Camilo Santana anuncia financiamento de cursinhos populares em SP em ato que denunciou desmonte do ensino

Uma audiência pública em defesa da educação e dos cursinhos populares realizada na noite desta segunda-feira (9) na Câmara Municipal de São Paulo se converteu em um ato contra o desmonte das políticas educacionais das administrações de Ricardo Nunes (MDB), prefeito da capital paulista, e de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador do estado.

Camilo Santana, ministro da Educação, participou do evento para anunciar que todos os 393 cursinhos populares que se inscreveram na chamada da Rede Nacional de Cursinhos Populares (CPOP) serão financiados, e não apenas os 130 previstos inicialmente.

“Frei David me cobrava, eu me lembro bem que andando por vários lugares do Brasil, inclusive aqui em São Paulo, ele falava muito dos cursinhos populares, que foi uma luta de vocês, uma conquista do movimento popular”, lembrou o ministro, em referência ao religioso pioneiro na fundação do primeiro pré-vestibular comunitário no Brasil, destinado a estudantes negros e de baixa renda. “Eu dizia: vamos pensar em ajudar esses cursinhos populares, que às vezes passam dificuldades, às vezes as pessoas que resistiram para garantir oportunidade para quem já concluiu o ensino médio e não tem dinheiro para pagar um cursinho e tem oportunidade para ingressar no ensino superior”, disse Santana, em sua fala durante o ato.

A CPOP foi lançada em março de 2025 com o objetivo de oferecer suporte técnico e financeiro a cursinhos gratuitos que preparam estudantes de baixa renda para o Enem e outros vestibulares.

Antes do anúncio do ministro, alunos, professores e outros envolvidos em cursinhos populares em São Paulo se dividiram entre a celebração da política e a cobrança por mais diálogo com quem está na ponta, dentro das salas de aula e à frente desses espaços de educação.

“É preciso que esse governo, que é nosso, estabeleça um diálogo com os movimentos”, apontou Douglas Belchior, educador e integrante da União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro), indicando um caminho de melhoria para as políticas para os cursinhos populares.

Proponente da audiência, a vereadora Luna Zarattini (PT) informou que protocolou nesta segunda, na Câmara Municipal, a proposta para a criação da Frente Parlamentar em Defesa dos Cursinhos Populares e um projeto de lei para a criação da Rede Municipal de Cursinhos Populares. “Isso é garantia de bolsas para professores, estudantes, passe livre para estudantes de cursinhos populares, espaços públicos. Quantas vezes os cursinhos populares têm que encontrar um lugar e não podem pagar por um aluguel?”, questionou.

Cartazes de protesto contra desmonte do ensino público – Carolina Bataier/Brasil de Fato

“É muito simbólico que uma cidade que em 2019 optou por vetar o projeto do passe livre dos cursinhos populares, hoje tenha esse ato de educação com a presença do ministro, com a presença dessas autoridades e uma verdadeira mudança em como o nosso estado, nossa cidade olham para essa política tão importante”, celebrou Julia Kopf, secretária geral da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Denúncia do desmonte do ensino público

Em meio aos depoimentos sobre os cursinhos, as políticas locais de educação acabaram sendo o foco da noite. Joel Lira Castelo Branco, educador no Cursinho Popular Padre Ticão, que fica em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo, pontuou que a plataformização do ensino faz com que os alunos cheguem às portas do Enem e de outros vestibulares sem base para enfrentar as provas.

“Os professores estão exauridos, nós não temos mais direito de lecionar. Quando eu recebo os meus estudantes na escola, eu vejo como que a defasagem é grande, porque são mais de 12 plataformas [usadas na rede estadual]”, afirmou. “O meu aluno só sabe olhar para tela, ele cansa e ele não tem exemplo as principais matérias que vão ser cobradas nos vestibulares, como biologia, química, filosofia, sociologia. São matérias totalmente esquecidas.”

Em sua fala no púlpito, Joel lembrou dos casos de morte de professores em escolas. Dois casos semelhantes foram registrados na rede estadual do Paraná no fim de maio. “Tem professores morrendo na sala de aula. Não aguentamos mais!”, denunciou Joel.

Na plateia, um estudante segurava o cartaz com os dizeres “Plataforma não é educação”. O discurso contra o excesso de plataformas digitais, implementado nos últimos anos na rede pública de ensino, entrou no debate.

Chico Gretter, da Associação de Professores/as de Filosofia e Filósofos/as do Estado de São Paulo (Aproffesp), atentou para o problema. “Há uma imposição de plataformas que está tirando autonomia do professor para planejar, para ministrar a aula. Isso é um crime que estão acontecendo. Nem a ditadura militar fez isso”, disse. Na plateia, ele puxou o coro: “Não às plataformas” e foi recebeu apoio de todo o auditório. “Não sou contra a tecnologia (…) Essa destruição do currículo é justamente para depois descartar os professores”, alertou.

