Um ensaio fotográfico em San Antonio de Los Baños, Cuba

Com quase 50 mil habitantes, a cidade de San Antonio de Los Baños, localizada na província de Artemisa, é uma efervescência cultural em Cuba. Fundada em 22 de setembro de 1794, a cidade conhecida como a Capital do Humor possui uma estrutura docente de 39 centros de ensino, entre eles uma Academia Provincial de Artes Plásticas, a Escuela Provincial de Formación de Instructores de Arte e a Escuela Internacional de Cine e TV.

Na área social, a cidade conta com o Campamento Quisicuaba, um centro de vida para pessoas em situação de rua. San Antonio, assim como grande parte da República de Cuba, é um contraste visual entre uma imponente e colonial arquitetura espanhola e uma condição estrutural resultante do bloqueio imposto em 1962 pelos Estados Unidos, agravado com a crise financeira pós-pandemia de Covid-19.

Crédito: Nilmar Lage

Tantas camadas reverberam na complexidade de se estar e perceber Cuba de uma maneira direta, que não seja mediada por olhares românticos do que foi a Gloriosa Revolução, como se referem alguns mais velhos, e nem daquilo que seria um fracasso da mesma, defendido por pessoas da Geração Z, nascidos após meados dos anos 1990.

Em geral, os cubanos são acolhedores, generosos e andam com altivez, pedem licença ou recusam um pedido de fotografia com muita cordialidade. Estar em Cuba é conviver com esta condição de um povo com muita vontade, ou com “mucha gana”, como dizem, e escassez de recursos e produtos industrializados. Certamente existem exceções, mas como óbvio, são exceções.

Ícones do turismo no país, automóveis clássicos estadunidenses com 60, 70 anos de circulação, são resultantes da dificuldade de fabricação e/ou importação de veículos modernos. Mesmos carros importados da antiga União Soviética possuem idades avançadas e convivem com constantes manutenções improvisadas devido à falta de peças de reposição.

Campamento Quisicuaba, San Antonio de Los Baños, Cuba

Ao mesmo tempo, são complemento de renda ou até mesmo atividade principal de quem oferece serviço de táxi (que pode ser estatal ou informal). A informalidade, aliás, é uma grande fonte de renda para as pessoas. Quase toda casa possui uma pequena venda de produtos variados: gêneros alimentícios, de higiene e limpeza, quinquilharias importadas e brechó. San Antonio de Los Baños não foge a essa regra. 

Outro ícone cubano são os charutos, chamados localmente de “los puros”. Possuem fabricação regional, movimentando a economia formal e informal, já que é possível comprá-los de pessoas que conseguem caixas por vias indiretas.

Charutos cubanos “los puros” em San Antonio de Los Baños

Aspecto marcante também é o espírito revolucionário. Fotos dos irmãos Fidel e Raul Castro, Che Guevara e bustos de José Martí fazem parte da paisagem do país. No Campamento Quisicuaba me impressionou a consciência política e social de vários residentes, principalmente Líbán. Seus desenhos e poemas trazem grande carga de questionamentos atuais como a tentativa de anexação de territórios promovida pelo imperialismo estadunidense, pedidos para o fim do bloqueio à Cuba e apoio à causa Palestina.

Artista Líbán, desenhista e poeta, no Campamento Quisicuaba, San Antonio de Los Baños, Cuba

O recorte deste ensaio fotográfico nem de longe representa toda riqueza cultural e do modo de ser cubano, e certamente não dá conta da escassez e desafios que vivem as pessoas da cidade. É um recorrido pelas ruas do Centro em abril de 2025, durante a 24ª Bienal Internacional de Humor Gráfico de Cuba, com presença massiva de cartunistas locais, como José Luis.

A simplicidade e a alegria me marcaram muito. Desde a premiação da Bienal, com itens banais de uma sociedade de consumo como uma bicicleta de marchas ou uma luminária de mesa, que foram recebidas com muito entusiasmo pelos agraciados, passando pela reutilização de papel que serve deliciosas pizzas de rua. Tudo feito com uma generosidade e uma educação nem sempre vistos em lugares rotulados em alguma instância como desenvolvidos. 

Estar em Cuba é viver outros modos de vida, é desapegar de bens materiais e ao mesmo tempo “valorizar privilégios”. É estar cercado por educação formal e informal, é alimentar utopias e experimentar choques de realidades. Não é tão simples, nem tão pouco impossível. Gracias, Cuba. 

*Nilmar Lage é jornalista e documentarista, com uma especialização em Linguagem Audiovisual. Seus trabalhos envolvem temas sociais, ligados aos direitos humanos e garantias asseguradas pela Constituição.

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