
Tarifas comerciais, casos de visitantes detidos e retórica interpretada como hostil em relação ao resto do mundo têm desmotivado viajantes internacionais. Expectativa era de que o setor de turismo voltasse aos níveis de movimentações pré-pandemia
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Quando 2025 começou, a expectativa era alta no setor de turismo dos Estados Unidos.
Muitos apostavam que o número de visitantes estrangeiros alcançaria os patamares de antes de 2020 e do abalo causado pela pandemia de covid-19.
No entanto, tarifas comerciais impostas a dezenas de países pelo presidente Donald Trump, planos de deportação em massa, casos de turistas detidos ao tentar entrar nos Estados Unidos e uma retórica às vezes interpretada como hostil em relação ao resto do mundo têm desmotivado viajantes estrangeiros.
A esperança de alcançar os números de 2019 foi substituída por um cenário de preocupação no mercado de viagens e turismo dos Estados Unidos, que é o maior do mundo e contribui com US$ 2,36 trilhões (cerca de R$ 13,3 trilhões) para o PIB do país.
Nos últimos meses, diferentes entidades e empresas do setor vêm sinalizando que a economia dos EUA poderá perder bilhões de dólares em receita neste ano devido à diminuição no número de turistas e boicotes a produtos americanos.
Alguns analistas afirmam que o setor está sendo afetado por um sentimento de antiamericanismo, em reação a medidas recentes do governo.
“O sentimento antiamericano pode estar impulsionando um declínio no turismo internacional”, disse o economista-chefe do J. P. Morgan nos Estados Unidos, Michael Feroli, em nota aos clientes no fim de abril.
Ele citou notícias sobre turistas cancelando viagens ao país em protesto contra as políticas comerciais e por preocupações com relatos de detenções de visitantes estrangeiros.
“Prevemos que a redução nos gastos [de viajantes estrangeiros nos EUA] provavelmente subtraia cerca de 0,1% do PIB este ano”, ressaltou.
Considerando-se que o PIB dos Estados Unidos é de quase US$ 30 trilhões (cerca de R$ 169 trilhões), um impacto dessa magnitude seria de cerca de US$ 30 bilhões (R$ 169 bilhões).
Em nota aos clientes em março, economistas do Goldman Sachs já haviam alertado que, no pior cenário, o país poderia perder até US$ 90 bilhões (cerca de R$ 507 bilhões) com a retração nas chegadas de viajantes internacionais e boicotes a produtos americanos.
Em 13 de maio, o World Travel & Tourism Council (Conselho Mundial de Viagens e Turismo, ou WTTC, na sigla em inglês), organização global que representa o setor, disse que os Estados Unidos poderão perder US$ 12,5 bilhões (cerca de R$ 70 bilhões) em gastos de visitantes estrangeiros em comparação ao ano passado.
Segundo o WTTC, os gastos desses turistas no país devem cair de US$ 181,2 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão) em 2024 para US$ 168,7 bilhões (R$ 950 bilhões) neste ano. Em 2019, antes da pandemia, visitantes internacionais deixaram mais de US$ 217 bilhões (R$ 1,2 trilhão) nos Estados Unidos.
A empresa Tourism Economics, parte da Oxford Economics, especializada em pesquisas no setor, prevê queda de 5% nos gastos de visitantes internacionais nos Estados Unidos neste ano, resultando em perda de receita de US$ 9 bilhões (cerca de R$ 50 bilhões).
Em dezembro, quando a perspectiva para 2025 ainda era positiva, a Tourism Economics apostava em aumento de 8,8% no número de visitantes estrangeiros no país em comparação ao ano anterior. Em abril, a previsão passou a ser de queda de 9,4%, “puxada por um declínio de 20,2% nas visitas [de viajantes] do Canadá”.
“Em meio a uma onda de incerteza, uma coisa é evidente: as políticas e os pronunciamentos de Trump produziram uma mudança negativa de sentimento em relação aos Estados Unidos entre os viajantes internacionais'”, disse a Tourism Economics em comunicado.
