Como presidente do México alcançou popularidade sem precedentes

Claudia Sheinbaum atingiu 85% de aprovação após seis meses na presidência do México. Como ela conseguirá manter sua popularidade? O popular presidente de El Salvador, Nayib Bukele, perguntou na semana passada à ferramenta de Inteligência Artificial Grok, da plataforma X (antigo Twitter), quem é o presidente mais popular do mundo.
E, para surpresa do mandatário salvadorenho, a resposta da IA foi “Sheinbaum”.
Como costuma acontecer nas redes sociais, a pergunta logo se tornou uma disputa de versões na seção de comentários. As pessoas passaram a discutir sobre as diferentes formas de avaliar a popularidade de um presidente – o que, é claro, não é uma ciência exata.
Mas, deixando o episódio de Bukele à parte, o índice de aprovação da presidente mexicana Claudia Sheinbaum – calculado em cerca de 85% – é admirável.
“É um número difícil de explicar”, afirma o renomado pesquisador mexicano Francisco Abundis, “porque ela, partindo de um número muito favorável, não parou de subir.”
“Isso é incomum, não só nas nossas medições [da empresa de pesquisas Parametría], mas em todas as amostras sérias dos colegas”, destaca ele.
Todas as pesquisas, segundo Abundis, relatam que pouco mais de oito em cada 10 mexicanos aprovam o desempenho de Sheinbaum, que completou seis meses na presidência do país na última terça-feira (1/4).
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São números inéditos no México nos últimos 30 anos. E também um caso raro na América Latina e no mundo, ainda mais nos tempos atuais de polarização e desconfiança frente às instituições.
O que explica esta lua de mel entre a primeira mulher presidente da história do México e seu eleitorado? E o que poderá vir a interrompê-la?
Sucessora mais popular do que seu líder
Sheinbaum sucedeu o ex-presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO), em um movimento progressista, popular e nacionalista, que promete realizar profundas mudanças no México.
Mesmo com o aumento dos homicídios e desaparecimentos, além da continuidade da corrupção, AMLO conseguiu uma representação política inédita no México nos últimos 30 anos. Isso se deveu ao seu carisma, sua figura de pai defensor do povo e a uma longa lista de políticas que, entre outros resultados, reduziram a pobreza em quase 10 pontos.
Além disso, a oposição mexicana não conseguiu se realinhar frente ao fenômeno López Obrador. Pelo contrário, ela manteve seu discurso sobre as formas e garantias democráticas, que estariam supostamente ameaçadas.
Mas, para a maioria dos mexicanos, este parecia um ponto secundário, frente aos aumentos do salário mínimo e à geração de empregos com as construções de obras públicas.
Por tudo isso, Sheinbaum já chegou ao poder com imensa aprovação.
Com 62 anos de idade, a mandatária tem perfil tecnocrático. Ela alia sua experiência como cientista, professora e feminista com uma curta carreira na política, que a levou à prefeitura da Cidade do México durante a presidência de AMLO, entre 2018 e 2024.
Sheinbaum venceu as eleições do ano passado com mais de 30 pontos percentuais de diferença sobre sua adversária. E seu partido Morena conseguiu maioria absoluta e histórica no Congresso mexicano.
“Ela ganhou com vantagem muito alta”, destaca Abundis. “Isso lhe deu uma legitimidade que aumentou sua aprovação, com o chamado fenômeno rally around the winner” (“todos fechados com o vencedor”, em inglês).
Sheinbaum assumiu a presidência no dia 1º de outubro do ano passado, com 73% de apoio – dois pontos percentuais acima de AMLO no final do seu mandato. E, desde então, a aprovação da presidente subiu mais 10 pontos.
O fator Trump
Duas variáveis explicam este aumento, segundo o pesquisador.
Por um lado, Sheinbaum demonstrou que tem uma agenda própria que a diferencia de AMLO: um método rigoroso e equânime que, ao lado do seu temperamento ponderado e calculista, transmite a noção de alguém que tem responsabilidade e mantém tudo sob controle.
“Ela já era conhecida, mas as pessoas [agora] estão começando a conhecê-la a fundo e observando que ela tem um caráter independente e responsável”, explica Abundis.
Paralelamente, nos últimos seis meses, os Estados Unidos – o sócio e vizinho mais importante do México – elegeram para a presidência alguém com um perfil diametralmente oposto ao de Sheinbaum: o imprevisível, agressivo e antifeminista Donald Trump.
Para Abundis, “isso gerou outro fenômeno ocorrido em outros países enfrentados por Trump: todos fechados em torno da bandeira” (rally around the flag, no jargão político em inglês).
Ou seja, frente às ameaças de Trump, mais nacionalismo e apoio à presidente.
Sheinbaum também conseguiu evitar os ataques de Trump, com concessões oferecidas sem sinais de submissão e medidas que, aparentemente, trazem dividendos a ela junto ao seu público interno.
Em termos de segurança, por exemplo, a presidente mexicana atendeu ao pedido de Trump de redobrar a luta contra o tráfico de fentanil, com uma política de mão forte contra o crime. E os números oficiais indicam que suas medidas reduziram os homicídios em até 20%.
O que vem por aí
A lua de mel na política nunca é eterna. E Claudia Sheinbaum abriu frentes de todos os tipos – a começar por Trump, que irá insistir com as tarifas sobre as importações americanas provenientes do México.
E, se os Estados Unidos realmente entrarem em recessão, o mais provável é que o mesmo ocorra com o México, que vem em curva decrescente.
Em seguida, vem o tema da insegurança. No México, ela continua sendo crônica e voltou recentemente às manchetes, com a descoberta de um centro de recrutamento do Cartel de Jalisco na cidade de Teuchitlán.
A notícia trouxe a recordação de um número doloroso. No México, existem 120 mil pessoas desaparecidas e o Estado não consegue fazer muito para encontrá-las.
Acrescente-se ainda outro cenário difícil de ignorar: as divisões, ataques e escândalos dentro do movimento governista do partido Morena. Nos últimos dias, eles voltaram a ser notícia com o caso do ex-governador e ex-jogador de futebol Cuauhtémoc Blanco. Ele foi acusado de assédio sexual e corrupção, mas conta com o apoio do partido.
Sheinbaum é a chefe do partido Morena. Mas ela tem ao seu lado grandes caciques do poder, como o exército mexicano. E eles parecem ter agenda própria e, às vezes, contrária à da presidente.
Surge aqui a pergunta de sempre: qual a importância da sombra de AMLO?
Um dos seus filhos é secretário do partido. E o ex-presidente pode ser um fator implícito para desestabilizar a popularidade ou o caráter independente de Sheinbaum, até o último dia do seu mandato.
“Acredito que a economia, se os programas sociais forem afetados, e AMLO, se ela continuar defendendo o ex-presidente sem se distanciar dele, são os dois fatores que podem causar mais prejuízo a esse apoio”, indica Abundis. Mas ele acredita que a presidente tem margem para isso.
“Sua figura parece estar acima do próprio partido, da sua própria política pública, pois há um efeito além do resultado do bom governo, que tem a ver com ela e sua marca. Acredito que, se ela conseguir manter isso, irá preservar sua aprovação.”
Ou seja, Claudia Sheinbaum teria margem suficiente para ainda se manter entre os presidentes mais populares do mundo.
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