
Desde agosto de 2023, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) flexibilizou as regras de impedimento e liberou magistrados para julgar casos nos quais as partes fossem clientes de escritórios em que seus parentes atuam, esperava-se o surgimento de algum processo que poderia causar um conflito entre as famílias dos juízes. E finalmente um caso surgiu: trata-se de uma disputa entre grupos industriais que contam com familiares de ministros dos dois lados da pendenga.
Revelado por reportagem publicada ontem pelo jornal Folha de S. Paulo, o processo antagoniza os grupos Petrópolis (fabricante das cervejas Itaipava e Petra) e Crowned pelo controle da cervejaria Imcopa. Na confusão, há familiares de quatro ministros do STF, de um juiz do Superior Tribunal de Justiça e de um magistrado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Nem todos estão atuando neste momento – alguns parentes já trabalharam na causa e se retiraram.
Os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Kassio Nunes e Cristiano Zanin têm ou tiveram familiares e agregados defendendo os dois lados do caso. Todos votaram a favor da flexibilização em agosto do ano retrasado.
Os defensores da flexibilização argumentam que os juízes continuam impedidos de julgarem casos em que seus parentes estejam diretamente envolvidos. O que se flexibilizou é a possibilidade de julgar casos que envolvam as bancas nas quais os parentes trabalham.
Ocorre que nem sempre existe uma “Chinese wall” nos casos defendidos pelos escritórios de advocacia. E os ministros deveriam dar o exemplo de imparcialidade, mesmo que pecando pelo excesso de equidade. Em muitos setores – em especial o da Justiça – a mulher de César tem de ser honesta e principalmente parecer honesta.
Mas esse tipo de conflito, inclusive, apresenta um alinhamento incomum: a Petrópolis, de Walter Faria, é defendida por Viviane Barci de Moraes e Karine Nunes Marques (esposas respectivamente de Alexandre de Moraes e de Kassio Nunes Marques).
Este processo pode criar rusgas entre os ministros que têm parentes em campos opostos? Sim. Mas o espírito de corpo deve entrar em campo e suavizar as disputas – até porque há magistrados representados nos dois lados da contenda.
Tome-se o caso de Gilmar Mendes. Sua esposa, Guiomar, e sua enteada, Daniele Feitosa, estão do lado da Crowded. Mas seus sobrinhos, Pedro Anísio e Maria da Conceição Mendes, alinham-se com a Petrópolis. No passado, ainda, a filha de Gilmar, Laura, e outra enteada, Maria Carolina Feitosa Tarelho, também atuaram junto à empresa de Faria.
Se esse tipo de disputa se repetir muito, porém, a unidade que se enxerga hoje no plenário (com nove juízes votando praticamente em bloco) corre o risco de balançar. O escritor Nelson Rodrigues já disse uma vez que “toda a unanimidade é burra”. Nesta situação, contudo, essa consonância constante chega a ser incompreensível e arriscada.
Leia mais notícias e análises clicando aqui
Conheça nosso canal no YouTube
O post Opinião: “um conflito de interesses familiares no STF” apareceu primeiro em BM&C NEWS.