No mês passado, ao responder perguntas de jornalistas sobre a queda no número de visitantes estrangeiros, Trump disse que talvez haja “um pouco de nacionalismo em ação”, mas descartou maiores preocupações e afirmou que os Estados Unidos “tratam os turistas muito bem”.
Número ‘alarmante’ de cancelamentos
“Há [no momento] um sentimento global de que os Estados Unidos não são um lugar amigável e acolhedor, e acho que isso tem tudo a ver com o governo atual”, diz Christopher Gaffney, professor do centro de hospitalidade da Universidade de Nova York, em entrevista à BBC News Brasil.
“Acho que os Estados Unidos estão projetando para o mundo uma face agressiva, belicosa, meio raivosa”, ressalta Gaffney.
“E isso aumentará o sentimento antiamericano. As pessoas escolherão viajar para outro lugar.”
Comparando o primeiro bimestre de 2024 com o de 2025, o número de visitantes estrangeiros nos EUA aumentou 1,6%.
Nos dois primeiros meses de 2025, México (28%) e Canadá (25,9%) foram responsáveis por mais da metade dos visitantes, seguidos por Reino Unido (5%) e Brasil (3,3%).
Canadá e México têm sido os países que mais mandam visitantes para os EUA. Os dados consolidados para 2023 e 2024 mostram os dois na liderança, enquanto o Brasil ficou em 6º lugar nesses dois anos, atrás de Reino Unido, Alemanha e Índia.
Mas, na comparação do primeiro bimestre de 2024 com o de 2025, o Canadá teve queda no fluxo de viajantes, com -9.8%. Diferente dos outros três países no topo da lista, que viram aumento (México, com +15%; Reino Unido, +5,4%; e Brasil, +4,4%).
Enquanto os números do Departamento de Comércio mostram um quadro geral levemente positivo para o primeiro bimestre desse ano, os olhares estão atentos para o efeito Trump nos meses seguintes, já que ele assumiu em 20 de janeiro.
A US Travel Association (Associação de Viagens dos EUA), diz que março de 2025 teve 14% menos visitantes estrangeiros nos EUA que março de 2024.
O Departamento de Comércio tem dados preliminares até abril para os 20 países que mais visitaram os EUA — com exceção do Canadá e México, por questões metodológicas.
Nesse grupo, houve aumento de 0,4% no fluxo de visitantes nos primeiros quatro meses de 2025 em comparação com o mesmo período de 2024.
O Brasil aparece em segundo lugar, com 629.543 viagens para os EUA, 5,4% a mais que no mesmo período de 2024. Na liderança, aparece o Reino Unido, com 1.203.236 viagens (e aumento de 2,7%).
Mas é preciso aguardar os dados finais para entender o efeito da aparente queda do turismo vindo do Canadá no quadro geral de visitas aos EUA.
Segundo a OAG Aviation Worldwide, que reúne dados globais sobre viagens, as reservas de passagens aéreas do Canadá para os Estados Unidos até setembro estão 70% abaixo do mesmo período no ano passado.
Várias companhias aéreas reduziram o número de voos nessas rotas.
Os gastos de viajantes internacionais não se comparam aos dos turistas domésticos, que totalizaram US$ 1,5 trilhão (cerca de R$ 8,45 trilhões) no ano passado, segundo o WTTC, e devem se manter neste patamar em 2025.
Mas os visitantes estrangeiros têm um peso importante, e costumam gastar mais em média.
Segundo cálculos da US Travel Association, “cada queda de 1% nos gastos de visitantes internacionais equivale a US$ 1,8 bilhão (cerca de R$ 10,14 bilhões) perdidos anualmente em receitas”.
O impacto da retração nesse tipo de turismo é sentido em companhias aéreas, hotéis, restaurantes, parques nacionais, comércio, transportes e outros locais frequentados por visitantes.
Nos últimos meses, várias empresas do setor já revisaram para baixo suas projeções.
As principais empresas aéreas dos Estados Unidos rebaixaram previsões de receita para o primeiro trimestre diante do “clima de incerteza”.
