Projeto de mineração da Belo Sun ameaça comunidades já impactadas por Belo Monte

Lideranças da Volta Grande do Xingu, no sudoeste do Pará, denunciam assédio judicial, ameaças e conivência dos governos federal, estadual e municipais em relação aos interesses da mineradora canadense Belo Sun, que pretende instalar na região o “Projeto Volta Grande de Mineração”, que pode ser a maior mina de ouro a céu aberto do mundo.

Famílias camponesas, ribeirinhas e indígenas, que já convivem com os impactos da diminuição drástica da vazão do rio Xingu, em decorrência da barragem da usina hidrelétrica de Belo Monte, afirmam que vão continuar resistindo, apesar das constantes ameaças.

“A Belo Sun, em relação a essas famílias de trabalhadores e trabalhadoras, de ribeirinhos e indígenas, há algum tempo tem tentado utilizar de mecanismos extrajudiciais para fins de dirimir, criar embaraços, promover situações específicas de medo, de pânico”, alega Diogo Cabral, advogado do Movimento Xingu Vivo para Sempre.

Segundo ele, uma das situações mais tensas envolve o conflito fundiário no acampamento Assis Piauí, ocupado como forma de resistir à empresa canadense e também para pressionar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A região onde a mina pode ser instalada está dentro de áreas destinadas à reforma agrária. O território é marcado por um grande número de casos de camponeses e defensores de direitos humanos assassinados ou perseguidos, tendo como pano de fundo os conflitos fundiários. “O Incra sempre [está] ausente ou ineficiente para resolver tais questões. Por isso causou revolta à população local que o mesmo Incra tenha destinado com tanta celeridade uma área de 2.428 hectares do Projeto Assentamento (PA) Ressaca à Belo Sun”, revela uma liderança, que pediu para não ser identificada, por receio de retaliações da empresa.

Segundo ele, situações envolvendo o conflito pela posse e pela propriedade dessas terras, que estão situadas no coração da Amazônia e que são ocupadas há muito tempo por assentados ou trabalhadores rurais, fez com que a mineradora contratasse a Invictus, uma empresa de segurança particular. Além disso, ele afirma que a Belo Sun passou a adotar diversas medidas judiciais contra o acampamento e as lideranças que o defendem, incluindo pedidos de prisão, dados pessoais e quebra de sigilos bancário e telefônicos de 40 trabalhadores rurais e defensores de direitos humanos à Justiça do Pará.

A liderança local revelou ao Brasil de Fato que os acampados “sofrem constantemente ameaças veladas ou explícitas, com seguranças armados apontando ou atirando para assustar. Muitos acampados também são colonos que precisam voltar aos próprios lotes para cuidar de seus cultivos, e ficam ainda mais vulneráveis longe do acampamento”. Para ele, apesar do apoio do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública da União (DPU), da Diocese do Xingu e do Movimento Xingu Vivo para Sempre, as forças de segurança pública do estado não cumprem o papel de garantir a ordem no território. Ao contrário, “a polícia aparece com muito mais eficiência quando Belo Sun faz alguma denúncia contra os trabalhadores”, revolta-se.

Usina hidrelétrica de Belo Monte – Foto: Joédson Alves – Agência Brasil

As disputas judiciais envolvendo Belo Sun

“Já não há mais pesca comercial na região. Os peixes disponíveis mal dão para o próprio sustento. Os efeitos das emergências climática também são severos na região, já tão prejudicada pela vazão de água do rio Xingu, que é insuficiente para a manutenção da biodiversidade na Volta Grande. E enquanto a DPU e o MPF cobram a Norte Energia, também precisam lidar com todas as violações de direitos da Belo Sun”, revela outro ativista, que também pediu para não ter a identidade revelada.

Segundo ela, diante desse cenário caótico às populações locais, o Ibama praticamente lavou as mãos sobre o caso, ao afirmar oficialmente que não é competência do órgão fazer o licenciamento ambiental do empreendimento canadense, contrariando os pareceres técnicos do MPF, acatados pela primeira instância da Justiça Federal em 2018, e a jurisprudência sobre o caso, segundo comunicado do Ministério Público, que recorreu da decisão. Atendendo à apelação do próprio Ibama, a sexta turma do TRF1 decidiu, por unanimidade, que a competência para o licenciamento seria da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas).

O governador Hélder Barbalho é abertamente a favor da Belo Sun, e a própria Semas, em 2017, já havia concedido licença de instalação à mineradora, decisão tornada sem efeito, entre outros motivos, porque o MPF entende que um mega empreendimento com essa complexidade, tão próxima de Belo Monte, deve ser licenciado pelo Ibama.

No voto do relator do caso no TRF1, o desembargador Flávio Jaime de Moraes Jardim afirmou, com base nos argumentos da autarquia federal, que é impossível aferir a sinergia do impacto entre Belo Monte e Belo Sun, e impacto direto a comunidades indígenas. O projeto da empresa canadense tenha a previsão de produzir 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos às margens do rio Xingu, o equivalente a 14 mil piscinas olímpicas de produtos tóxicos.

Há pelo menos duas nações indígenas na Volta Grande do Xingu, os Juruna e Arara, além de outros povos, que ainda não tiveram suas terras demarcadas. A aldeia São Francisco, por exemplo, pediu ao governo federal para não ter sua terra demarcada. Esse território fica ainda mais próximo do local onde a mineradora pretende ser instalada, e caso tivesse a terra demarcada, “a já frágil narrativa do Ibama e de Belo Sun ficaria ainda mais insustentável”. “O assédio a lideranças de comunidades é intenso há anos. Infelizmente, durante nossas mobilizações nós ouvimos muitas vezes, de muitas pessoas, que assim como Belo Monte era cheia de irregularidades e passou, Belo Sun vai passar. Seria simbólico se isso acontecesse novamente durante o governo do PT”, analisa a ativista.

Em nota, a Belo Sun informou que tem como dever, compromisso e regra de governança seguir e observar a legislação vigente e que vai cumprir todas as decisões judiciais. As assessorias de comunicação da Semas e do Ibama foram procuradas, mas ainda não se pronunciaram.
 

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