Entenda o livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley

Entenda o livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous HuxleyLaís Franklin

O ano seria 2540 d.C. se fôssemos contar o tempo pelo calendário cristão. Mas, no livro, se fala de 632 d.F., ou seja, depois de Ford, pois um novo período na história humana teria sido inaugurado com Henry Ford, o criador das linhas de montagem e precursor da moderna sociedade de consumo.

É nessa época — em que não há fome, desemprego, pobreza, guerras, doenças e os indivíduos convivem em suposta harmonia em um mundo asséptico — que se situa Admirável Mundo Novo (1932), romance do autor inglês Aldous Huxley (1894-1963). Mas não se trata de uma utopia. A sociedade imaginada por Huxley é o oposto disso, ou seja, uma distopia — na qual, ao contrário da ilha onde reinam a justiça social, política e econômica e a liberdade de pensamento, concebida por Thomas Morus no século 14, se vive um ambiente de pesadelo e os mecanismos criados para o “bem-estar” dos seres humanos são os mesmos que os aprisionam.

Castas, alienação e sátira literária

Nessa sociedade não existem mais nascimentos. Os seres humanos são produzidos em incubadoras e, desde o estado embrionário, são condicionados física e mentalmente para ter uma profissão e ocupar determinada posição social. Existem cinco castas. A mais alta é a dos alfas, que ocupam os cargos de comando, e a mais baixa, a dos ipsílons, destinados aos trabalhos mais insalubres.

Homens e mulheres não se casam nem desenvolvem relacionamentos duradouros baseados em afeto mútuo. A troca constante de parceiros é um hábito, e a prática sexual é livre. Livros, arte e ócio são dispensáveis e socialmente condenados. Todos vivem sobre o imperativo da felicidade, e se por acaso algum dos habitantes do Admirável Mundo Novo não conseguir atingir esse estado de satisfação, pode recorrer livremente ao soma, droga alucinógena que traz contentamento imediato.

A sátira de Huxley, mais que uma profecia sobre um futuro distante, é um retrato da sua época. A lógica fordiana que implantara na prática capitalista o modelo da alienação da produção industrial dera a largada para a formação de uma nova ordem na economia mundial. Huxley foi um dos primeiros a prever as consequências que poderiam advir de uma conjugação entre tecnologia, sistemas automatizados de produção e os regimes totalitários que surgiram no século 20.

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Ficção e realidade

Admirável Mundo Novo traz alusões a alguns pensadores que teriam inspirado essa nova ordem, como os antropólogos Stanislaw Malinovski, Margaret Mead e os psicólogos Ivan Pavlov e J. B. Watson. Este último, a despeito das correntes psicanalíticas que estudavam o comportamento a partir dos complexos interiores, defendia a tese de que o ser humano é uma máquina biológica que responde a estímulos.

Watson chegou a realizar experimentos em crianças nos anos 1920, usando eletrochoques para condicionar respostas de comportamento, tal como aparece na ficção de Huxley. Em um ensaio redigido 14 anos depois do lançamento do livro, em 1946, o autor constatou: “Hoje parece perfeitamente possível que o horror de Admirável Mundo Novo esteja entre nós dentro de um século”. O inglês falava um ano depois do desastre atômico de Hiroshima, quando a Guerra Fria já se instalava no cenário mundial.

Sobre o autor

Nascido em uma abastada família inglesa, dedicou-se, além da literatura, à antropologia, à filosofia e aos estudos sobre a expansão da consciência por meio da ingestão de alucinógenos. Foi posteriormente associado à contracultura dos anos 1960 e 1970, devido a sua crítica ao consumismo, a seu espírito levemente anarquista e a seu interesse pelo Oriente e por experiências místicas.

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*Esta matéria faz parte do especial 100 livros essenciais da literatura mundial e foi originalmente publicada em 2009

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