A rede Hilton reduziu a previsão anual de crescimento de receita por quarto disponível e citou queda em hóspedes internacionais em seus hotéis nos Estados Unidos.
O grupo Expedia reportou receita mais fraca do que o esperado no primeiro trimestre e disse que a mudança foi motivada pela redução na demanda por viagens nos Estados Unidos.
O Airbnb divulgou projeções de receita menor do que o esperado para o segundo trimestre. A empresa citou “resultados relativamente mais fracos nos Estados Unidos” e, especificamente, o fato de que turistas canadenses estão viajando menos para o país vizinho.
Em pesquisa conjunta divulgada no mês passado, três das principais associações de turismo nos Estados Unidos (American Bus Association, National Tour Association e Student & Youth Travel Association) perguntaram a seus membros ao redor do país sobre o impacto da queda de visitantes internacionais.
Mais da metade dos entrevistados disseram ter sido afetados. Entre os membros ligados ao setor hoteleiro, 61% relataram reservas canceladas e 56% reportaram perda de receita.
“Membros da NTA (National Tour Association) compartilharam comigo um número alarmante de clientes de fora dos Estados Unidos que estão cancelando viagens ao país, alegando hostilidade na fronteira, escalada na guerra comercial, retórica política e incerteza econômica”, disse a presidente da NTA, Catherine Prather.
Gaffney, da Universidade de Nova York, ressalta que pequenos negócios são especialmente prejudicados nesse contexto.
“A maioria dos provedores de turismo nos Estados Unidos são pequenas e médias empresas”, salienta.
Incerteza na fronteira
Desde o início do ano, em meio às políticas de imigração mais duras adotadas pelo governo Trump, a imprensa americana tem relatado vários casos de turistas estrangeiros detidos ou impedidos de entrar nos Estados Unidos.
Entre dezenas de exemplos recentes, estão os de dois turistas alemães presos por semanas ao tentar entrar no país pela fronteira com o México; o de uma viajante do País de Gales detida por 19 dias ao tentar ingressar pela fronteira com o Canadá; e o de uma cidadã canadense presa por 12 dias ao tentar renovar o visto.
Muitos dos turistas detidos ao chegar aos Estados Unidos reclamaram não ter recebido qualquer explicação, mesmo após terem pedido para voltar voluntariamente a seus países de origem, pagando a passagem por conta própria.
O serviço de imigração americano diz que não comenta sobre casos específicos.
Diante desses episódios, vários países, entre eles Alemanha e Reino Unido, atualizaram suas recomendações para cidadãos que pretendem visitar os Estados Unidos.
Esses comunicados alertam que a isenção de visto não garante a entrada no país e que há a possibilidade de detenção em casos de suspeita de violar as regras.
“As pessoas estão tendo muitos problemas na fronteira. E parece cada vez mais aleatório”, afirma Gaffney.
“Há uma agressividade nas políticas de fronteira deste governo que é assustadora para muitos. E, como o turismo é uma escolha, as pessoas estão escolhendo gastar seu dinheiro em outro lugar”, observa.
No Canadá, diversas instituições, entre elas uma associação de professores universitários, passaram a desaconselhar seus membros a viajar ao país vizinho.
Antes mesmo dos relatos de turistas detidos, muitos canadenses já estavam incomodados com a retórica de Trump e a sugestão de tornar o Canadá um Estado americano.
Várias cidades e Estados americanos já estão sentindo os impactos da queda no número de turistas estrangeiros. A cidade de Nova York recentemente reduziu sua estimativa de visitantes internacionais neste ano de 14,6 milhões para 12,1 milhões, uma queda de 17%.
A Califórnia espera queda de 9%, e o governador Gavin Newsom lançou no mês passado uma campanha para atrair turistas canadenses. O Estado quer reforçar a ideia de que “a Califórnia ama o Canadá”.
Gaffney, da Universidade de Nova York, não acredita que a situação possa ser revertida ainda neste ano, lembrando que viagens internacionais de turismo costumam ser planejadas com bastante antecedência.
“Acho que este não será um bom ano em termos de turistas internacionais”, afirma. “Acho que vai piorar antes de melhorar.”