Jerá Poty Mirim, uma das lideranças Guarani Mbya, da Terra Indígena Tenondé Porã, no extremo Sul da cidade de São Paulo (SP), conta que foi somente após a demarcação que foi iniciada a retomada da agricultura ancestral, um dos pilares do Nhandereko, o modo de viver Guarani.
“Essa parte da alimentação para o povo Guarani é algo realmente muito especial. E por ser especial, ela é sempre muito sentida. Não é só vista, não é só cheirada e só consumida. Ela está no sentimento profundo, que traz essa prática de gostar mesmo das plantas como se fossem seus filhos”, explica ao Bem Viver , programa do Brasil de Fato.
A Kalipety, onde ela vive, é uma das dezesseis aldeias deste território. Por muito tempo, os cerca de 1.500 indígenas que habitam o local viviam espremidos em uma pequena área de 26 hectares. O reconhecimento pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2012 ampliou o território para quase 16 mil hectares. Em 2016, a portaria declaratória do Ministério da Justiça confirmou o novo limite territorial.
“Estamos num território indígena que, antes da demarcação, dependia principalmente de comida vinda de fora – essencialmente alimentos diários de baixa qualidade, consumidos por pessoas com pouco poder aquisitivo, como é o caso das comunidades indígenas. Nós comprávamos esses alimentos ruins, muitas vezes transgênicos”, enfatiza Jerá.
“Muito sal, muito açúcar, muita comida industrializada e que hoje traz como consequência muitas pessoas que ficaram doentes”, lamenta.
O resgate de sementes
A aldeia de Jerá antes era uma grande monocultura de eucalipto. Daí o nome Kalipety, que significa “roça de eucalipto” no idioma Guarani.
Unindo a sabedoria dos mais velhos ao suporte técnico do Programa Aldeias, uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo, os Guarani da Tenondé Porã conseguiram superar os desafios para a recuperação do solo. Já que a raiz profunda do eucalipto acabava puxando água em excesso do lençol freático.
Com a terra renovada, os indígenas passaram a recolher sementes nativas da Mata Atlântica em aldeias de outros estados e países. Desde então, mais de 200 variedades livres de qualquer transformação gênica foram plantadas. A liderança enfatiza a natureza espiritual da agricultura Guarani, onde os alimentos são considerados sagrados.
“A base da alimentação Guarani é o milho. Antes de ser plantado, o milho precisa ser levado à casa de reza, e o mesmo acontece após a colheita – ele é consagrado com a fumaça do cachimbo, que leva tabaco, e também com o sentimento de agradecimento, o aguyjevete. Para os Guarani, seria – e é – completamente errado pensar no comércio desses alimentos como algo viável. Eles devem ser produzidos, colhidos, consumidos e, no máximo, compartilhados com outros, nunca vendidos”, pontua Jerá.

Mutirões e trabalho político
Só de milho, são nove tipos diferentes, do amarelinho mais tradicional ao de coloração roxa. Já batata-doce, são quinze variedades. Há ainda uma diversidade de frutas nativas da Mata Atlântica, como o araçá, a juçara, o cambuci e a pitanga.
Os plantios na Kalipety acontecem por meio de mutirões. Neste processo, participam indígenas de todas as idades e gêneros da aldeia, onde vivem cerca de 90 pessoas. O jovem Wesley Karai era um dos presentes na colheita que o Brasil de Fato acompanhou.
“A roça é importante pra gente, pra gente manter a nossa cultura. Pra mim, é importante também para o meu filho que está crescendo, pra eu ensinar ele futuramente”, coloca Karai.
No fim do dia, todos os indígenas compartilharam dos frutos do trabalho coletivo e voltaram pra casa com um pouco da mandioca e das batatas colhidas.
Karai Jonatan conta que o milho roxo é o seu preferido, pois o faz lembrar de sua infância, quando ia à roça com sua mãe. O indígena reforça o papel da agricultura Guarani na conservação da floresta. E conta o que mais gosta de fazer na roça: “Acho que é plantar mesmo. Plantar milho, batata, mandioca”.

Jerá Poty Mirim relata que o desenvolvimento da agricultura Guarani em Tenonde Porã foi impulsionado por um modelo coletivo, distinto da estrutura organizativa anterior — influenciada pela ditadura militar (1964-1985), e que impôs nos territórios indígenas a figura dos caciques e dos capitães.
“Estamos numa aldeia que é fruto desse movimento – uma conquista muito positiva na transformação do trabalho de liderança. Hoje, na maioria das 16 aldeias, não há mais cacique nem cacica. Isso mostra que nosso movimento não quis simplesmente trocar de cocar, mas sim revolucionar por completo o sentido da política. Estamos muito felizes com essa mudança”, enfatiza a liderança Guarani.
“Uma das coisas que sempre repetimos aqui na aldeia Kalipety é: ‘Vamos juntos! Vamos plantar mais e deixar de comer as comidas do juruá, que só trazem doenças, para fortalecer nossa cultura Guarani, tão bonita’. Mesmo estando em São Paulo, ninguém aqui quer viver na cidade, ninguém busca esse ‘progresso’”, finaliza Jerá.
E tem mais…
Na edição deste sábado (24), o Bem Viver também traz os 70 anos das Ligas Camponesas: quem primeiro gritou “Reforma Agrária na lei ou na marra!”
No outro lado do mundo, um mergulho na cidade proibida na China, patrimônio da humanidade.
E, sim, tem receita no programa! A chef Gema Soto traz um prato delicioso de cenoura na manteiga com pasta de queijo.
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