio da Alvorada, como afirmado em depoimento pelo ex-comandante da Aeronáutica, Baptista Junior. Bolsonaro afirmou que não tem qualquer ligação com os atos golpistas de 8 de janeiro e disse que a invasão das sedes dos Três Poderes não se pode chamar de tentativa de golpe:
“Golpe de Estado, que o senhor vai chegar lá, está chegando lá. Golpe de Estado não são meia dúzia de pessoas, dois ou três generais e meia dúzia de coronéis. Falar em golpe de Estado dessa forma como se tratou aqui o que aconteceu, em especial depois do meu governo, quando eu estava fora do Brasil — graças a Deus estava fora do Brasil — sem qualquer participação minha, sem qualquer liderança, sem Forças Armadas, sem armas, sem um núcleo financeiro, sem nada. Isso não é golpe”.
O ex-presidente repetiu que não havia clima para uma ruptura democrática no Brasil:
“Da minha parte, por parte de comandantes e militares outros que estavam do meu lado, nunca se falou em golpe. Golpe é uma coisa abominável. O golpe até seria fácil começar, o after day que é simplesmente imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar por uma experiência dessa e não foi sequer cogitada essa hipótese de golpe no meu governo”.
Ao ser questionado pelo procurador-geral da República sobre as manifestações que foram convocadas depois do resultado das eleições, inclusive com teor golpista, Bolsonaro disse que jamais apoiou qualquer movimento antidemocrático:
“Tão logo que as eleições se acabaram, começou um movimento muito forte pelo Brasil, e o mais forte foi dos caminhoneiros. Se não me engano, no dia 1º de novembro ou dia 2, eu fiz um vídeo pedindo então que eles desobstruíssem as vias. Se não me engano, tínhamos perto de mil pontos de estrangulamento. A própria PF sozinha não podia desmobilizar. Se eu almejasse um caos no Brasil, era só ficar quieto. Eu pacifiquei o máximo que pude ao longo dos dois meses de transição. Não houve ida para o confronto. Não houve estímulo da minha parte para fazer nada de errado. Obviamente, perdi a eleição, não convoquei ninguém para fazer protesto, para fazer qualquer coisa ilegal ou até mesmo legal. Eu sempre fiquei recluso”.
Bolsonaro também disse que não desmobilizou os acampamentos em frente aos quartéis por temer algo pior:
“O movimento era muito forte. Se nós simplesmente desmobilizássemos aquilo, poderia o pessoal ir para região aqui da Praça dos Três Poderes e ficar pior ainda. Ficar lá, afastado. E no meu governo, em quatro anos cheios, nenhum… Senhor Paulo Gonet, nenhum ato atentatório à democracia se fez presente. Se era tão atentatório assim, por que no dia 2 de janeiro o atual presidente não desmobilizou? Esperou mais cinco dias, mais seis dias para desmobilizar? E talvez pela minha figura, o pessoal não fez absurdos. Agora, tem sempre os malucos ali que ficam com aquela ideia de AI-5, intervenção militar, que as Forças Armadas, que os chefes jamais iam embarcar nessa porque o pessoal estava pedindo ali, até porque não cabia isso aí. E nós tocamos o barco, né? Então, me desculpa, respeitosamente, Vossa Excelência, não estimulamos nada de anormal.
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