
Em 2008, um homem saudável, sem histórico conhecido de doenças graves, decidiu doar sêmen para um banco europeu. Anos depois, descobriu-se que ele carregava uma mutação rara no gene TP53, ligada a uma síndrome hereditária que aumenta drasticamente o risco de câncer.
O resultado? Pelo menos 67 crianças concebidas com seu material genético, das quais 10 desenvolveram câncer e outras 20 herdaram a mesma mutação. Este caso, que só veio à tona após denúncias de famílias afetadas, levantou debates urgentes sobre os limites éticos e técnicos da reprodução assistida.
A Descoberta da Mutação TP53
O gene TP53 tem uma função crucial no organismo: produzir uma proteína que repara danos no DNA ou, em casos extremos, provoca a morte celular para evitar a propagação de mutações perigosas.
Quando esse gene sofre alterações, como no caso do doador, ele perde sua capacidade protetora. A condição resultante, conhecida como síndrome de Li-Fraumeni (LFS), eleva o risco de vários tipos de câncer, como leucemia, tumores cerebrais e sarcoma. Pessoas com LFS precisam de acompanhamento médico intensivo, incluindo ressonâncias magnéticas regulares do corpo e do cérebro ao longo da vida.
A mutação foi identificada tardiamente, quando duas famílias independentes relataram casos de câncer em crianças concebidas por doação de sêmen. Ao investigar, geneticistas descobriram que todas as crianças afetadas compartilhavam o mesmo doador.
A bióloga Edwige Kasper, do Hospital Universitário de Rouen, na França, liderou análises que confirmaram o potencial cancerígeno da variante genética. “Recomendamos aconselhamento genético imediato para todas as famílias envolvidas”, afirmou ela.
Limites Internacionais em Questão
Na época das doações, não havia tecnologia suficiente para detectar mutações específicas como a do TP53 em exames de rotina. O doador passou por avaliações padrão, que atestaram sua saúde aparente.
O banco de sêmen envolvido, The European Sperm Bank, segue um limite interno de 75 famílias por doador — número acima da média de muitos países. No entanto, como as doações foram distribuídas em diferentes clínicas e nações, o rastreamento das crianças tornou-se complexo.
Esse cenário expôs falhas na regulamentação internacional. Enquanto alguns países restringem o número de filhos por doador (como 10 na França e 25 no Reino Unido), outros não possuem leis específicas.
Nicky Hudson, professora da Universidade De Montfort, no Reino Unido, alertou: “Quando o sêmen cruza fronteiras, fica difícil monitorar quantas crianças nasceram e garantir que eventuais riscos genéticos sejam comunicados a todas as famílias”.
Os Desafios da Genética na Reprodução Assistida
O caso reacendeu discussões sobre até que ponto os bancos de sêmen devem investigar o material genético de doadores. Sequenciar o genoma inteiro de cada doador seria inviável financeiramente e eticamente, já que nem todas as mutações têm significado clínico claro. Por outro lado, especialistas defendem que síndromes raras, porém graves como a LFS, merecem atenção prioritária.
A síndrome de Li-Fraumeni afeta cerca de 1 a cada 20 mil pessoas no mundo. Mesmo sendo incomum, seu impacto é devastador: 50% dos portadores desenvolvem câncer antes dos 40 anos. Por isso, a detecção precoce é vital.
No caso das crianças envolvidas, a identificação da mutação permitiu iniciar monitoramento médico preventivo, mas muitas famílias só souberam do risco anos após o nascimento.
O Posicionamento dos Bancos de Sêmen
The European Sperm Bank emitiu um comunicado afirmando estar “profundamente impactado” pelo caso. Eles destacaram que seguiram todos os protocolos da época e que, mesmo com testes avançados, é impossível detectar mutações desconhecidas ou não rastreadas.
“Apoiamos a criação de um limite internacional de famílias por doador e já adotamos a política de não permitir mais de 75 gestações”, declarou um representante.
A bióloga Edwige Kasper reforçou a necessidade de harmonizar as regras na Europa: “Precisamos evitar que um único doador tenha dezenas de filhos em diversos países. Isso multiplica o risco de disseminar doenças genéticas”.
Atualmente, não há um sistema centralizado para rastrear doações entre nações, o que dificulta alertar famílias em caso de descobertas tardias, como mutações hereditárias.
O Futuro das Doações de Sêmen
Esse incidente é um dos poucos registrados publicamente, mas serve de alerta para a comunidade médica. Especialistas sugerem medidas como:
1. Limites internacionais claros: Restringir o número máximo de crianças por doador, considerando a distribuição global de amostras.
2. Registros unificados: Criar bancos de dados compartilhados entre países para rastrear doadores e famílias.
3. Triagem direcionada: Testar doadores para mutações associadas a síndromes graves, mesmo que raras, quando houver histórico familiar ou indicadores específicos.
Enquanto isso, as famílias afetadas enfrentam um dilema duplo: lidar com o diagnóstico de câncer em crianças e a descoberta de uma herança genética inesperada. Para muitas, a falta de informação prévia sobre os riscos deixou marcas permanentes. O caso segue como um exemplo dos desafios que avanços na genética e na reprodução assistida trazem à sociedade — exigindo equilíbrio entre esperança, ciência e responsabilidade.
Esse Homem que, sem saber, tinha câncer raro doou esperma para mais de 60 famílias com consequências devastadoras foi publicado primeiro no Misterios do Mundo. Cópias não são autorizadas.