Seduzidos pelo canto da sereia. É com essa metáfora que a pesquisadora Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara, define a posição de políticos em defesa da exploração de petróleo na margem equatorial, faixa da costa brasileira que abrange a foz do rio Amazonas. Para ela, a tentativa DO governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) de deslegitimar a pauta climática, é “lamentável”.
“A tentativa de deslegitimar a ciência foi o que aconteceu no governo Bolsonaro, quando o Bolsonaro deslegitimou a ciência a respeito das vacinas. E é lamentável que um governo hoje esteja querendo deslegitimar a ciência da mesma forma que Bolsonaro faz, que Trump faz”.
Na declaração mais recente, barbalho afirmou que a atividade é inevitável.
“O Brasil e o mundo não podem, neste momento, abdicar do uso de combustível fóssil”, disse Barbalho, em entrevista ao portal UOL, fazendo coro aos que ignoram os alertas de ambientalistas e pesquisadores. O empreendimento apresenta riscos à biodiversidade e às atividades de comunidades tradicionais da região afetada. Além disso, o incentivo à exploração vai na contramão das metas climáticas, que pedem pela redução do uso de combustíveis fósseis, cujo uso tem ligação direta com o aumento da temperatura global.
“Esse petróleo vai ser queimado. Se é no Brasil ou se é fora do Brasil, não importa. Do ponto de vista climático, vai ser queimado, essas emissões vão para a atmosfera e vão contribuir para o agravamento da crise climática”, ressalta Oliveira, que há 15 anos se debruça sobre o tema dos combustíveis fósseis e da transição energética.
Para ela, a fala do governador do Pará remonta às expectativas criadas pela exploração do petróleo na camada do pré-sal. “Foi prometida a criação de um fundo soberano que iria financiar educação e saúde, iria trazer desenvolvimento para o país”, diz, lembrando dos debates sobre o assunto durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É um canto da sereia que todo mundo queria ouvir, né? Então, há muitos anos se tem essa expectativa de que o Brasil ia virar uma Noruega, e esse fundo nunca foi criado”, pontua a pesquisadora.
Num cenário de catástrofes climáticas cada vez mais frequentes, nem mesmo o retorno financeiro resultante da exploração de petróleo não é garantido, como explica a pesquisadora. Enchentes devastadoras e secas extremas, como a registrada no estado do Amazonas em 2024, têm custo para o poder público. E, com o uso de combustíveis fósseis somada aos impactos socioambientais decorrentes da exploração, essas catástrofes tendem a ser mais frequentes.
“Então, a gente quando vai fazer a conta, tem que colocar tudo isso na ponta do lápis e vai ver que não vale a pena”, avalia a pesquisadora. Ela ressalta que os argumentos contrários à exploração na foz do rio Amazonas encontram respaldo no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), entidade da Organização das Nações Unidas com colaboração de mais de 2,5 mil cientistas de diversas partes do mundo.
Os relatórios produzidos pelo painel indicam a urgência da substituição do uso de combustíveis fósseis, como o petróleo e o gás natural, se desejamos mitigar o avanço da crise climática.
“Não tem paixão absolutamente nenhuma. É ciência climática, que demonstra a urgência da gente descontinuar a exploração de petróleo e gás no mundo”, diz, em resposta à fala do governador. Na entrevista ao UOL, Barbalho sugeriu que as pessoas contrárias à abertura dos novos poços de petróleo estariam agindo com emoção.
“Quem alimentar o discurso de que nós podemos abrir mão está agindo com emoção e não com a razão. Sem que eu esteja tirando os méritos da causa, [argumento] apenas pela racionalidade do tema”, disse.
Riscos para pescadores e recifes de corais
“Autorizar a exploração de petróleo na região impõe riscos socioambientais graves, especialmente para comunidades tradicionais já vulneráveis à crise climática”, ressalta Mariana Andrade, coordenadora da Frente de Oceanos do Greenpeace Brasil.
As atividades de exploração implicam em aumento de tráfego de embarcações de grande porte, que interferem na fauna aquática e, consequentemente, na rotina de comunidades pesqueiras.
“A pesca hoje movimenta milhões de dólares todos os anos e vai ser impactada”, avalia Oliveira, sobre a pesca industrial. “E aí a gente tem a economia social da pesca artesanal. São centenas de milhares de famílias que hoje dependem da pesca também para sua sobrevivência e existência”, diz.
Essas populações ficam ainda mais vulneráveis quando se considera os riscos para os ecossistemas da região. A foz do Amazonas abriga uma das regiões marinhas mais biodiversas e menos conhecidas do planeta, com ecossistemas únicos como vastos manguezais e o Grande Sistema de Recifes da Amazônia, um recife vivo que conecta os ecossistemas do Atlântico Sul ao Caribe.
“Esse recife não é composto apenas por corais, mas é um ecossistema estruturante que funciona como berçário da vida marinha. Esses ambientes atuam como barreiras naturais contra eventos climáticos extremos e garantem a segurança alimentar de milhares de pessoas que dependem diretamente da pesca e do equilíbrio ecológico para manter seus modos de vida”, explica Andrade.
Nesse ambiente, um vazamento de óleo seria catastrófico. No entanto, mesmo sem acidentes, a atividade exploratória pode afetar o equilíbrio ecológico da região. “A exploração impacta diretamente a pesca artesanal e aumenta a vulnerabilidade das cidades costeiras frente aos efeitos da crise climática, comprometendo a segurança alimentar e a saúde das pessoas que dependem desta região para sobreviver”, diz a coordenadora.