Um em cada 3 pacientes do SUS não aparece para consultas, exames e cirurgias

Atendimento no SUS
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A saúde no Espírito Santo enfrenta um problema silencioso, mas de grandes proporções: a ausência de pacientes em consultas, exames, cirurgias e procedimentos agendados. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), cerca de 30% das pessoas com atendimento marcado não comparecem.

A taxa de absenteísmo afeta diretamente o funcionamento da rede pública, gerando desperdício de tempo, recursos e prolongando o tempo de espera de quem realmente precisa de atendimento.

O impacto é coletivo. Se por um lado existem pessoas que sabem do agendamento e não comparecem, por outro, existem aquelas que estão com dados desatualizados, gerando um segundo problema que resulta em mais tempo de espera para todos que esperam por procedimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS)

Mais de 2.500 pacientes com contato desatualizado

Segundo a Sesa, há atualmente 16.722 pacientes na fila por cirurgias eletivas, sendo que 2.597 deles não podem ser chamados por falta de contato atualizado.

A secretaria afirma que esse tipo de ausência afeta diretamente a organização da rede pública, pois impede que o horário vago seja rapidamente preenchido com outro paciente.

Além disso, o sistema estadual registra 322.171 pedidos de consultas com especialistas, enquanto a oferta mensal é de 125 mil consultas e 33.300 exames. A dificuldade de localizar os pacientes contribui para que essas vagas sejam ocupadas, mesmo com a estrutura estando disponível.

Pescador ficou na fila por quase 2 anos

A realidade por trás desses números é sentida por quem depende exclusivamente do SUS. O pescador Geilton Lima, de 41 anos, morador da região da Grande São Pedro, em Vitória, esperou quase dois anos por uma endoscopia. O exame foi solicitado por causa de fortes sintomas de gastrite e queimação.

Pescador Geilton Lima
Pescador Geilton Lima. Foto: TV Vitória

Mesmo mantendo o cadastro atualizado na unidade de saúde do bairro Santo André e realizando acompanhamento com o médico da família, Geilton enfrentou uma longa espera.

Além da endoscopia, ele também aguardou um ano e meio por um raio-X do crânio e o mesmo período por uma ultrassonografia. Todos os procedimentos só foram realizados em maio deste ano.

Se tivesse algo grave dentro do meu estômago, eu já estava morto. Por fora a gente vê, mas por dentro, não. Eu procurei a médica da unidade de saúde com base em uma diarreia que não passa. Fico em casa, não posso trabalhar, não posso pegar peso. Sem previsão da cirurgia, a gente só espera.

Agora, o pescador segue no aguardo por um eletrocardiograma necessário para realizar uma cirurgia de hérnia. Já passou pela consulta médica e está em fase de exames pré-operatórios.

Surpresa com consulta em menos de 1 mês

Já o aposentado Reginaldo do Nascimento, conhecido como Naldinho, de 41 anos, teve uma experiência oposta. Cadeirante desde a infância devido a uma má-formação congênita e atrofia nos membros inferiores, ele buscava uma consulta com ortopedista após notar o surgimento de uma massa em um dos joelhos.

Reginaldo do Nascimento, o Naldinho
Reginaldo do Nascimento, o Naldinho. Foto: TV Vitória

Do dia em que o pedido foi registrado no sistema até o agendamento da consulta, passaram-se menos de 30 dias – um tempo considerado incomum na rede pública de saúde, especialmente para especialidades muito demandadas. E Reginaldo comemora:

Deu uma bolha de sangue no joelho, fui na unidade de saúde e, em menos de 15 dias, me ligaram e marcaram a consulta. Fui bem atendido na unidade. O médico conversou comigo com calma, explicou tudo certinho. Fiquei até surpreso com a rapidez.

“Nesse caso, tive ajuda, mas normalmente é difícil conseguir médico. A maioria das pessoas espera muito”, complementa.

Falta de atualização nos cadastros dificulta sistema

De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde, uma das principais causas do absenteísmo é a falta de atualização dos dados de contato dos usuários.

Sem telefone ou endereço corretos, as equipes não conseguem avisar sobre os agendamentos e convocar novos pacientes quando alguém falta.

Hoje temos mais de 320 mil pessoas aguardando por consultas, mas quase 70 mil não têm telefone atualizado no sistema. Estamos devolvendo esses casos aos municípios, porque não conseguimos fazer contato. Isso gera perda de vaga e prejuízo para todos, afirma o secretário de Estado da Saúde, Tyago Hoffmann.

“Estamos usando inteligência artificial, robôs de ligação e até estratégias de overbooking para tentar reduzir o número de faltas”, complementa.

Secretário de Estado da Saúde, Tyago Hoffman
Secretário de Estado da Saúde, Tyago Hoffman. Foto: Divulgação/Sesa

Para evitar esse tipo de situação, a Sesa orienta que as pessoas mantenham os dados atualizados nas unidades de saúde ou façam a atualização diretamente pela plataforma Integra Saúde Capixaba (integra.saude.es.gov.br).

Investimentos em mutirões e teleconsultas

De acordo com o governo estadual, atualmente são realizadas mais de 400 cirurgias por dia, com mutirões aos sábados e horários estendidos durante a semana, por meio do programa OperaES. A previsão é fazer 135 mil cirurgias, mas a Sesa espera superar esse número.

Outro destaque é a expansão das teleconsultas, usadas para reduzir o tempo de espera em regiões com déficit de especialistas. Em 2025, estão previstas 1,25 milhão de consultas nessa modalidade e 670 mil exames especializados, totalizando 1,9 milhão de procedimentos, parte deles com apoio da telemedicina.

Teleconsulta pelo SUS
Foto: Divulgação/Sesa

Na Região Metropolitana, foram realizadas até agora 265 mil teleconsultas, com investimento de R$ 14,46 milhões. A região concentra 12 especialidades, entre elas cardiologia, dermatologia, psiquiatria, ortopedia e otorrinolaringologia, com uma média de 1.416 atendimentos por mês.

Na Região Central, a média mensal é de 650 consultas, com um total de quase 50 mil atendimentos e investimento de R$ 2,8 milhões. A população tem acesso a especialidades como hematologia, endocrinologia e neurologia, tanto para adultos quanto para crianças.

Já na Região Norte, o serviço soma 37.200 teleconsultas, com média de 1.239 por mês e investimento de R$ 1,88 milhão. São oferecidas consultas em 10 especialidades, incluindo nefrologia, psiquiatria e dermatologia pediátrica.

Na Região Sul, foram realizadas 31.580 teleconsultas com investimento de R$ 1,66 milhão. Com 14 especialidades disponíveis, é a região que mais oferece diversidade de atendimentos por meio da telemedicina, incluindo psicologia, reumatologia e urologia pediátrica. A média é de aproximadamente 2.500 consultas por mês.

Combate aos deslocamentos desnecessários

Segundo a Sesa, o objetivo da estratégia é garantir resolutividade nos atendimentos e evitar deslocamentos desnecessários, otimizando o uso da rede física.

A fila é dinâmica e nunca será totalmente zerada, porque novos casos surgem todos os dias. Mas com o uso de tecnologia, como as teleconsultas, conseguimos resolver mais casos na ponta, sem precisar deslocar pacientes e profissionais. O objetivo é otimizar o sistema e garantir que o atendimento aconteça de forma mais rápida e organizada”, explica Tyago Hoffmann.

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