O 5º Congresso Brasileiro da Abranet, que tem o apoio do ITs Rio, reuniu, nesta quinta (22), representantes do governo federal, do mercado, da academia e dos três poderes, e teve como destaque o debate sobre a regulação da Inteligência Artificial e das plataformas digitais. O evento contou com a participação de David Li, diretor-executivo do Shenzhen Innovation Lab, da China, que apresentou como o país usa a IA para o desenvolvimento econômico e social, e do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).
A regulação da IA, que está em debate no Senado Federal por meio do Projeto de Lei 2.338/2023 — aprovado pelo Senado Federal em 2024 e agora tramita na Câmara Federal, foi debatida em todos os painéis. Sobre o projeto, o secretário da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Governo Federal, João Brant, afirmou que o PL representa um ponto de partida robusto para a análise da Câmara dos Deputados. “Foi um ótimo acordo e coloca obrigações para diversos sistemas. O texto traz também questões do ponto de vista econômico. Além disso, é um PL robusto, que serve como um bom ponto de partida”, declarou Brant
Já Marcelo Bechara, diretor de Relações Institucionais e Regulação do Grupo Globo, destacou a importância da inclusão dos direitos autorais na legislação sobre IA. “Eu estou feliz que o tema de direito autoral tenha sobrevivido ao texto do PL. O lobby no Senado Federal foi para que ele não existisse. Não sou ingênuo de achar que o texto não passará por mudanças, mas espero que a Comissão Especial realize audiências públicas e faça bons debates”, afirmou Bechara. Para ele, é essencial valorizar o patrimônio cultural e os conteúdos produzidos pelas empresas.
Em participação especial no 5º CBI, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). defendeu o modelo goiano de regulação da tecnologia, fundamentado na recém-aprovada lei estadual (LC nº 205/2025). “É importante termos uma lei que apoie o desenvolvimento da inteligência artificial, que é o grande desafio nesse momento (…). Um modelo aberto e não restritivo, em que haja controle sobre o uso indevido da tecnologia e que não criminalize os cientistas e desenvolvedores de softwares”, declarou o governador.
Quem regula as redes?
Em painel sobre o papel dos órgãos na regulação das plataformas digitais, os representantes do Cade e da Anatel apresentaram visões divergentes. Enquanto o Cade sustenta que a autarquia possui legitimidade e estrutura para atuar na área, a Anatel defende que apenas a agência tem autoridade efetiva, por ser responsável pela infraestrutura das telecomunicações.
Alexandre Cordeiro Macedo, presidente do Cade, afirmou que, ao observar “múltiplas jurisdições mundo afora”, considera que a comissão possui as condições institucionais necessárias para exercer um papel relevante na regulação digital, sem comprometer seu funcionamento.
Na mesma linha, Alexandre Barreto de Souza, superintendente-geral do Cade, declarou que tanto a Anatel quanto o Cade têm competência para atuar nesse campo, mas destacou que a autarquia reúne, segundo ele, as características mais adequadas para exercer essa função. “Se analisarmos múltiplas jurisdições no mundo, é inequívoco que o Cade tem competência”, disse. Ele defendeu uma combinação entre ações preventivas (ex ante) e corretivas (ex post), com foco em evitar distorções de mercado. “Nosso objetivo é proteger os concorrentes para que todos tenham igualdade de condições. Estamos no caminho certo ao calibrar essa atuação”, afirmou.
Por outro lado, Carlos Manuel Baigorri, presidente-executivo e do Conselho Diretor da Anatel, argumentou que apenas a Anatel tem condições de dar efetividade a qualquer marco legal no ambiente digital. “Se você não tem capacidade de exercer poder de polícia, a sua regra, por melhor que ela seja, não é exequível”, afirmou. Ele ressaltou que a agência atua para mitigar riscos de abuso de poder de mercado. “Nós atuamos para permitir a competição de um mercado específico, no caso, o de telecomunicações”, explicou.
Renata Mielli, do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), também participou do painel e destacou a complexidade das “camadas” da regulação de redes, que, segundo ela, incluem o CGI.br. Para Mielli, o Brasil carece de uma agência com competência plena para tratar da regulação de conteúdo. “Hoje, o país não tem uma agência com competências de A a Z para regular conteúdo. E vamos ter que enfrentar esse debate”, afirmou. Ela também mencionou que o órgão tem sido acionado judicialmente para retirar conteúdos de sites e aplicativos.
Sistema financeiro digital
O futuro do sistema financeiro digital também foi pauta no Congresso, em painel mediado por Nathalia Arcuri. Os participantes discutiram temas como a tokenização de ativos, fair share, riscos regulatórios e empoderamento do consumidor.
