Principal mandante da morte de Gritzbach tem rádio e produtora que investiu R$ 900 mil em filme sobre PCC e CV, diz polícia


Emilio Castilho, o ‘Cigarreira’, viajou de avião ao Rio antes do assassinato, em 2024, e comemorou execução de delator do PCC com festa em comunidade controlada por CV. O suspeito de ser o principal mandante do assassinato do delator Vinicius Gritzbach é dono de uma rádio e uma produtora que investiu R$ 900 mil em um documentário sobre as facções Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro.
Segundo a polícia, Emilio Carlos Gongorra Castilho, conhecido como “Cigarreira”, mandou executar Gritzbach a tiros de fuzil em novembro do ano passado no desembarque do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, para, entre outros motivos, vingar a morte de dois comparsas. Câmeras de segurança gravaram o ataque (veja vídeo mais abaixo).
O caso ajudou a comprovar a ligação de dezenas de policiais com o crime organizado. Um novo inquérito apura se mais pessoas, incluindo um hacker, estão envolvidas no assassinato dele.
Vídeos mostram por diferentes ângulos execução de empresário no Aeroporto de Guarulhos
Os investigadores já vasculharam imóveis de “Cigarreira”, onde encontraram até uma réplica de fuzil emoldurada, mas, passados seis meses do crime, ele continua foragido da Justiça.
Eles suspeitam que o criminoso esteja escondido no Rio, para onde fugiu em um avião particular de Jundiaí, no interior paulista, dias antes do assassinato. Chegando lá, a morte de Gritzbach, que revelou o envolvimento de dezenas de policiais com o crime organizado, foi comemorada com uma festa em uma comunidade controlada pelo CV.
Cigarreira tinha réplica de arma dourada em sua casa
Reprodução/TV Globo
Por já ter traficado drogas e armas para as duas facções, “Cigarreira” tem um bom relacionamento com as duas facções, o que faz com ele conte com uma rede de proteção poderosa nos dois estados, dificultando o trabalho da polícia. Essa relação dele ajudou até na breve trégua entre PCC e CV, recentemente encerrada, conforme mostram mensagens interceptadas pelo Ministério Público.
A proximidade com os grupos criminosos também se reflete no documentário financiado por ele, que está disponível na Netflix.
Com quase duas horas de duração, o filme faz críticas ao sistema carcerário e, de acordo com relatório a que o g1 teve acesso, é visto pela polícia como um instrumento para fazer propaganda do PCC e do CV e enaltecer os chefes das facções (veja trechos abaixo).
Cartaz do filme ‘O Grito – Regime Disciplinar Diferenciado’ que consta no relatório da polícia sobre o caso Gritzbach
Reprodução
Logo depois da execução de Gritzbach, a rádio e a produtora, que funcionavam em plena Avenida Paulista, uma das principais da cidade de São Paulo, encerraram as atividades no local.
Também para despistar a polícia, “Cigarreira” usa ainda duas identidades falsas. Nesses documentos, o nome que aparece é João, seguido por sobrenomes diferentes, mas em todos a foto é a dele mesmo.
Gritzbach: por que 3 investigações apuram ligaçao de delator com policiais e facções
Dono de rádio e produtora
Documento da polícia de SP informa que produtora e rádio são de ‘Cigarreira’
Reprodução
Relatório do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) aponta que a produtora K2, de propriedade do “Cigarreira”, gastou R$ 900 mil para produzir o documentário “O Grito – Regime Disciplinar Diferenciado”.
Filmado entre dezembro de 2023 e março de 2024, ele está disponível na Netflix desde 29 de setembro. A rádio em seu nome chama Street FM.
Na avaliação dos policiais, o documentário enaltece e vitimiza Marco Willians Herbas Camacho, o “Marcola”, chefe do PCC, e Márcio dos Santos Nepomuceno, o “Marcinho VP”, uma das lideranças do CV.
Marcinho, do CV, e Marcola, do PCC, são enaltecidos no filme, segundo a polícia
Reprodução
As duas lideranças estão presas em unidades prisionais federais de segurança máxima por diversos crimes. O filme critica, do ponto de vista das famílias de presos, o sistema carcerário no Brasil e o Regime Disciplinar Diferenciado, o RDD.
Pela lei, vai para o RDD quem é acusado de cometer crimes graves, pertença a facções e represente risco à sociedade. Entidades ligadas aos direitos humanos sempre criticaram esse regime por ter regras duras de isolamento social do preso e impedir o contato físico dele com seus parentes.
Entre as pessoas ouvidas no longa estão o ministro Luis Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, e o padre Júlio Lancelotti. São entrevistados ainda os cantores de rap Dexter e Oruam _este último é filho de Marcinho VP. Familiares de Marcola também falam.
No relatório, a delegada Luciana Peixoto, que atuou no inquérito do DHPP sobre a morte de Gritzbach, afirma que os criminosos que financiaram “O Grito” tinham o objetivo de propagar as ideias do PCC e do CV e, assim, atender a interesses das facções.
Trecho do relatório final da Polícia Civil informa que rádio e produtora de “Cigarreira’ promovem o PCC e o CV
Reprodução
A polícia não conseguiu comprovar a origem do dinheiro usado no documentário. Ouvido na condição de testemunha, o diretor do filme, Rogério Giannetto, confirmou que recebeu pagamento da K2 para a produção. Ele contou que a ideia surgiu numa conversa que teve com um dos representantes da empresa, que não era o “Cigarreira”.
Ainda segundo a investigação, Rogério ganhou passagens aéreas da produtora para promover o filme na Europa. Os bilhetes foram comprados por Kauê do Amaral Coelho, o “Jubi’, que é apontado pela polícia como o “olheiro” do grupo que matou Gritzbach.
Segundo o DHPP, Rogerio Gianetto falou que recebeu R$ 900 mil da K2 para produzir o filme
Reprodução
O que diz o diretor

