
Enquanto 29% dos brasileiros adultos seguem sem dominar habilidades básicas de leitura e matemática, crianças em escolas da China estão aprendendo sobre Inteligência Artificial, algoritmos e robôs. Os dados são recentes, e o contraste é duro.
O levantamento do Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), divulgado pelo Unicef em 2024, mostra que o Brasil não saiu do lugar desde 2018: seguimos com quase um terço da população em situação de analfabetismo funcional.
Enquanto isso, a China amplia sua liderança tecnológica, iniciando os estudantes em IA ainda na educação básica. Dois mundos. Duas prioridades. Dois futuros.
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Falha em garantir direito à educação plena
O analfabetismo funcional é mais do que uma estatística: é um sintoma de uma sociedade que falha em garantir o direito à educação plena. Uma pessoa funcionalmente analfabeta sabe ler palavras, mas não entende o que lê.
Sabe fazer contas simples, mas não consegue aplicar isso em situações cotidianas. Significa não conseguir interpretar uma bula de remédio, ler um contrato de trabalho ou entender um gráfico em uma conta de luz.
Em um mundo que exige cada vez mais raciocínio lógico, interpretação e tomada de decisão, o impacto disso é profundo — no trabalho, na saúde, na cidadania.
Enquanto isso, do outro lado do planeta, a China toma decisões estratégicas com foco no futuro.
Crianças do ensino fundamental já têm aulas regulares sobre IA, programação, robótica e ética digital. Não se trata de uma elite tecnológica. É política pública, integrada ao sistema educacional.
A ideia é clara: formar desde cedo uma geração capaz de compreender e moldar a tecnologia, e não apenas consumi-la. Mais do que ensinar a usar aplicativos, trata-se de ensinar como eles funcionam — e por que funcionam daquele jeito.
Brasil parece viver em um paradoxo
O Brasil, por sua vez, parece viver em um paradoxo: cada vez mais imerso em tecnologias, mas sem preparar sua população para interagir criticamente com elas.
Em vez de investir na formação sólida em português e matemática — o alicerce de todo conhecimento mais complexo — discutimos superficialmente a digitalização da educação como se bastasse distribuir tablets ou ensinar a usar ferramentas de IA. Mas tecnologia sem base é como software sem hardware: não roda.
Existem excelentes iniciativas no país
Há, sim, excelentes iniciativas no país. Professores engajados, projetos inovadores, redes que fazem muito com pouco. Mas elas ainda são exceções. O sistema como um todo precisa de uma guinada.
Falar de inteligência artificial na educação é importante — e necessário — mas não podemos nos iludir: antes de ensinar máquinas a pensar, precisamos garantir que as pessoas saibam ler, escrever, interpretar e calcular. Esse é o mínimo. E o mínimo ainda não foi alcançado.
Cenário global não espera
Além disso, o cenário global não espera. A transformação digital já é realidade nas economias desenvolvidas — e nos sistemas educacionais que as sustentam. Ignorar isso não nos protege do atraso; apenas nos afasta das soluções.
Mas correr para incluir temas “da moda” no currículo, sem garantir as competências básicas, é ineficaz e até perverso. É prometer um futuro digital para quem ainda não teve acesso pleno ao presente analógico.
O que fazer, então?
O caminho passa por um compromisso real com a educação de base. Isso significa investir em formação de professores, infraestrutura escolar, acompanhamento de aprendizagem, material didático de qualidade e, principalmente, continuidade nas políticas públicas.
Também exige diálogo entre tecnologia e pedagogia — e não a substituição de uma pela outra.
A educação não precisa escolher entre o livro e o algoritmo. Mas precisa compreender que o primeiro dá suporte para que o segundo faça sentido.
Um país que não ensina bem português e matemática não forma programadores, engenheiros ou cientistas de dados. Nem mesmo cidadãos críticos.
Futuro exige fluência digital
O futuro exige fluência digital, mas essa fluência só se desenvolve sobre o domínio pleno da linguagem, do raciocínio lógico e da capacidade de aprender continuamente.
Enquanto a China ensina IA nas escolas, o Brasil ainda precisa garantir o básico. O risco de ampliar o abismo entre nações não é apenas econômico, mas civilizacional.
O futuro será de quem souber educar para ele — e isso começa pelo chão da escola, pela sala de aula, pelo professor.
O futuro digital é promissor, mas só será acessível a todos se fizermos o dever de casa com seriedade. E ele começa pela base.