Uma das questões levantadas foi como o Open Finance pode beneficiar populações com menor nível educacional e em situação de vulnerabilidade — justamente o grupo mais exposto a riscos financeiros. A partir desse ponto, os debatedores destacaram que, embora positivo, o Open Finance é apenas uma parte de um cenário mais amplo, que envolve educação financeira e letramento digital.
Raul Moreira, presidente do Conselho de Administração do Banco Original e membro do Conselho de Administração do Open Finance Brasil, afirmou que um dos principais entraves estruturais do país é a educação. “O problema de segurança tem a ver com isso. Todos esses problemas de fraude, tudo que nós estamos sofrendo, tem a ver com educação financeira e letramento digital”, afirmou. Segundo ele, o Open Finance contribui, mas é “uma peça desse quebra-cabeça”.
Segundo ele, é preciso uma mobilização cultural para enfrentar esse problema “que está afetando a população de maneira geral — seja quem está sendo fraudado ou quem está usando BETs de forma indevida. Tudo isso remonta à questão do letramento digital e à educação brasileira”.
Sobre as BETs, a diretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marina Copola, apontou que a popularização de produtos não regulamentados foi impulsionada pela pandemia de Covid-19, que transformou o perfil do investidor brasileiro. O aumento do tempo online, a precarização do trabalho e o apelo de experiências digitais gamificadas impulsionaram a adesão a apostas esportivas, criptoativos, forex e outros produtos de alto risco.
Copola criticou a ineficácia das medidas atualmente adotadas no Brasil para conter a oferta de produtos financeiros não regulados, como tokens de renda fixa. Segundo ela, a “stop order”, principal mecanismo da CVM para suspender essas ofertas, tem se mostrado insuficiente diante da velocidade das fraudes digitais.
“Os infratores simplesmente migram para novas plataformas após a notificação, o que transforma a fiscalização em um esforço constante e pouco efetivo”, afirmou. Como alternativa, ela defendeu uma abordagem disciplinar, com atuação conjunta entre a CVM, associações de classe e empresas, para controlar tanto o fluxo financeiro quanto a oferta desses produtos.
Fair share
Durante o congresso, Carlos Baigorri, da Anatel, declarou que ainda não tem uma opinião formada sobre a proposta conhecida como “fair share”, que prevê a cobrança de uma taxa adicional para grandes usuários da rede. Segundo ele, qualquer posicionamento será dado apenas após o tema ser oficialmente submetido ao Conselho Diretor da Anatel. “Se eu já tivesse uma posição pré-definida antes do processo, isso seria uma farsa. O processo é feito para escutar todos os interessados”, disse.
A discussão está inserida na regulamentação do artigo 4º da Lei Geral de Telecomunicações, que trata das responsabilidades dos usuários e do uso adequado da rede. A proposta encontra-se em fase de análise de impacto regulatório e ainda depende da avaliação técnica e da Procuradoria Federal Especializada antes de ser submetida à consulta pública.
IA para desenvolvimento
A Inteligência Artificial é tratada como um ecossistema pragmático, acessível e colaborativo por David Li, diretor-executivo do Shenzhen Innovation Lab, da China. Pela primeira vez no Brasil, o alto executivo criticou a visão ocidental sobre a IA desenvolvida na China e detalhou as estratégias chinesas para liderar o desenvolvimento de tecnologias baseadas em inteligência artificial.
Além de apresentar o Deepseek, modelo de código aberto criado no país, demonstrou como o seu país utiliza a em aplicações de segurança, indústria, pequenas e médias empresas e também na agricultura. “Na China, pequenos comerciantes de vilarejos já usam sistemas de IA para criar vídeos promocionais de seus produtos e vendê-los pela internet, alcançando consumidores que antes seriam inacessíveis”, disse o executivo. “A revolução dos humanóides está em curso, mas ela não substitui empregos — melhora a vida de quem os ocupa”, afirmou.
Em debate específico sobre a IA aplicada ao desenvolvimento social, Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, e Maria Eduarda Franklin, cofundadora e CEO da Orby, destacaram a importância da inteligência artificial para a sociedade, especialmente nos campos da educação e do desenvolvimento. “Essas novas tecnologias não substituirão a escola. Elas precisam ser usadas para encantar os jovens”, afirmou Saron. Já Franklin defendeu mais investimentos em ciência e ressaltou a urgência de superar as barreiras regulatórias que travam o setor industrial brasileiro.
O evento foi aberto por Gil Torquato, presidente da Abranet, que destacou a importância do espaço para debater o rápido desenvolvimento da internet e o avanço da IA no cotidiano da sociedade. O painel inicial também contou com as participações de Carol Conway, Presidente Conselho Abranet da Abranet, Carlos Affonso Souza, diretor do ITs Rio, Instituto Tecnologia e Sociedade, e Demi Getschko, diretor-presidente do Nic.br – Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR.