A claustrofobia da guerra

Sei que é difícil para os brasileiros compreenderem a sensação de claustrofobia que muitos israelenses sentem neste momento. Afinal, o Brasil é um país de dimensões continentais, bem ao contrário de Israel, cujo território é menor do que Sergipe, o menor dos Estados tupiniquins.

Isso se dá hoje por três motivos: a imprevisibilidade das decisões de companhias aéreas internacionais em relação aos voos que ligam Israel ao resto do mundo, a restrição vivida hoje em relação a viagens ao norte de Israel, atingido diariamente por ataques do Hezbollah, e a destruição das comunidades do Sul, atacadas brutalmente no dia 7 de outubro. Falemos sobre elas, uma a uma.

A epopeia das viagens internacionais

Desde o dia 7 de outubro de 2023, as companhias aéreas internacionais – e também, por vezes, as nacionais – transformaram as viagens em verdadeiras epopeias. Todas as empresas, sem exceção, não apenas cancelaram ou modificaram no último momento suas decolagens, como também suspenderam suas rotas por tempo ilimitado. Isso sem contar com o terrível aumento no valor das passagens aéreas e no cancelamento, quase intermitente, de companhias low cost, como Ryan Air e Wizz Air. Se antes era temerário contar com elas, hoje tornou-se impossível, devido às muitas restrições impostas em relação ao estorno financeiro em caso de cancelamento de voos.

Avião da Ryan Air no aeroporto de Eilat: as companhias low cost não atuam no país de forma consistente há mais de um anoFoto: Miriam Sanger

Essa situação faz com que a única linha aérea confiável seja, no momento, a El Al, companhia israelense que mantém seus voos em quase qualquer circunstância. Como é natural em um mercado com alta demanda e pouca oferta, os valores de suas passagens tornaram-se estratosféricos. Viagens baratas para a Europa ou para o Chipre, por exemplo, que permitiram que pelo menos 1 milhão de israelenses estivesse nos ares todos os dias nos últimos anos, deixaram de existir.

Cancelamentos causam caos no Aeoporto Ben Gurion, em Tel AvivAvshalom Sassoni/Flash90

Presos no centro do país

O sul de Israel é o celeiro do país e ali se localizam dezenas de comunidades agrícolas – os kibbutzim –, além do Mar Morto e o deserto do Neguev, que sempre foram destinos turísticos buscados pelo israelense. Depois do ataque de 7 de outubro, muitas localidades estiveram evacuadas até pouco tempo atrás. Já o acesso ao Mar Morto e ao deserto do Neguev é feito por estradas que passam por muitos vilarejos beduínos, e o medo de atentados terroristas faz com os viajantes os evitem.

Já o norte de Israel, atraente em função de sua natureza exuberante e montanhosa, repleta de hoteis e pousadas, teve sua população evacuada há mais de um ano e sofre ataques diários do Hezbollah, que cravaram suas unhas no sul do Líbano. Grandes cidades da região, a exemplo de Metula e Kiriat Shimona, continuam sendo destruídas por mísseis e estão com sua economia completamente paralisada – restaurantes, bares, mercados, tudo está fechado ao público. Este período do ano, com vários feriados judaicos intercalando-se, é o preferido pelos turistas locais para viagens familiares, inclusive porque praticamente não há aulas. E chegamos ao segundo mês de outubro em que essa opção não é possível.

A reduzida dimensão de Israel já causa, para muitos (como eu!), uma certa sensação de claustrofobia. Hoje, ela está ampliada de uma forma quase insuportável. De novo, talvez seja difícil para um brasileiro compreender o alto impacto que esse fato tem sobre nossa saúde emocional: é como se recebêssemos mais um castigo por vivermos nessa vizinhança (lembrando que, entre nossos vizinhos, somente a Jordânia e o Egito estão abertos aos israelenses – mesmo assim, temos que ser cautelosos em tempos normais e evitá-los em momentos como o atual). 

Além disso, os destinos europeus também tornaram-se temerários para judeus, em especial Londres e Paris, ambos adorados pelos israelenses e tomados por fundamentalistas muçulmanos. As violentas manifestações contra Israel e a sombra causada pelo temor de atentados terroristas nos afastam de lá. Há também uma certa sensação de repulsa: minha filha, que esteve na Itália no mês de junho, foi maltratada em um restaurante ao se identificar como israelense. Ouvimos o tempo todo histórias semelhantes em locais nos quais, antes, circulávamos livremente. Até mesmo as comunidades judaicas locais em cidades como Madrid, São Francisco ou Bruxelas permanecem em alerta permanente.

Claro que temos outros mecanismos de fuga. Amantes da natureza, os israelenses contam com dezenas de parques nacionais que estão quase sempre lotados. Em todos os bairros há várias opções de parques, e as praias – menos frequentadas agora em função do fim do verão – são sempre ótimas opções. Além disso, o israelense sabe, como poucos, utilizar os espaços públicos, e é até engraçado observar as famílias organizarem refeições completas – com mesas e cadeiras – nos calçadões em frente à praia. 

Ainda assim, estamos com muita saudade de nos sentirmos livres em nosso próprio país, como dizemos em nosso hino nacional.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.