À polícia, Rogério, que é dono da Real Filmes, contou que o documentário foi feito “devido à alta demanda por produções de temática ‘true crime’ em plataformas de streaming.” E que a ideia do filme foi “provocar uma reflexão sobre o sistema penitenciário brasileiro”.
Depoimento de diretor do filme
Reprodução
Procurado pelo g1 para comentar o assunto, Rogério respondeu que “todos os esclarecimentos foram dados diretamente à Polícia, em depoimento prestado na qualidade de testemunha”.
“O filme foi produzido pela Real Filmes, licenciado pela Netflix, premiado, recebeu menção honrosa no Festival International de Cinéma et Mémoire Commune, no Marrocos. Também menção honrosa no Internazionale Nebrodi Cinema (Itália), Anticensura Film Festival e LA Film & Documentary Award (EUA) e CinemaKing International Film Festival, em Bangladesh. Foi vencedor como melhor documentário no FIDBA, na Argentina, e muito enaltecido por grande parte da imprensa brasileira”, informou o diretor.
“Tenho 25 anos de carreira na televisão e cinema com grandes e premiadas produções, algumas novas em andamento e aqui trabalhando de forma intensa, diária como produtor audiovisual e com uma equipe talentosa e experiente”, enfatizou.
O que diz a Netflix
Questionada também pela reportagem sobre o fato de a polícia ter informado que “O Grito” foi bancado pelo mandante da morte de Gritzbach, a Netflix respondeu que não participou da produção do filme, mas que apenas o disponibiliza em sua plataforma.
“O documentário O Grito não é uma produção original da Netflix. Trata-se de um conteúdo licenciado — ou seja, um documentário produzido por terceiros, adquirido pela Netflix para estar disponível temporariamente aos seus assinantes. A Netflix não teve qualquer envolvimento em sua produção”, informou em uma nota.
Membros de ONG presos
ONG Pacto Social & Carcerário foi alvo de operação da polícia em SP
Reprodução/Redes sociais
A ONG Pacto Social e Carcerário, que aparece no documentário, foi alvo em janeiro deste ano de uma operação da polícia e do Ministério Público de São Paulo que prendeu 12 pessoas. Segundo as autoridades, a organização não-governamental e seus representantes são um braço criminoso do PCC.
De acordo com a polícia e o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco) do MP, membros da ONG pertencem ao chamado “setor de reivindicações” do PCC.
Para policiais e promotores, a ONG tinha a função de divulgar e propagar mentiras sobre o sistema prisional na imprensa e nas redes sociais a fim de manipular a opinião pública contra as autoridades e o estado.
Quem é quem no caso Gritzbach
Gritzbach era um corretor de imóveis que enriqueceu vendendo imóveis para “lavar dinheiro” para o PCC e o CV. Além de “Cigarreira”, Diego dos Santos Amaral, o “Didi”, também é apontado como mandante do crime, executado, segundo a investigação, por policiais militares.
De acordo com o DHPP, os mandantes decidiram matar Gritzbach porque:
ele desfalcou financeiramente os bandidos que investiram dinheiro na compra de imóveis de luxo e na aquisição de criptomoedas.
era suspeito de ter mandado matar em 2022 dois membros do PCC que lhe cobravam a devolução do dinheiro;
e ainda delatou à Justiça quem eram os integrantes das quadrilhas para quem lavava dinheiro do tráfico.
O g1 não conseguiu localizar a defesas de todos os investigados no caso Gritzbach. Em outras ocasiões, seus advogados negaram envolvimento dos suspeitos na morte do delator.
Veja abaixo como estão as investigações da Polícia Civil sobre o caso e os seus desdobramentos:
Veja quem é alvo da Polícia Civil na morte de Gritzbach
Arte/g1
Como o caso Gritzbach escancarou o envolvimento de 27 policiais de SP com o PCC e CV; veja quem são

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