Caçadoras de asteroides: Jovens de SC fazem descobertas inéditas com apoio da NASA

Quando olhamos para o céu, vemos milhares de pontinhos que brilham. Mas o que nossos olhos são capazes de ver é pouco diante da imensidão do Universo. Desde as menores estrelas até os mais gigantes planetas, ainda há muito a ser explorado fora dos limites da Terra. Em Santa Catarina, um grupo de jovens garotas se dedica a detectar e descobrir asteroides que ainda não são conhecidos pela ciência.

Os asteroides são corpos celestes rochosos que realizam órbita em torno do Sol - MCTI/Reprodução/ND

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Os asteroides são corpos celestes rochosos que realizam órbita em torno do Sol – MCTI/Reprodução/ND

O software Astrometrica é utilizado na descoberta de novos asteroides - MCTI/Reprodução/ND

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O software Astrometrica é utilizado na descoberta de novos asteroides – MCTI/Reprodução/ND

Elas são participantes do programa Caça Asteroides, um iniciativa da Nasa que visa incentivar pessoas de qualquer idade ao redor de todo o mundo a fazerem parte do processo de prática científica.

Programa Caça Asteroides

Localizado em uma ilha no Havaí, no Oceano Pacífico, um telescópio captura imagens do espaço. As imagens são então enviadas à Nasa, que as disponibiliza para estudantes e cientistas ao redor de todo o mundo.

O objetivo é permitir que as pessoas possam analisar as imagens e detectar possíveis asteroides. As análises são feitas pelo software Astrometrica, também disponibilizado pela própria Nasa.

Ao notar a presença de algum objeto em movimento nas imagens, as pessoas podem fazer uma análise para identificar se a movimentação corresponde ao padrão de um asteroide. Então são feitos relatórios, que são enviados à Universidade de Harvard para a confirmação da descoberta.

O telescópio responsável por registrar as imagens para o programa Caça Asteroides fica localizado no Havaí - Foto: University of Hawai'i/Reprodução/ND

O telescópio responsável por registrar as imagens para o programa Caça Asteroides fica localizado no Havaí – Foto: University of Hawai’i/Reprodução/ND

Essa atividade, que demanda uma grande capacidade de observação e um bom conhecimento em matemática, parece que só pode ser feita por cientistas muito experientes. Mas só parece.

Meninas na Ciência

A professora do Departamento de Física da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Gabriela Kaiana Ferreira, de fato possui ampla experiência do campo da ciência. Mas ela não participa das descobertas: ela orienta e incentiva jovens garotas a participarem do programa.

Gabriela Kaiana é criadora e orientadora do projeto de extensão Meninas na Ciência, realizado na UFSC. “O projeto foi criado com o objetivo de incentivar as meninas e mulheres das escolas a se interessarem por ciências”, conta.

Através do projeto, ela monta equipes de meninas que, em conjunto, fazem a caça de novos asteroides. O objetivo, segundo a professora, é de permitir que as jovens desenvolvam e evoluam a capacidade de fazer observações científicas.

“Eu falo muito sobre o papel da observação. Porque, muitas vezes, a gente acha que a gente olha objetivamente para o conteúdo, quando, na verdade, muitas vezes não fazemos observações diretas. Na ciência, a maior parte é indireta. É como em um raio-X: não estamos olhando diretamente para o osso, mas o observamos através de radiação”, explica.

A analogia descreve o trabalho feito na caça: as meninas não ficam, o tempo todo, observando o céu. Elas recebem imagens de telescópio do espaço e, através de observações indiretas e muitos cálculos, buscam novos asteroides. Um trabalho que exige imensa dedicação, mas que, no fim, rende frutos para além da própria descoberta.

As imagens que chegam para as alunas são analisadas através do software Astrometrica. O trabalho delas é, através de observações e cálculos, procurar os 'pontinhos' que se movimentam em padrão de asteroide - Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

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As imagens que chegam para as alunas são analisadas através do software Astrometrica. O trabalho delas é, através de observações e cálculos, procurar os ‘pontinhos’ que se movimentam em padrão de asteroide – Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

O papel da observação é fundamental e exige muita paciência e persistência, segundo a professora Gabriela Kaiana - Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

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O papel da observação é fundamental e exige muita paciência e persistência, segundo a professora Gabriela Kaiana – Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

 

“Meu papel é mostrar que elas são capazes”

Diversas foram as garotas que passaram pelo Meninas na Ciência e que foram impactadas pelo trabalho de Gabriela Kaiana, uma delas é Gabriela Gauche. Nascida em Blumenau, Gauche é professora de física na Escola Social Marista da comunidade do Monte Serrat, em Florianópolis. Em 2024, ela liderou uma equipe de cinco caçadoras asteroides, com três delas sendo alunas da escola social. No trabalho, foram detectados quatro asteroides.

