Filipe Catto vive apoteose ao estrear no Rio o eletrizante tributo a Gal Costa


Cantora vive momento de merecida aclamação com ‘Belezas são coisas acesas por dentro’, show de energia roqueira que lotou a pista do clube Manouche no fim de semana. Resenha de show
Título: Belezas são coisas acesas por dentro
Artista: Filipe Catto
Local: Manouche (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 27 de janeiro de 2024
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♪ Enquanto apronta álbum autoral, Filipe Catto segue em cena com o show Belezas são coisas acesas por dentro (2023), estreado em São Paulo (SP) em maio do ano passado.
No fim de semana, esse tributo da cantora gaúcha à antecessora baiana Gal Costa (26 de setembro 1945 – 9 de novembro de 2022) chegou à cidade do Rio de Janeiro (RJ) no rastro da merecida aclamação do álbum gravado em estúdio, lançado em setembro e incluído em dezembro em todas as listas de melhores discos de 2024.
Foram duas apresentações que eletrizaram o público que lotou a pista do Manouche – charmoso clube com ar de cabaré – na sexta-feira e no sábado, 26 e 27 de janeiro.
Confortável na pele de cantora trans, Filipe Catto vive momento apoteótico neste primeiro trabalho inteiramente fora da esfera autoral. A apoteose ficou ainda mais evidente na estreia carioca do show, com o público de pé, energizado pela vibe roqueira e visceral do tributo.
Em cena com o power trio formado por Fábio Pinczowski (guitarra e direção musical) Gabriel Mayall (baixo) e Michelle Abu (bateria), a cantora foi além do disco em apresentação que mobilizou o público do primeiro número – Lágrimas negras (Jorge Mautner e Nelson Jacobina, 1974), feito em atmosfera minimalista – à última música do bis, Divino maravilhoso (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1968).
Com a voz tinindo, Catto cantou Gal com energia roqueira que evocou a fase em que a baiana tropicalista manteve hasteada no Brasil a bandeira da contracultura enquanto Caetano Veloso e Gilberto Gil amargavam exílio na Europa.
Ao reacender 19 belezas do repertório de Gal, sem medo de transitar até por uma canção de romantismo kitsch como Chuva de prata (Ed Wilson e Ronaldo Bastos, 1984), Catto jamais caiu na tentação de imitar Gal e tampouco de desfigurar o repertório da colega.
Os arranjos roqueiros deram frescor ao cancioneiro apresentado na voz cristalina daa referencial cantora, mas houve o cuidado de preservar melodias e letras – pecado cometido por tributos similares que se pretendem vanguardistas, mas são tão somente modernosos.
Em suma, Belezas são coisas acesas por dentro resultou em show de potente indie rock. Essa potência foi amplificada ao máximo em Vaca profana (Caetano Veloso, 1984), mas, de certa forma, também estava no canto menos afogueado do samba-canção Só louco (Dorival Caymmi, 1957), da balada bluesy Sua estupidez (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969) e de canções como a apaixonada Não identificado (Caetano Veloso, 1969), a introspectiva Recanto escuro (Caetano Veloso, 2011) e a resiliente Jabitacá (Junio Barreto, Bactéria e Lira, 2015).
Canção de beleza poética e melódica, Jabitacá foi grande e menos óbvia escolha que exemplificou o vigor da discografia de Gal nos anos 2010, também exposto pela lembrança do rock Sem medo nem esperança (Arthur Nogueira e Antonio Cicero, 2015).
Ficou claro que Filipe Catto era amor da cabeça aos pés quando ela se jogou no público em Dê um rolê (Moraes Moreira e Luiz Galvão, 1971) e que, antes, a cantora sentira a lancinante dor da indiferença e do ciúme que corrói o eu-lírico da balada Nada mais (Lately, Stevie Wonder, 1980, em versão em português de Ronaldo Bastos, 1984).
Nunca mais haverá uma cantora como Gal Costa. Mas, felizmente, há cantoras como Filipe Catto que, do modo particular delas, chegam apoteóticas nas emoções de repertório que atravessará gerações como a voz da cantora que lançou essas músicas e que, mesmo ausente, continua intensamente presente na música e na cultura do Brasil.
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