
Nos últimos dias, a mudança na cor da camisa da Seleção Brasileira voltou ao centro das atenções. O vermelho, até então ausente dos uniformes tradicionais da equipe nacional, passou a estampar uma das versões como o segundo uniforme. A repercussão foi imediata e acalorada. Mas o problema não está na cor em si. Está no fato de que essa pauta ganhou mais atenção do que os inúmeros desafios concretos que afetam a vida dos brasileiros e comprometem o futuro do país.
Historicamente, a camisa da Seleção é um dos símbolos nacionais mais importantes da identidade nacional. Ela foi usada, ao longo das décadas, como representação da união em torno de um objetivo comum: vencer, competir e representar o país com dignidade. Verde e amarelo não são apenas cores, mas uma lembrança do que pode unir uma nação tão diversa. A substituição dessas cores por vermelho e preto, em qualquer contexto, carrega um peso simbólico, especialmente em um ambiente político já marcado por divisões e disputas narrativas.
Em uma democracia, símbolos nacionais deveriam ser ponto de convergência, não de apropriação partidária. Quando isso não acontece, o tecido social se fragmenta ainda mais. Não se trata de rejeitar inovações visuais ou reinterpretações culturais, mas de compreender que certas escolhas, por mais sutis que pareçam, carregam significados amplos e despertam reações legítimas. Quando essas escolhas são feitas em nome de uma agenda política ou ideológica, a consequência é um aprofundamento da polarização, exatamente o que o país menos precisa.
A Pauta Pública Distorcida
Mais preocupante do que o debate em si é o fato de ele dominar a pauta pública enquanto temas verdadeiramente urgentes são deixados de lado. A questão não é a camisa da Seleção. A questão é o que ela simboliza em um contexto maior: um país que evita lidar com seus problemas reais e prefere se perder em disputas simbólicas que inflamam paixões, mas não constroem soluções.
Enquanto isso, empresas continuam enfrentando insegurança jurídica. O ambiente tributário segue complexo e hostil à competitividade. A educação básica, que deveria ser prioridade absoluta, segue defasada. A produtividade do trabalho segue estagnada há mais de uma década. Ao mesmo tempo que o debate nacional gira em torno da cor de um uniforme esportivo. Essa inversão de prioridades custa caro. Desvia energia, tempo e atenção de onde realmente importa.
A Necessidade de um Debate Público Maduro
É fundamental recuperar a capacidade de distinguir o que é central do que é periférico. O Brasil precisa de um debate público mais maduro, voltado à construção de consensos mínimos sobre temas importantes: infraestrutura, segurança jurídica, desburocratização, qualificação profissional, inovação e a abertura econômica. Nenhum desses avanços será possível enquanto o foco permanecer em disputas identitárias e simbólicas.A camisa da Seleção pode — e deve — continuar sendo um símbolo de união. Transformá-la em instrumento de divisão revela um problema profundo: a dificuldade do Brasil em lidar com o que importa. E, enquanto o país continuar trocando substância por narrativa, identidade por provocação e política pública por estética ideológica, continuará patinando nos mesmos dilemas de sempre.