“No início, descobrir asteroides parecia muito irreal para elas. Conforme foi passando o processo, elas viram que, nas imagens, tinham objetos parecidos com asteroides. Aí ficaram animadas, deu para ver o brilho nos olhos delas”, conta a professora.

Ela reconhece que o ambiente científico – incluindo o da física – é, ainda, dominado pela presença masculina. A experiência de liderar um grupo de meninas permitiu a vivência em um ambiente para as meninas fazerem ciência. “Isso fortaleceu o próprio grupo de meninas da escola”, conta.

Gabriela Gauche rememora que, no Ensino Médio, teve professores de física que a fizeram se interessar pelas ciências e a incentivaram a estudar para entrar em uma Universidade Federal. “Foi assim que consegui chegar nessa profissão que é tão bonita. E isso me inspira muito porque é o que mudou minha vida. Esse papel do professor, para mim, é muito importante. É o que tento replicar hoje”.

As alunas Kyara, Maria Heloise, Valeska e professora Gabriela Gauche receberam certificado da Nasa após participação na caça de asteroides – Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

 

Kyara, Maria Heloise e Valeska, alunas do Marista Social, e a professora Gabriela Gauche receberam certificado da Nasa após participação na caça de asteroides – Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/NDLiderar meninas de uma escola social localizada em uma comunidade é um desafio que ela vem aprendendo a lidar.

“É muito importante a motivação das alunas porque, principalmente em um contexto de vulnerabilidade, a autoestima delas pode ser baixa. O meu papel é mostrar que elas são capazes”.

A professora conta que, após as detecções dos asteroides, as jovens fizeram apresentações na escola e se tornaram fonte de inspiração para outros colegas. “Até os meninos acharam legal e se interessaram, perguntaram como participar”, lembra, com orgulho.

Paixão, companheirismo e liderança

Ana Lindsey Nogueira Fernandes é natural de São Paulo, mas mora em Santa Catarina desde os 11 anos. Residente de Indaial, começou a cursar Química na UFSC Campus Blumenau após concluir o Ensino Médio. Foi pesquisando sobre projetos da Universidade que ela conheceu o Meninas na Ciência.

Ela começou a caçar asteroides em 2021, ano em que participou pela primeira vez do programa. Desde então, participa de todas as edições. “Nos dois primeiros anos, eu não consegui detectar nenhum asteroide. Fiquei chateada, mas não pensei em desistir”, conta. “Em 2023, finalmente, consegui detectar cinco”, comemora.

Em 2024, com 20 anos, tornou-se líder de uma equipe de caçadoras. “Foi bastante desafiador. Eu tinha que coordenar uma equipe de meninas e mantê-las motivadas, ao mesmo tempo que a gente corria contra o relógio para poder entregar o relatório dentro do prazo”, relata.

Ana Lindsey (segunda menina da direita para a esquerda) passou por treinamento do Meninas da Ciência para se capacitar e liderar uma equipe de caçadoras - Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

Ana Lindsey (segunda menina da direita para a esquerda) passou por treinamento do Meninas da Ciência para se capacitar e liderar uma equipe de caçadoras – Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

Mesmo sem detectar nenhum asteroide nas primeiras vezes que participou, Ana Lindsey não desistiu e voltou a participar nos anos seguintes.

“Hoje, liderar uma equipe de caçadoras, mesmo com todos os desafio, só aumentou a paixão pelo que faço, reforçou meu companheirismo com as meninas e fortaleceu meu senso de liderança. Sou grata por tudo”.

O desafio de incentivar outras meninas

Natural de Minas Gerais, Rafaella Amorim Rios tem 15 anos e mora em Florianópolis há alguns anos. Ela começou a participar do Meninas na Ciência há três anos, quando tinha 12. “A ideia do projeto é de quebrar os estereótipos de gênero e incentivar desde cedo as meninas a se envolverem na área da ciência”, descreve.

A jovem conta que, na infância, queria ser médica, por ter familiares que trabalham na área. No entanto, ao participar de projetos científicos, descobriu sua paixão pelos números e, graças a isso, decidiu o seu futuro. “Gosto muito de matemática e quero seguir carreira na área de finanças. O projeto me incentivou muito a pensar em um direcionamento para a minha vida e descobrir o que eu gosto de fazer”, relata.

Rafaella participou do Caça Asteroides em 2024. A sua equipe, composta por ela e outras nove meninas, detectou seis asteroides. “Eram meninas de várias idades sempre pesquisando, conversando e se ajudando. A gente conseguiu apoiar muito uma às outras, independente das diferenças”.

