Imagine pedir um prato num restaurante, pedir especificamente que seja menos apimentado porque você não aguenta comidas muito fortes, e então, com apenas uma mordida, sentir seu corpo inteiro pegar fogo. Essa é a história surpreendente por trás de um processo judicial que está agitando o mundo gastronômico e médico nos Estados Unidos. O caso envolve uma médica, um restaurante tailandês e um aperitivo chamado “Dragon Balls” – bolinhas de frango apimentadas que podem ter causado danos físicos sérios e, segundo a autora da ação, permanentes.
A protagonista é a Dra. Harjasleen Walia, uma neurologista certificada de San Jose, Califórnia. Em julho de 2023, ela entrou com uma ação na justiça contra o restaurante Coup de Thai, localizado em Los Gatos. O motivo? Uma experiência terrível durante uma refeição.
A Dra. Walia alega ter pedido expressamente que o prato “Dragon Balls” – descrito como bolinhas de frango fritas com menta, chalota, cebolinha, coentro, folhas de lima kaffir, pimenta e pó de arroz – fosse preparado com menos pimenta, já que ela não tolera alimentos muito picantes. Segundo os documentos do processo, o restaurante concordou com o pedido.
Porém, bastou uma única mordida para desencadear o que ela descreve como um inferno. Imediatamente, sentiu a boca inteira, incluindo o céu da boca, a língua, a garganta e até o interior do nariz direito, queimando como fogo. Os olhos e o nariz começaram a lacrimejar intensamente, e ela teve ataques de tosse.
Dra. Harjasleen Walia jantou no restaurante em Los Gatos, Califórnia, em 2023 (Google Maps)
Desesperada, tentou apagar o fogo interno bebendo um copo inteiro de água de coco e mais água, mas a sensação de queimação não diminuiu. Alega ainda que pediu ajuda aos funcionários, solicitando especificamente um laticínio como leite, iogurte ou sorvete, conhecidos por ajudar a neutralizar a capsaicina (o composto químico que causa a ardência da pimenta). Segundo ela, essa ajuda não foi fornecida.
As consequências foram além do desconforto imediato. A Dra. Walia afirma que perdeu a voz e, mais tarde, recebeu um diagnóstico médico de “queimaduras químicas” internas causadas pela intensidade das pimentas.
Os documentos judiciais são graves: eles alegam que ela “sofreu lesões permanentes e ficará para sempre danificada”. O alvo da ação é um ingrediente específico: a pimenta tailandesa “olho de pássaro” (bird’s eye chili), conhecida por seu poder explosivo.
O que torna essa pimenta tão temível? Vamos aos números da Escala Scoville, que mede o grau de picância. A pimenta jalapeño, considerada moderada, varia entre 2.500 e 8.000 unidades Scoville (SHU). A pimenta olho de pássaro, usada nos Dragon Balls, dispara para incríveis 50.000 a 100.000 SHU. Isso significa que ela é significativamente mais forte que a cayenne ou a serrano, podendo ser dezenas de vezes mais picante que uma jalapeño. Uma única bolinha de frango contendo essa pimenta concentraria um poder de fogo equivalente a várias jalapeños inteiras.
A acusação da Dra. Walia vai além do simples desconforto. Ela argumenta que a quantidade de pimenta olho de pássaro usada tornou o prato “impróprio para consumo humano”. O processo acusa o proprietário do restaurante, o chef, o garçom e outros envolvidos na preparação de falharem em tomar precauções básicas.
Segundo a ação, eles não consultaram autoridades de saúde ou serviços de emergência sobre os riscos reais de servir uma quantidade tão extrema dessa pimenta específica em um aperitivo. Além disso, a alegação central é que o restaurante não cumpriu o pedido explícito de reduzir a pimenta.
Os Dragon Balls do restaurante (Coup de Thai/ssindyeats/Instagram)
O restaurante Coup de Thai, naturalmente, se defendeu vigorosamente. Em sua resposta à justiça, em outubro de 2023, negou as alegações da Dra. Walia. Afirmou categoricamente que nenhum outro cliente jamais sofreu queimaduras ou precisou de assistência médica devido aos seus pratos.
Um supervisor do restaurante deu uma explicação técnica importante: as Dragon Balls não podem ser feitas “suaves” porque a pimenta já está incorporada dentro das próprias bolinhas de frango durante o preparo. Por isso, a orientação para clientes que não toleram picante é clara: escolher outro prato do cardápio.
Em novembro de 2023, a Dra. Walia acrescentou uma nova alegação ao processo: um “novo funcionário” que preparou seu prato teria cometido um erro e adicionado pimentas extras, em vez de reduzi-las conforme solicitado.
O caso tomou rumos processuais interessantes. Documentos de maio revelam que a Dra. Walia decidiu dispensar seu advogado e passou a representar a si mesma perante o tribunal. O julgamento por júri está marcado para agosto e deve durar entre cinco e sete dias. O restaurante, por sua vez, busca acesso aos registros médicos completos da médica e requer que ela se submeta a um exame médico independente.
Além dos custos médicos já suportados, a Dra. Walia busca indenização por alegados danos permanentes e por perda de rendimentos futuros decorrentes dessas lesões. Antes do julgamento propriamente dito, as partes devem passar por uma conferência obrigatória de conciliação, uma última tentativa de resolver o caso sem o veredicto de um júri. O mundo aguarda para ver se os Dragon Balls eram realmente uma bomba de capsaicina ou se esta é uma tempestade em um copo de leite (que, infelizmente, a médica diz que não recebeu).
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