O presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu novamente o tom contra o massacre militar de Israel na Faixa de Gaza nas últimas semanas. Em encontro com o presidente Emmanuel Macron em Paris, Lula classificou a ofensiva israelense como “genocídio planejado por um governante de extrema direita”.
“O que está acontecendo em Gaza não é uma guerra, o que está acontecendo em Gaza é um genocídio de um Exército altamente preparado contra mulheres e crianças”, disse a jornalistas. Lula também defendeu que a comunidade internacional deve dizer “basta” à campanha militar israelense em Gaza e pontuou que “é triste saber que o mundo se cala diante de um genocídio”.
Na quarta-feira (4), o Itamaraty já havia se posicionado sobre as mortes de palestinos que buscavam ajuda humanitária, alvejados pelas tropas israelenses. “São absolutamente inaceitáveis o uso da fome como arma de guerra e o emprego da violência contra civis em busca de alimentos”, diz a nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores.
Segundo o Itamaraty, o Brasil apoia investigações independentes sobre as circunstâncias dos últimos ataques, acontecidos em centros de ajuda humanitária da Fundação Humanitária de Gaza (GHF) na sigla em inglês.
Apesar do discurso duro e da denúncia de genocídio, cresce a reivindicação de organizações e movimentos populares de apoio à palestina por medidas concretas em relação ao governo de Israel. Na sexta-feira (6), uma carta com mais de 12 mil assinaturas foi entregue em mãos a Lula durante sua visita oficial a Paris, exigindo que o governo federal adote medidas concretas contra Israel.
O genocídio palestino, em curso na Faixa de Gaza desde 7 de outubro de 2023, já registrou quase 55 mil mortes, a maioria de mulheres e crianças. Além de bombas, toda a população de mais de 2 milhões de pessoas do território enfrenta risco severo de desnutrição, porque Israel impede a entrada de comida. Já foram registradas dezenas de mortes por fome, a maioria de crianças pequenas e idosos.
A mobilização da sociedade civil brasileira demanda ações efetivas, como o rompimento imediato das relações diplomáticas e comerciais com Israel. Organizado pelo movimento BDS Brasil (Boicote, Desinvestimento e Sanções), o documento exige o fim do acordo de livre comércio Brasil-Israel, a suspensão de cooperação militar e o embargo energético, entre outras sanções.
A carta pública conta com o apoio de importantes nomes da cultura, do direito e da política brasileira. Entre os signatários estão os artistas Chico Buarque, Ney Matogrosso, Letícia Sabatella, Milton Hatoum e Gregório Duvivier; os juristas Carol Proner e Paulo Sérgio Pinheiro; o ex-ministro Guilherme Estrella e o filósofo Vladimir Safatle. Parlamentares do PT
e do PSOL, como Guilherme Boulos, Erika Hilton, Sâmia Bomfim, Luiza Erundina e João Daniel, também aderiram.
Esse é também o posicionamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “A gente entende que já passou da hora de o governo brasileiro assumir alguma posição mais enérgica em relação a isso, à situação do genocídio não só em Gaza, mas o genocídio estendido aos povos palestinos e aos outros povos que estão sendo impactados pelo Estado sionista de Israel”, diz Ceres Hadich, da Direção Nacional do MST.
Ela defende que o governo brasileiro deve assumir posições concretas que incluem o rompimento das relações diplomáticas e comerciais com Israel, além de medidas de solidariedade ao povo palestino. “Estamos absolutamente de acordo com que se rompa de imediato essas relações diplomáticas e que se assuma que há um genocídio, que a gente precisa concretamente revertê-lo.”
Para Miriam Gomes Saraiva, professora do departamento de Relações Internacionais da Uerj, o governo brasileiro está respondendo à altura que o contexto exige. “Não só o presidente Lula falou de genocídio, não é a primeira vez, como a África do Sul entrou na Corte Internacional com o pedido de acusação contra Israel por genocídio e o Brasil apoiou esse pedido formalmente. Então eu acho que o Brasil está tomando as medidas que pode tomar, a partir de comentários e a partir do apoio a essa solicitação à corte que acusa Israel de genocídio.”
Saraiva considera que o rompimento das relações seria algo “incomum” para a diplomacia brasileira. “Chegar a romper as relações com o país, no geral, é uma coisa incomum, mesmo com Israel. Alguns países chamaram o embaixador de volta, mas romper mesmo foram poucos. Então, não muda muito. O Brasil já está sem o embaixador lá, o último passo antes da ruptura. Não é que as relações estejam boas, não estão.”
Ela ressalta que existe uma particularidade nas relações com o Estado de Israel, que dificulta o rompimento: os vínculos com uma comunidade judaica mundo afora com bastante força política e isso inclui o Brasil.
“Israel sempre trabalha com a ideia de tratar críticas a seu governo como antissemitismo. O que, obviamente, não é verdade. Porém, o governo de Israel faz muito esse jogo. Romper relações é também, eventualmente, comprar uma briga com essa comunidade judaica.”
Uma fonte do Itamaraty afirmou ao Brasil de Fato, que o Brasil “não rompe relações diplomáticas”. “Somos dos pouquíssimos, talvez dez países no mundo, que mantém relações diplomáticas com todos os países. Isso é um trunfo de nossa diplomacia. O rompimento de relações tende a ser um instrumento de política interna e o Brasil não usa ou explora esse instrumento. Não é da tradição da diplomacia brasileira e manter tradição é muito positivo. Nossos parceiros internacionais não esperam do Brasil o rompimento de relações diplomáticas. Então, a medida inclusive é inócua.”
A fonte avalia que o rompimento de relações com um país significa que, a partir dessa decisão, “toda a crise poderá demandar novo movimento nesse sentido e seria muito prejudicial para a diplomacia brasileira, que tem, na estabilidade e previsibilidade, alguns de seus principais marcadores positivos no cenário internacional.”
“Rompimento de relações é movimento midiático. Não fazemos diplomacia em holofotes e nunca fizemos”, enfatizou.