A equipe de Rafaella contou com meninas de várias idades, desde adolescentes no Ensino Fundamental até graduandas do Ensino Superior - Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

A equipe de Rafaella contou com meninas de várias idades, desde adolescentes no Ensino Fundamental até graduandas do Ensino Superior – Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

O maior desafio para Rafaella é incentivar outras meninas da sua idade a se engajarem em projetos e pesquisas científicas. “Muitas das minhas colegas da escola ainda não começaram a pensar o que fazer da vida ou querem decidir quando fizerem 18”, lamenta.

Apesar do desafio, a jovem conta que já inspira uma nova geração na sua família.

“Minha priminha de cinco anos me viu trabalhando com asteroides e começou a querer me ajudar. Expliquei para ela sobre planetas e corpos celestes e agora ela está muito bonitinha falando sobre o que aprendeu”.

Persistir e confiar no processo

Rosa Maria Pereira Miranda, manezinha de 17 anos, começou a caçar asteroides aos 13, quando ainda estava no 7º ano do Ensino Fundamental em 2020. Foi em 2022 que, sozinha, ela detectou sete asteroides.

Apesar de contribuir em projetos do Meninas na Ciência, Rosa Maria caça asteroides sem participar de uma equipe. Ou melhor, ela toca uma “euquipe”.

“Eu sou a líder e eu faço as minhas próprias pesquisas. Faz quase quatro anos que participo e é muito gratificante eu, como uma mera estudante de Ensino Médio, estar dentro desse projeto e ter a oportunidade de não só descobrir asteroides, mas também contribuir na participação do público jovem para o avanço da ciência”, conta Rosa Maria.

Rosa recorda que, no início, parecia que a procura por asteroides não teria resultado. “Depois de quatro meses de pesquisa muito intensa, analisando as imagens todos os dias por várias horas, fazendo relatórios, ainda não tinha dado em nada. Mas eu sei que é preciso ter persistência e, principalmente, paciência. Eu continuei porque eu tinha esperança de continuar. E aí chegou o momento”.

Depois de detectar sete asteroides por conta própria, ela entende que a lição não foram as descobertas em si. “No fim, não foi sobre ser genial e descobrir corpos celestes, foi sobre persistir e sobre confiar no processo. Essa é a filosofia da ciência. É muito mais profundo do que parece. Não é só uma fórmula ou um cálculo que você só vira a chave de uma hora para outra”.

Aspirante a astronauta, Rosa Maria é cidadã cientista da Nasa - Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

Aspirante a astronauta, Rosa Maria é cidadã cientista da Nasa – Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

A própria trajetória de Rosa Maria é, também, inspiração para meninas ainda mais jovens.

“Já recebi relatos de meninas que se inspiraram em mim e começaram a investir nas carreiras delas. Isso é muito gratificante para mim, então trabalho e alimento cada vez mais essa missão da divulgação científica”.

Rosa Maria pretende fazer faculdade de engenharia aeroespacial no exterior, mas quer que outras garotas também tenham uma oportunidade assim. “Eu quero ser astronauta, é claro, mas quero sempre lutar, no sentido mais profundo, para que mais meninas possam se inserir dentro do meio científico”, conclui.

Não é apenas sobre asteroides

Enquanto orienta as jovens garotas que participam do programa, Gabriela Kaiana reflete sobre a evolução das suas orientandas.

“Encontrar asteroides, para mim, não é o mais importante. Importa mais o fato de elas estarem aprendendo sobre a natureza da ciência, sobre o papel das cientistas e desmistificando algumas coisas sobre a prática científica”, avalia.

Para além das pesquisas científicas e obrigações acadêmicas, Gabriela Kaiana (primeira da direita para a esquerda) se dedica a treinar jovens meninas e a incentivá-las a investir em uma carreira – Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

Para Gabriela Kaiana, fazer ciência no cotidiano exige muita persistência e a desmistificação da prática científica passa pelo entendimento de que, nem sempre, descobertas geniais são feitas diariamente.

“As cientistas, muitas vezes, fazem a mesma coisa todos os dias. É necessário muito suor na frente do computador fazendo observações, fazendo cálculos, pensando criticamente. A ciência é para ser algo normal, não genial o tempo todo. Ter essa mentalidade é o mais importante, essa é a filosofia do projeto”.

Enquanto isso, as meninas caçadoras de asteroides seguem na descoberta de novos corpos celestes. Mas, acima de tudo, continuam a inspirar outras meninas a buscarem uma carreira científica e a sonhar para mais além do Planeta Terra.

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