Licença vencida, efluentes tóxicos e falta de transparência: consultores detalham poluição do Rio Melchior

Consultores legislativos da Unidade de Desenvolvimentro Urbano, Rural e Meio Ambiente (UDA) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) apresentaram, durante a quinta reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a poluição do Rio Melchior, realizada nesta quinta-feira (15), um estudo técnico de 2023 que detalha as condições críticas do manancial. As águas do rio são classificadas como impróprias para uso humano e recebem dejetos da rede de esgoto, do Aterro Sanitário de Brasília (ASB), de um abatedouro de aves da Seara e de outras fontes não licenciadas, por meio de ligações clandestinas.

O Rio Melchior desagua na bacia do Descoberto, responsável por abastecer 60% da população do Distrito Federal. Os consultores relataram dificuldade em encontrar documentos atualizados sobre as permissões para despejo de efluentes no rio. A autorização da estação de tratamento do aterro sanitário, emitida pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram), expirou em junho de 2021 e os técnicos não localizaram registros que indiquem a renovação do licenciamento. Já em relação ao abatedouro, por se tratar de uma empresa privada, as informações são ainda mais nebulosas – um parecer do Ibram de 2018 indica que o estabelecimento, que chega a abater 280 mil aves por dia, tem capacidade de tratar 12 mil metros cúbicos de água diariamente. O documento aponta que a outorga que permite o uso de recursos hídricos do Rio Melchior para lançamento de efluentes tratados é de 2015.

Os técnicos afirmaram que a ausência de informações atualizadas acessíveis ao público indica “falta de transparência” de órgãos como o Ibram, a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa) e o Conselho de Recursos Hídricos do DF (CRH/DF), que não estaria divulgando as atas das reuniões em que se discute a reclassificação das águas do Melchior. “Infelizmente esses documentos não estão disponibilizados ao público para que possamos de alguma forma acompanhar e fiscalizar”, afirmou a consultora legislativa Daniela Adamek.

Segundo a presidenta da CPI, deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania-DF), a solicitação de documentos relacionados ao licenciamento ambiental dos efluentes, à autorização de operação do abatedouro, às atas de reuniões do CRH/DF e ao estudo do balanço hídrico do Rio Melchior está entre os 38 requerimentos aprovados na última reunião da Comissão.

Além de Belmonte, participaram do encontro desta quinta (15) o relator da CPI, deputado Iolando (MDB-DF), e Rogério Morro da Cruz (PRD). O relator afirmou que também é preciso considerar o impacto gerado pela população local. “Tem uma boa parte da população que, pelo avanço das invasões, também está gerando essa contaminação [do rio]”, declarou.

A próxima reunião da CPI será uma visita técnica ao Aterro Sanitário de Brasília, na quinta-feira (21). A visita será acompanhada pela TV Distrital.

Riscos ecológicos

O Rio Melchior atravessa áreas urbanas e rurais das regiões administrativas de Samambaia, Ceilândia, Taguatinga e Sol Nascente/Pôr do Sol, onde passa por áreas protegidas, como unidades de conservação e Áreas de Preservação Permanente (APPs). O rio enfrenta um acelerado processo de degradação desde a década de 1980, quando a área começou a ser impactada pela expansão urbana.

De acordo com o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE-DF) do DF, o Melchior está em uma área de recarga de aquíferos, reservatórios naturais de água subterrânea, que também estão sendo impactados pela poluição. A nascente do rio está localizada em uma Área de Relevante Interesse Ecológico (Aire), a Aire JK, um espaço ambientalmente protegido e de uso sustentável, conforme a legislação.

O estudo aponta que a área enfrenta uma série de riscos ecológicos, como erosão do solo, perda do Cerrado nativo e contaminação do subsolo por fugas da rede de esgoto e chorume. O consultor André Felipe da Silva alertou que essas condições de sensibilidade ambiental precisam ser levadas em conta no Plano de Ordenamento Territorial (PDOT), em tramitação na CLDF.

“A questão fundiária na região é tão relevante que o próprio Zoneamento Ecológico-Econômico colocou a área no entorno do rio Melchior como área prioritária de combate à grilagem e à ocupação irregular”, destacou.

O rio recebe efluentes de duas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) – Melchior e Samambaia – que recebem o esgoto residencial de cerca de 1 milhão de habitantes. O Aterro Sanitário de Brasília recebe, em média, 2 mil toneladas de resíduos sólidos por dia, que, em contato com a água da chuva ou em decorrência da umidade própria do lixo, produz chorume. Esse líquido altamente tóxico é tratado pelo aterro e o efluente é despejado no Melchior.

“Essa água do Rio Melchior — e todos esses efluentes que são lançados, se não devidamente tratados — indiretamente nós vamos beber essa água. Porque o Rio Melchior, o exutório [escoamento] dele é no Rio Descoberto, que abastece o reservatório do Descoberto, que é a fonte de abastecimento de água para 60% da população do Distrito Federal”, respondeu a consultora legislativa Moíra Nogueira em relação ao impacto da poluição para o cidadão brasiliense.

Em 2014, o Rio Melchior foi enquadrado na classe 4 pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente, a pior categoria de uso das águas e, consequentemente, de nível de qualidade. “A classe 4 permite o uso apenas para navegação e harmonia paisagística. Não pode ser utilizado de forma alguma pela população, pois já é previsto que aquela água vai estar poluída”, explicou a consultora legislativa Daniela Adamek.

Atualmente, o Melchior enfrenta uma nova ameaça: o projeto de instalação da Usina Termelétrica de Brasília (UTE Brasília). A Termo Norte, empresa responsável pelo projeto, já recebeu duas outorgas prévias da Adasa autorizando o uso e a devolução de recursos hídricos do rio para resfriamento dos caldeirões da usina.

O consultor André Felipe frisou que o aumento da temperatura das águas pode alterar o rio e impactar a biodiversidade. “Quanto maior a temperatura, até um certo limite, ela acelera reações químicas e a proliferação de bactérias, e faz com que o oxigênio dissolvido na água, comece a se perder, Então, você vai ter mais um fator influenciando a poluição ali naquele rio”, explicou.

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