“Nóis quer operação estudo!”

O ato começou com a leitura de um poema feita pelo estudante Pedro Melo, integrante do Levante Popular da Juventude e aluno de gestão pública no Instituto Federal de Pirituba. Ele atribui a vaga conquistada na universidade pública à sua participação em um cursinho popular. “Fui aluno de cursinho popular, graças a um cursinho lá na cidade de Guarulhos eu tive a oportunidade de acessar a universidade pública, sendo a história clássica, o primeiro da minha família”, conta.

Ele ressalta a função social dos cursinhos populares, que suprem uma demanda que o Estado ainda não consegue suprir. “Os movimentos populares organizaram esse tipo de cursinho. É a melhor forma que a população tem de se auto-organizar para fazer com que as pessoas tenham perspectiva de entrar na universidade”, acredita Pedro. “E digo mais, que essas pessoas periféricas que acessam a universidade se organizem para lutar para que a educação seja mais democrática no futuro”, pontua.

A coordenadora Rafaela Guarabira, do cursinho popular Padre Ticão, destaca a função desses espaços no como complemento do ensino formal e também como lugares de formação do pensamento crítico. “A gente tem que mostrar para eles a importância dessa educação revolucionária, emancipatória, libertadora”. Porque a gente sente na pele como é dentro das escolas. Você tem um cursinho popular que que faça o jovem ter um pensamento crítico, saber da importância dessa educação, né, do nosso território, é para além da sala de aula”, diz.

O poema lido por Pedro, de sua autoria, denuncia a violência policial contra a juventude periférica e demanda mais educação. “Nóis não quer operação escudo, nóis quer operação estudo”, diz um dos versos, em referência à operação da Polícia Militar de São Paulo (PMSP) realizada entre 2023 e 2024 na Baixada Santista que matou pelo menos 84 pessoas. Leia o poema na íntegra:

Homens fardados e homens engravatados não vão mandar na nossa educação,
Por isso eu digo não à militarização,
Por isso eu digo não à precarização.

O arcabouço fiscal,
É um calabouço social,
Favorece banqueiros,
Corta verba da federal,
Michel Temer, boçal,
Política Neoliberal,
Segue sendo aprovada no Congresso Nacional,
Mas is estudantes tão na rua,
Se o problema é estrutural,
A nossa luta continua.

Por isso eu digo não, a precarização

A PM não tem cabeça nem pra ser polícia,
Para jovem no escuro sempre cheio de malícia,

Você quer mesmo que eles tenham o aval pra educar uma criança?
Já esqueceram de João Pedro, de Ágata, dos 9 da DZ7,
Educação se faz com respeito à infância,
Não descarregando o pente e descendo o cacetete,

Nóis não quer operação escudo,
nóis quer operação estudo!

A molecada acelerando e indo longe igual Airton Senna,
A educação pública bem longe do Lemman e do Airton Senna,
Nem fardados e nem engravatados se envolvendo no processo,
Tipo WJ, nossa endola é a leitura e o fuzil é o papo reto

Imagina só, um policial,
Treinado pra matar,
Todo dia vê a cidade sangrar,
É ensinado a não ligar,
À servir o estado e matar,
Bandido a torto e à direito,
Ou quem parece bandido aos olhos do governo,
Garanto que não é ninguém do centro,
e sim a turma do escanteio,
Que é enquadrada no caminho da escola,
Que é assassinada no caminho da escola,
Eles confundem com uma arma o caderno na mão,
É que eles sabem que a polícia pode acabar se melhorar a educação,

A nossa arma é a educação
O professor é a profissão,
Professor é quem ensina,
Professor é quem salva vidas,
Cria perspectiva, Incentiva,
O estudo, À mudar de vida,

Essa poesia é pra educação,
E como diria Conceição,
Eles combinaram de nos matar,
Nós combinamos de não morrer,
Eles combinaram de nos moer,
E nós combinamos de estudar,
Vida loka é quem estuda,
Como diria sergio vaz,
Ideia loka é quem defende
Escola na mão de generais
Se a burguesia nos oprime,
Um cursinho o povo faz,
Se de nós eles esperam crime,
Formamos mais um Racionas,
Se sozinho nós não podemos,
Juntos nós podemos mais!

Homens fardados e homens engravatados não vão mandar na nossa educação,
Por isso eu digo não à militarização,
Por isso eu digo não à precarização.

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