Condomínios nos Jardins: “Conselho atua para o mercado”, diz morador

São Paulo – A decisão do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) de São Paulo de alterar as regras de tombamento dos Jardins, conjunto de quatro bairros nobres na zona oeste da capital paulista, é vista como um “ataque” à região pelo presidente da associação de moradores do local, Fernando Sampaio.

À frente da Ame Jardins, principal entidade representativa dos habitantes do local, e morador da região há 40 anos, Fernando afirma que o Condephaat foi “cooptado” e autorizou a mudança nas regras para atender aos interesses do mercado imobiliário.

“Os técnicos, os especialistas em arquitetura e urbanismo estão perdendo espaço dentro do conselho. O Condephaat foi cooptado. É evidente que o conselho está trabalhando para o mercado. Não está trabalhando para o patrimônio histórico e muito menos para os moradores”, diz ele, em entrevista ao Metrópoles.

Entre as mudanças criticadas pelo presidente da associação está a liberação para que os lotes possam ser ocupados por mais de uma família, o que permite a construção de condomínios nos terrenos onde hoje estão localizadas as mansões dos Jardins América, Europa, Paulista e Paulistano.

“Você traz mais lixo, mais trânsito, mais barulho, mais permeabilização do solo”, afirma.

A posição contrária à atualização não é regra entre todos os vizinhos dos bairros. Enquanto alguns se somam ao presidente da Ame Jardins, outros defendem as mudanças com o argumento de que a região tem mansões vazias que não conseguem ser vendidas.

Fernando rebate a justificativa. “Temos 20 terrenos [vazios] no meio de 5 mil. Não representa 3%”. Para ele, a revisão do tombamento abre caminho para acabar com as zonas estritamente residenciais dos Jardins e também com a área verde.

“Eles estão causando um estrago no meio ambiente da cidade de São Paulo”, afirma ele, sobre a autorização para mais construções no local.

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Vista aérea dos Jardins, na zona oeste de São Paulo

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Vista panorâmica dos Jardins, a partir do Itaim Bibi, na zona oeste de São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

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Vista aérea dos Jardins, na zona oeste de São Paulo

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Discussão antiga

Votada e aprovada nesta segunda-feira (16/12), a atualização das regras sobre o tombamento dos quatro bairros — protegidos pela legislação desde 1986 e sede de alguns dos endereços mais caros da cidade — é discutida por um grupo de trabalho do Condephaat há dois anos.

Além da liberação para a construção dos chamados lotes multifamiliares, que liberam os condomínios nos terrenos, o novo conjunto de regras também traz detalhes sobre outros pontos, como o rebaixamento do solo nos lotes e o replantio de árvores após remoções.

No caso do rebaixamento, por exemplo, a decisão limita a criação de subsolos a 1,5 m. Na prática, segundo a vice-presidente do conselho, Mariana Rolim, a mudança veta a construção de estacionamentos subterrâneos profundos, que necessitarão de análises e liberações mais complexas para serem viabilizados.

A arquiteta diz que o caso é uma amostra de que o conselho não está se curvando aos interesses do mercado imobiliário, ao contrário do que afirma o presidente da Ame Jardins.

“Você acha que quem quer fazer um condomínio vai gostar de não poder fazer subsolo? Não. Essa afirmação de que a gente está atendendo a necessidade do mercado imobiliário, quando você olha todas as alterações que a gente está fazendo, não tem sentido”, rebate Mariana.

A vice-presidente defende que a atualização feita pelo conselho permitiu deixar os regramentos “mais transparentes” ao unificar diretrizes sobre o tombamento que estavam espalhadas em três resoluções diferentes, e nega que tenha faltado diálogo na discussão das medidas.

“A gente teve duas audiências públicas, muitas pessoas mandaram sugestões. Isso não vai ferir os valores efetivamente do tombamento”, afirma.

Para ela, detalhes como o veto à construção de ruas dentro dos terrenos, mantidos pela revisão, são alguns dos pontos que ajudarão a preservar as características do modelo urbanístico existente no bairro atualmente — a criação de ruas nos lotes poderia enquadrá-los como vilas.

Segundo a vice-presidente do conselho, além de unificar as diretrizes, a mudança na resolução também vai ao encontro de legislações que colocam a Prefeitura de São Paulo como a responsável sobre o uso e a ocupação do solo nas cidades.

“Desde a Constituição de 88 e depois em outras legislações, se consolidou que o ente federativo que é responsável pela definição de uso de solo é a prefeitura. E justamente por isso, você não pode ter no instrumento do tombamento uma restrição a esse uso. Não cabe o Condephaat se manifestar se pode ou não tal tipo de uso”, afirma Mariana.

“O que a gente tem que fazer é avaliar se aquele determinado projeto respeita os valores do tombamento. Não cabe ao Condephaat se manifestar sobre se tem uma, duas ou três famílias morando ali dentro”, completa.

A revisão do tombamento ainda precisa ser homologada pela Secretaria Estadual da Cultura. Em nota ao Metrópoles, a pasta afirma que as mudanças terão efeito imediato após a publicação no Diário Oficial.

Nesta segunda-feira, a Ame Jardins anunciou que pretende acionar a Justiça contra a decisão do conselho. 

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