Projetos conservadores se acumulam na Câmara de BH e geram críticas por riscos à população

Em sintonia com uma tendência nacional, a Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) segue discutindo e aprovando projetos de lei conservadores em 2025. Essas ações, no entanto, têm sido criticadas por especialistas e pela bancada de esquerda no legislativo, já que, segundo eles, as pautas trazem prejuízos a diversos setores da cidade.

A última proposta a ser aprovada, em turno único, no dia 17 de abril, foi a que institui o Dia Municipal dos Métodos Naturais, a ser celebrado anualmente no dia 7 de julho, incorporada ao PL 39/2025. 

A ideia, apresentada por um vereador do PL, é estabelecer uma data para que sejam fomentadas discussões sobre técnicas de observação das alterações corporais a partir do ciclo menstrual, sem usar, portanto, elementos considerados artificiais, como pílulas ou preservativos. A vereadora do Psol Iza Lourença, que votou contra o PL, criticou a medida. 

Projeto desestimula métodos preventivos de gravidez e infecções

“A princípio, a gente pode olhar para esse projeto e achar que ele é inofensivo, é só um dia. Mas imagine se a gente tem uma futura gestão de extrema direita na prefeitura que vai pegar um projeto desse e, no dia 7 de julho, resolver fazer palestras nas escolas para incentivar os métodos naturais de contracepção”, reflete a parlamentar.

A proposta recebeu pela bancada de esquerda a alcunha de “PL da gravidez na adolescência”. 

“Esse foi um método elaborado em 1950, que não tem uma eficácia como tem o DIU, como tem a pílula anticoncepcional, como tem a camisinha, para você não engravidar”, explica Lourença. 

Também denominado de “PL da sífilis”, o projeto preocupa por outra razão: o possível aumento de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). “Pode fazer com que as ISTs disparem ainda mais. E nós precisamos do contrário: de campanhas para que as pessoas façam planejamento familiar e utilizem diferentes métodos contraceptivos”, pondera a vereadora. 

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Internação compulsória

Começará a ser discutido na CMBH também um PL que prevê a regulamentação de internações voluntárias e involuntárias de dependentes químicos na capital, focado em pessoas em situação de rua e em grau de extrema vulnerabilidade, algo que também foi criticado pela oposição. 

O médico e vereador de BH pelo PT Bruno Pedralva explica que a medida não conseguirá solucionar o problema, que é muito mais complexo do que a proposta faz parecer. 

“Não é simplesmente internar a pessoa, jogar no hospital psiquiátrico, nessas comunidades terapêuticas que não são tratamento de saúde, que vai resolver problemas que são estruturais relacionados ao trabalho, relacionados ao sentido de vida, relacionados às vezes a sofrimento mental e a estrutura familiar. Portanto, nós estamos diante de uma agenda que é de retrocesso, é de falsas soluções”, sinaliza o parlamentar. 

A sugestão da bancada progressista para enfrentar a questão é fortalecer o SUS, as equipes do consultório de rua e os Centros de Referência em Saúde Mental  (Cersams), que fazem o tratamento em liberdade. 

“Quando está mais grave, é preciso ficar alguns dias lá no Cersam. Mas o Cersam também acolhe essas pessoas, as pessoas dormem lá, ficam protegidas nesses espaços. Precisamos também dos nossos centros de convivência e toda a nossa política da assistência social que tenta reintegrar na sociedade as pessoas em situação de rua, em sofrimento mental, em uso abusivo de álcool e outras drogas”, complementa. 

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Bíblia nas escolas

Muitos dos projetos conservadores apresentados, segundo Iza Lourença, até parecem inofensivos, mas na verdade reservam um perigo grande à população. É o caso do PL 825/2024, aprovado no dia 9 de abril, que propõe estabelecer a bíblia como material paradidático nas escolas. 

O texto propõe que o livro seja utilizado como material de apoio para disseminação de conteúdo cultural, histórico, geográfico e arqueológico. Vereadores contrários a proposta alegaram que a medida fere a laicidade do Estado.

Não à toa, o PL reflete o aumento de um conservadorismo no lesgilativo destinado, especialmente, às pautas da educação. 

Segundo um monitoramento do legislativo pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), o tema é o mais recorrente apresentado por parlamentares considerados católicos ou evangélicos na Câmara dos Deputados, segundo análise de 1,9 mil projetos de lei (PLs) de 2023. 

“No futuro, podemos muito bem ter um prefeito que vai distribuir bíblias nas escolas. Afinal de contas, é um material paradidático e que precisa ter na biblioteca, portanto. São projetos que preparam terreno para que uma prefeitura de extrema direita possa fazer um grande estrago na cidade”, chama a atenção Lourença. 

Cenário reflete declínio nacional

Segundo a cientista política Luiza Aikawa, parte desse quadro, que se repete no Brasil inteiro, é explicado porque estamos diante de uma legislatura recém-eleita, que precisa, em alguma medida, prestar contas ao público que a elegeu. Ou seja, o primeiro ano é o mais produtivo, mesmo que as pautas não avancem. No futuro, mesmo que aprovadas, muitas das propostas são declaradas inconstitucionais, explica a especialista. 

“Na Câmara de Belo Horizonte, por exemplo, tem tido cópias de projetos de outras câmaras municipais. Isso acontece frequentemente. É natural que partidos que são organizados nacionalmente coloquem uma pauta em mais de uma cidade ou então que políticos se espelhem de alguma maneira em outros”, fundamenta. 

Essa dinâmica de aprovação de projetos conservadores, no entanto, é muito mais política do que jurídica, o que explica o avanço das pautas ainda que sejam inconstitucionais, de acordo com Aikawa. 

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No ano passado, por exemplo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu a Lei 11.581/2023, apresentada pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL) enquanto atuava como vereador em Belo Horizonte, que proibia o ensino da linguagem neutra na educação básica da capital.

O TJMG também avaliou que a norma foge à competência do Poder Executivo municipal, já que é função privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. 

Por essa razão, explica Aikawa, grupos progressistas que poderiam atuar na defesa de suas pautas, em especial àqueles que defendem os direitos humanos, estão hoje concentrados apenas em impedir o retrocesso. 

“O esforço político não consegue ser direcionado para avançar, ele está buscando segurar as pontas”, complementa. 

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