Uma ação judicial protocolada nesta quinta-feira (24) no Tribunal de Columbia, no estado da Carolina do Norte, pede que a Starbucks indenize oito trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão em fazendas de Minas Gerais. A denúncia, feita pela ONG International Rights Advocates (IRAdvocates), relaciona as propriedades onde ocorreram os resgates à rede de fornecimento da multinacional americana.
As fazendas, segundo a organização, pertencem a cooperados da Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé), apontada na denúncia como uma das principais fornecedoras da Starbucks. A ONG alega que os oito trabalhadores foram traficados e submetidos a trabalhos forçados nas propriedades fornecedoras entre 2023 e 2024.
Na ação, a organização pede à Starbucks mais de USD 200 milhões (o equivalente a R$ 1,1 bilhão) em indenizações aos trabalhadores, de acordo com Terry Collingsworth, advogado e fundador do IRAdvocates.
A Starbucks e a Cooxupé foram procuradas, mas não responderam imediatamente aos questionamentos enviados pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestações futuras.
A denúncia tem como base a TVPRA (Lei de Reautorização da Proteção às Vítimas de Tráfico de Pessoas), que permite processar empresas com sede ou que atuem nos EUA por crimes ocorridos fora do país.
“A Starbucks lucra conscientemente com um sistema arraigado de tráfico e trabalho forçado nas plantações de café com as quais tem parceria no Brasil”, diz trecho da ação, acessada pela Repórter Brasil. “Violar leis e normas internacionais é uma prática padrão para a empresa em suas operações nos Estados Unidos e em todo o mundo”, complementa a organização no documento.
Na mesma corte que recebeu a ação ajuizada nesta quinta (24), a Starbucks é alvo de outro processo, movido pela organização National Consumers League, com sede em Washington, nos Estados Unidos. A ação judicial, que cita uma investigação da Repórter Brasil, afirma que a multinacional lesa os consumidores americanos ao promover uma propaganda enganosa de “aquisição 100% ética” do café e chás vendidos em suas lojas.
Adolescente relata ameaça de espancamento
Terry Collingsworth esteve por uma semana no Brasil. Com apoio da Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere), colheu os depoimentos que embasam a denúncia. “Fiquei muito impressionado com a simplicidade e a honestidade das pessoas e em perceber como os oito trabalhadores ainda pareciam chocados com o fato de um intermediador ter mentido sobre os empregos que teriam e sobre as péssimas condições nas plantações de café para onde foram levados”, disse à reportagem.
Nos relatos colhidos pela organização, os trabalhadores resgatados afirmam que sofreram ameaças e coerção, contraíram dívidas com os intermediadores e trabalharam sem equipamentos de proteção e registro em carteira. Eles também dizem terem sido alojados em condições precárias.
Um dos trabalhadores representados pela IRAdvocates, que tinha 16 anos quando foi resgatado de condições análogas à escravidão, relata na ação que o intermediador de sua contratação era agressivo e “o ameaçou de espancamento se ele não seguisse as ordens”, conforme consta no documento produzido pela ONG. “Os outros trabalhadores que já estavam na plantação avisaram que o ‘gato’ havia espancado os outros”, cita outro trecho da denúncia.
O adolescente foi resgatado nos sítios Córrego do Jacu e Paquera, em Juruaia (MG). Os dois sítios, de propriedade do cafeicultor Marcos Florio de Souza, foram inspecionados no dia 17 de junho de 2024. À época do flagrante, a Repórter Brasil mostrou que o produtor era cooperado da Cooxupé, informação confirmada pela cooperativa. Além do adolescente, foram resgatados outros cinco trabalhadores. O produtor foi incluído na mais recente atualização da Lista Suja do trabalho escravo, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em 9 de abril.
A Repórter Brasil tentou contato com Marcos de Souza, por meio de sua advogada, mas não houve um posicionamento até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações futuras.
Bloqueio das importações de café
Também nesta quinta (24), a organização Coffee Watch fez uma denúncia na Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês) pedindo a suspensão de todas as importações de café com origem no Brasil realizadas pelas multinacionais Starbucks, Nestlé, Jacobs Douwe Egberts (JDE), Dunkin’, Illy e McDonald’s.
A denúncia lista quatro resgates de trabalhadores ocorridos entre 2023 e 2024 em fazendas de Minas Gerais que, de acordo com a ONG, fazem parte da cadeia de fornecedores das multinacionais.
As duas ONGs protocolaram suas denúncias no mesmo dia. “Nós queremos pressionar a Starbucks a respeitar as leis, o seu próprio Código de Conduta e a parar de lucrar com o tráfico e o trabalho forçado de trabalhadores do café no Brasil”, explica Collingsworth.