Abelhas africanizadas disputam espaço com a ameaçada ararinha-azul em cavidades de árvores na Bahia


Monitoramento do Cemafauna tem removido enxames e incentivado comunidade local a criar espécies nativas sem ferrão. Ararinha-azul no criadouro da espécie em Curaça, na Bahia.
AP Photo/Andre Penner
Ararinha-azul no criadouro da espécie em Curaça, na Bahia.
AP Photo/Andre Penner
No coração da Caatinga, uma batalha silenciosa acontece nas cavidades das árvores. As abelhas africanizadas, conhecidas por sua capacidade de se adaptar rapidamente a diferentes ambientes, estão competindo por espaços vitais com aves ameaçadas, como a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).
Desde 2021, o Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna), vinculado à Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) de Petrolina (PE), e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), têm se dedicado a um projeto que monitora essa complexa interação.
Pesquisadores perceberam que abelhas africanizadas, que não são endêmicas do Brasil, estavam competindo por cavidades em árvores com aves da família dos psitacídeos
Aline Andrade/Cemafauna
Aline Andrade, ecóloga e pesquisadora do Cemafauna, explica que o projeto surgiu para atender a lacunas informacionais sobre os polinizadores em dois ecossistemas cruciais: a Unidade de Conservação da Ararinha-Azul e o Parque Nacional do Boqueirão da Onça, ambos localizados no bioma da Caatinga baiana.
A pesquisa busca, primeiramente, identificar as espécies de abelhas presentes, destacando as endêmicas e aquelas em risco de extinção.
As abelhas do gênero Centris apresentam a peculiaridade de usarem óleos florais na alimentação das crias e construção dos ninhos, por isso são chamadas de abelhas coletoras de óleo
Aline Andrade/Cemafauna
Durante nossas pesquisas, registramos espécies endêmicas importantes, como a Melipona mandacaia, uma abelha nativa do Sertão, além de outras espécies solitárias, como a Centris sp, conhecida como abelha coletora de óleo, e a Frieseomelitta doederleini, chamada de ‘moça branca’. Quando detectamos essas espécies, é urgente trabalhar em estratégias de conservação tanto para elas quanto para os vegetais que elas visitam, pois são polinizadores efetivos
Além disso, o estudo também avalia como essas espécies variam ao longo das estações seca e chuvosa.
“As variações sazonais na Caatinga são bem marcadas. Observamos alta abundância de abelhas no período chuvoso e uma redução significativa no período seco. Algumas espécies, como as abelhas do grupo Euglossini, conhecidas como abelhas das orquídeas, aparecem apenas após as chuvas”, explica.
Pesquisa busca, primeiramente, identificar as espécies de abelhas presentes, destacando as endêmicas, como é o caso da Melipona mandacaia, e aquelas em risco de extinção
Aline Andrade/Cemafauna
Durante os trabalhos de campo, os pesquisadores perceberam que abelhas africanizadas, que não são endêmicas do Brasil, estavam competindo por cavidades em árvores com aves da família dos psitacídeos, como papagaios, maracanãs e a própria ararinha-azul.
“As abelhas africanizadas estão reduzindo a disponibilidade de ocos, o que impacta diretamente na reprodução das aves. Essas cavidades são essenciais para as aves, incluindo a ararinha-azul, que depende de locais seguros para nidificação”, afirma Aline.
Para mitigar esse problema, o Cemafauna não só realiza a remoção dos enxames de abelhas, mas também posiciona caixas iscas para atraí-las para locais menos críticos. Essa abordagem não apenas preserva as aves ameaçadas, mas também visa manter a biodiversidade da região.
Cemafauna não só realiza a remoção dos enxames de abelhas, mas também posiciona caixas iscas para atraí-las para locais menos críticos
Aline Andrade/Cemafauna
Apoio da comunidade local
As ações do Cemafauna vão além do monitoramento, elas incluem a sensibilização das comunidades locais. Oficinas de alfabetização ecológica têm sido realizadas para discutir a importância das abelhas e os impactos das mudanças climáticas na biodiversidade.
“Estamos incentivando a criação de abelhas nativas sem ferrão, fortalecendo a bioeconomia local e desencorajando a apicultura com abelhas africanizadas dentro das unidades de conservação”, destaca Patrícia Nicola, coordenadora do Cemafauna.
Ações do Cemafauna vão além do monitoramento e incluem a sensibilização das comunidades locais
Aline Andrade/Cemafauna
Esse projeto não apenas contribui para a conservação da ararinha-azul, mas também ressalta a importância dos polinizadores para a manutenção dos ecossistemas.
Com as abelhas desempenhando um papel crucial na polinização, a conservação delas é essencial para a sobrevivência das plantas que, por sua vez, sustentam a vida das aves e de outros animais da região.
À medida que o projeto avança, o Cemafauna planeja intensificar o manejo das abelhas e capacitar as comunidades para garantir um futuro mais seguro para as aves ameaçadas.
Projeto não apenas contribui para a conservação da ararinha-azul, mas também ressalta a importância dos polinizadores para a manutenção dos ecossistemas
Aline Andrade/Cemafauna
“Estamos começando as oficinas de capacitação em novembro e esperamos montar núcleos de meliponicultores, focando na conservação das abelhas nativas”, conclui Aline.
O trabalho contínuo do Cemafauna e do ICMBio evidencia a necessidade de integração entre conservação, ciência e comunidade. Em um mundo em que as espécies ameaçadas enfrentam pressões crescentes, iniciativas como essa são fundamentais para preservar a biodiversidade e garantir que tanto as abelhas quanto as aves possam coexistir em harmonia.
Cemafauna incentiva a criação de abelhas nativas sem ferrão e atua desencorajando a apicultura com abelhas africanizadas dentro das unidades de conservação
Aline Andrade/Cemafauna
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