Educar para reparar: antirracismo, justiça digital e o papel da educomunicação 

Sou coordenador do curso Educar para Reparar: Orçamento Público e Educação Antirracista, e isso não é apenas uma função institucional — é uma tomada de posição política. Em um país onde o racismo sistêmico atravessa as escolas, os algoritmos, os orçamentos públicos e as telas dos celulares, não basta resistir. É preciso educar. E é preciso educar para transformar. 

Nosso curso é mais que uma formação técnica: é uma resposta coletiva à urgência de reprogramar o futuro com justiça racial. Composto por cinco módulos, ele será realizado de forma hibrida, a partir do dia 6 de maio, nas cidades de Porto Alegre, São Paulo, Brasília, Salvador e, por fim, em Porto Seguro (BA), onde encerraremos essa caminhada formativa com potência simbólica e política. 

A iniciativa é do Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo (GP-PNC) da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em parceria com a União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro) e apoio da SECADI/MEC [Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação]. Mas o que significa, afinal, “educar para reparar”? 

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Significa compreender que o racismo não desapareceu: ele se atualizou, se digitalizou, se travestiu de neutralidade técnica. Significa entender que o controle algorítmico, a vigilância digital e a exclusão informacional são novas faces de um velho projeto de poder. E que, se a opressão agora circula em dados, nós também precisamos disputar os dados — e as narrativas. 

É aqui que entra também a importância da educação digital. Uma educação que vá além do ensino instrumental das ferramentas. Estamos falando de uma formação que permita compreender como a tecnologia opera, quem a controla, a serviço de quem ela atua — e como ela pode ser ressignificada como instrumento de justiça social. 

Educação digital, nesse sentido, não é só aprender a usar o computador. É aprender a pensar o mundo mediado pelas tecnologias e intervir nele com consciência crítica. 

Aí está o elo com a educomunicação — campo que reconhece a comunicação como espaço formativo e educativo. Educomunicação é romper o silêncio. É transformar redes sociais em territórios de luta. É disputar sentidos, visibilizar saberes, amplificar vozes que historicamente foram apagadas. Num país onde os algoritmos reforçam estereótipos, onde o Google associa mulheres negras à hipersexualização e jovens negros à criminalidade, fazer educomunicação é fazer enfrentamento antirracista. Também por isso a oferta do curso de modo hibrido, os cursistas poderão acompanhar de modo presencial e também on-line. A distância não será um fator de limitação.  

E não é exagero: sistemas de IA [Inteligência Artificial] têm confundido corpos negros com criminosos, como no caso de Michael B. Jordan e tantos outros homens negros presos injustamente com base em sistemas de reconhecimento facial falhos. Isso não é erro técnico — é continuidade histórica. A violência se sofisticou, mas continua sendo dirigida aos mesmos corpos. Daí nossa preocupação de atingirmos o maior número de inscritos possíveis, pensamos inicialmente em mil pessoas cursando e já batemos o recorde de três mil inscritos.  

Por isso, Educar para Reparar articula o conhecimento técnico sobre orçamento público com uma pedagogia antirracista que valoriza o saber comunitário, a escuta ativa e a produção colaborativa de conhecimento. Sabemos que sem compreender como se aloca e distribui o dinheiro público, não há como incidir nas estruturas. Mas também sabemos que só o domínio técnico não basta. É preciso subjetivar, politizar e comunicar esse saber. 

No curso, cada módulo é construído com essa intencionalidade: provocar reflexão, ação e transformação. Falamos de história, de capitalismo, de estrutura do Estado, de financiamento da educação e de gestão escolar. Mas também falamos de narrativas, de experiências, de memória e de futuro. Um futuro que só será diferente se for disputado agora — nas escolas, nos movimentos, nas redes, nos coletivos. 

Se os algoritmos herdaram os preconceitos dos arquivos coloniais, como bem apontam autoras como Safiya Noble e Joy Buolamwini, então o nosso desafio é outro: ensinar a hackear essa herança. A ensinar com crítica, com memória, com afeto e com estratégia. 

Educar para reparar, nesse sentido, é educar para resistir — e para existir com dignidade. É educar para reprogramar o futuro com justiça, com voz, com código e com consciência. Acompanhe e apoie nossa caminhada através de nossa página (neste link).

*Richard Santos, também conhecido como Big Richard, é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), pioneiro da cultura Hip Hop no Brasil. Coordena o grupo de pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo (UFSB/CNPQ).

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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