Mauro Cid diz ao STF que Bolsonaro recebeu, leu e pediu alterações na minuta do golpe

O tenente-coronel Mauro Cid
Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

O tenente-coronel Mauro Cid reafirmou ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu, leu e pediu alterações em uma minuta golpista para anular o resultado das eleições de 2022.

Cid é o primeiro réu no processo de tentativa de golpe interrogado pelo STF nesta segunda-feira (9). Ele está sendo ouvido antes por ter fechado acordo de delação.

Segundo o ex-ajudante de ordens, Bolsonaro “enxugou” o documento, que inicialmente previa as prisões de diversas autoridades do Judiciário e do Congresso, como ministros do STF e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ex-presidente do Senado.

“Ele de certa forma enxugou o documento. Basicamente retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor (Alexandre de Mores) ficaria como preso. O resto…”, afirmou Mauro Cid.

Moraes brincou: “O resto foi conseguindo um habeas corpus.”

Essa minuta com propostas golpistas teria sido levada a Bolsonaro pelo ex-assessor Filipe Martins, que cuidava de Assuntos Internacionais, segundo Mauro Cid.

“Eu não estava na sala no momento em que foram feitas as alterações. Depois quando ele (Filipe Martins) saiu, que ele sentou do meu lado, ali que eu vi o documento. Aí já estava com as correções. Ele estava com o computador para fazer essas alterações solicitadas pelo presidente”, narrou Cid.

É a primeira vez que o ex-assessor fica frente a frente com o ex-presidente Jair Bolsonaro e antigos aliados que foram implicados por ele no plano de golpe.

O ex-ajudante de ordens afirmou também que Bolsonaro foi pressionado pelos generais Walter Braga Netto e Mário Fernandes a substituir o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, por outro militar que estivesse disposto a aderir ao plano golpista.

“Tinha uma pressão grande, se os generais que estavam, o general Freire Gomes, não fossem fazer nada, que uma alternativa seria trocar os comandantes para que o próximo comandante do Exército assinasse e tomasse uma medida mais dura e radical”, afirmou Cid.

Braga Netto

Braga Netto foi apontado pelo tenente-coronel como o “elo” entre o governo e os manifestantes acampados próximos aos quartéis. Mauro Cid também implicou o general no plano Punhal Verde e Amarelo, que previa a prisão e execução de autoridades.

O ex-ajudante de ordens afirma ter recebido uma sacola de dinheiro do então ministro no Palácio do Alvorada e repassado ao major Rafael Martins de Oliveira, que é acusado de tentar viabilizar o plano Punhal Verde e Amarelo.

“O general Braga Netto trouxe uma quantia em dinheiro que eu também não sei precisar quanto foi. Mas com certeza não foi os R$ 100 mil, até pelo volume. Eu recebi do general Braga Netto no Palácio da Alvorada e no mesmo dia eu passei para o major De Oliveira”.

Mauro Cid ressalvou, no entanto, que não poderia afirmar que Braga Netto “tomou conhecimento de todo planejamento que pudesse ter sido feito”.

Questionado sobre a origem do dinheiro, alegou que “provavelmente” foi repassado pelo “pessoal do agronegócio que estava ajudando a manter as manifestações na frente dos quartéis”.

Pressão

Logo no início do depoimento, Cid foi questionado por Moraes se a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, era verdadeira. O tenente-coronel não respondeu objetivamente, mas declarou ter conhecimento dos planos golpistas.

“Eu presenciei grande parte dos fatos, mas não participei”.

Mauro Cid também negou ter sido pressionado ou coagido pelas autoridades competente ao prestar depoimentos no seu acordo de colaboração premiada.

Cid foi questionado por Moraes sobre os áudios publicados pela revista Veja nos quais o militar e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro se queixava dos procedimentos da Polícia Federal (PF) e do próprio magistrado na condução das investigações.

“Eles (os policiais) queriam que eu falasse coisa que eu não sei, que não aconteceu. Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a ver”, disse Cid nos áudios vazados.

Ao responder à pergunta de Moraes nesta segunda-feira, Cid afirmou que os áudios foram vazados sem o seu consentimento e se tratavam de “um desabafo de um momento difícil que eu e minha família estávamos passando”. O tenente-coronel atestou diante de Bolsonaro e de outros delatados que “em nenhum momento houve pressão” da PF.

“O que houve é: eles tinham uma linha investigativa e eu tinha outra visão do que aconteceu dos fatos. Houve esse jogo de depoimentos e respostas e perguntas. E realmente um pouco da frustração do que eu estava contando não estar dentro da linha investigatória da Polícia Federal”, afirmou.

Segundo Cid, as acusações foram feitas em um contexto de vazamento de informações dos seus familiares, dificuldades financeiras e destruição da sua carreira militar. “O que gerou uma crise pessoal, até mesmo psicológica, muito grande. O que nos leva a certos desabafos com amigos, com pessoas próximas, nada de maneira oficial, de maneira acusatória”, disse.

“Nesses áudios realmente eu critico generais, critico políticos. Saio atirando para tudo quanto é lado. Uma maneira de desabafar aquele momento ruim que a família estava passando”, completou.

O vazamento dos áudios deflagrou um crise em torno do inquérito do golpe. Os aliados de Bolsonaro passaram a cobrar a anulação da delação sob o argumento de que as informações prestadas não seriam legítimas pois teriam sido obtidas mediante coação.

Em resposta na época, Moraes convocou Cid no STF para prestar novo depoimento no qual esclareceu as declarações do áudio vazado.

A reafirmação de que a delação foi feita de maneira voluntária e com consentimento desmantela um dos principais argumentos dos aliados de Bolsonaro contra o acordo.

*Do Blog do Fausto Macedo, do jornal O Estado de S. Paulo.

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