Ap\u00f3s acidente que matou 62 pessoas em Valinhos (SP) no ano passado, companhia a\u00e9rea anunciou pedido de tutela na Justi\u00e7a para renegociar d\u00edvidas de curto prazo. Aeronave da Voepass no Aeroporto Leite Lopes em Ribeir\u00e3o Preto, SP
\n\u00c9rico Andrade\/g1
\nCinco meses depois de um desastre a\u00e9reo que matou 62 pessoas em Valinhos (SP), na regi\u00e3o de Campinas (SP), a Voepass veio a p\u00fablico anunciar que entrou na Justi\u00e7a para viabilizar uma reestrutura\u00e7\u00e3o financeira, a fim de redefinir d\u00edvidas de curto prazo e manter a sustentabilidade das atividades da companhia a\u00e9rea.
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\nEmbora em termos gerais pare\u00e7a ser a mesma coisa, a estrat\u00e9gia ainda n\u00e3o \u00e9 a abertura de uma recupera\u00e7\u00e3o judicial, instrumento consagrado na legisla\u00e7\u00e3o brasileira e adotado por empresas em dificuldades financeiras que tentam se manter em funcionamento.
\nProfessor de direito empresarial na USP de Ribeir\u00e3o Preto (SP), Gustavo Saad Menezes explica que o pedido de reestrutura\u00e7\u00e3o, embora possa ter como consequ\u00eancia uma futura recupera\u00e7\u00e3o judicial, n\u00e3o tem um regramento espec\u00edfico nem necessariamente as mesmas garantias.
\n“N\u00e3o est\u00e1 especificamente na legisla\u00e7\u00e3o, mas \u00e9 perfeitamente l\u00edcito, \u00e9 poss\u00edvel, est\u00e3o tentando uma negocia\u00e7\u00e3o. \u00c9 poss\u00edvel que n\u00e3o tenham conseguido isso diretamente com os credores, por isso pediram a interven\u00e7\u00e3o judicial”, explica.
\nAntes do acidente, a Voepass, por conta de dificuldades financeiras, j\u00e1 havia entrado em uma primeira recupera\u00e7\u00e3o judicial, que foi conclu\u00edda em 2017, quando a companhia ainda se chamava Passaredo.
\n“A Voepass Linhas A\u00e9reas informa que cumpriu com todas as determina\u00e7\u00f5es da Recupera\u00e7\u00e3o Judicial, que foi aceita em 2013 e conclu\u00edda em 2017, sendo uma das poucas empresas brasileiras a passar com sucesso por um processo de RJ”, comunicou a empresa ao g1.
\nNos t\u00f3picos a seguir, entenda informa\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas sobre os processos que envolvem empresas e negocia\u00e7\u00e3o de d\u00edvidas:
\nUma empresa precisa recorrer \u00e0 Justi\u00e7a para negociar d\u00edvidas?
\nN\u00e3o. Uma empresa pode renegociar suas obriga\u00e7\u00f5es financeiras diretamente com seus credores no \u00e2mbito extrajudicial, mas, em muitos casos, a Justi\u00e7a \u00e9 o \u00fanico caminho para dar garantias \u00e0 empresa, bem como proporcionar um acordo entre as partes interessadas.
\nA Justi\u00e7a brasileira, por sua vez, acolhe processos nesse \u00e2mbito porque a legisla\u00e7\u00e3o avan\u00e7ou no entendimento de que o fechamento de uma empresa tem impactos sociais.
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\n“Antigamente as empresas, quando entravam em dificuldade financeira, o resultado simplesmente era lev\u00e1-las \u00e0 fal\u00eancia, porque agentes econ\u00f4micos ineficientes n\u00e3o podem ser mantidos no mercado. Mas houve uma mudan\u00e7a de concep\u00e7\u00e3o nisso, porque um agente econ\u00f4mico como uma empresa, uma associa\u00e7\u00e3o, uma funda\u00e7\u00e3o, s\u00e3o agentes econ\u00f4micos importantes, porque geram renda, geram empregos, recolhem impostos, e muitas vezes algumas comunidades s\u00e3o dependentes daqueles agentes econ\u00f4micos, ent\u00e3o surgiram algumas alternativas para a renegocia\u00e7\u00e3o de d\u00edvidas”, explica o professor da USP.
\nCheck-in da Voepass
\nDeslange Paiva\/g1
\nO que \u00e9 uma recupera\u00e7\u00e3o judicial?
\nNesse contexto, a lei federal 11.101, de 2005, estabelece princ\u00edpios para a recupera\u00e7\u00e3o judicial – quando h\u00e1 viabilidade de sanar as d\u00edvidas – e para a fal\u00eancia, que \u00e9 o caso em que se conclui que n\u00e3o h\u00e1 mais solu\u00e7\u00e3o a n\u00e3o ser encerrar as atividades da companhia, o chamado estado de insolv\u00eancia.
\n“Nesse processo de recupera\u00e7\u00e3o, os credores s\u00e3o chamados para analisar se um plano de recupera\u00e7\u00e3o da empresa \u00e9 vi\u00e1vel ou n\u00e3o. Eles fazem normalmente uma assembleia, uma negocia\u00e7\u00e3o geral, verificando se aceitam ou n\u00e3o. Essa \u00e9 a primeira hip\u00f3tese, a hip\u00f3tese formal de renegocia\u00e7\u00e3o, que a gente chama de recupera\u00e7\u00e3o da empresa.”
\nVia de regra, um processo de recupera\u00e7\u00e3o tramita na Justi\u00e7a comum na cidade onde a empresa est\u00e1 sediada e pode contar com varas especializadas empresariais, como \u00e9 o caso de Ribeir\u00e3o Preto, onde a Voepass foi fundada, em 1995, com o antigo nome Passaredo.
\nUma outra caracter\u00edstica importante \u00e9 que a RJ, depois de aprovada, prev\u00ea prote\u00e7\u00f5es legais para a empresa, com o intuito de se conseguir cumprir o plano estabelecido.
\n“Pela legisla\u00e7\u00e3o, h\u00e1 uma s\u00e9rie de prote\u00e7\u00f5es judiciais a esse devedor, para que ele possa tranquilamente fazer a renegocia\u00e7\u00e3o de suas d\u00edvidas. Por isso que entra com processo e ocorrem as suspens\u00f5es de pagamentos, as suspens\u00f5es de outros processos, com algumas exce\u00e7\u00f5es, por meio dessa suspens\u00e3o o juiz permite a negocia\u00e7\u00e3o e isso tudo fica suspenso durante um certo prazo”, afirma Menezes.
\nAl\u00e9m disso, uma mesma empresa pode ajuizar mais de um processo de recupera\u00e7\u00e3o judicial, desde que o segundo seja solicitado depois de cinco anos da homologa\u00e7\u00e3o do primeiro. Nesse contexto, a recupera\u00e7\u00e3o cumpre algumas etapas b\u00e1sicas:
\na empresa entra com o pedido e o juiz analisa se os requisitos da lei foram preenchidos;
\nao aceitar dar continuidade ao processo, o juiz nomeia um administrador judicial, que vai auxili\u00e1-lo nas quest\u00f5es t\u00e9cnicas do processo;
\nos credores s\u00e3o convocados para a habilita\u00e7\u00e3o dos cr\u00e9ditos, ou seja, para validar o que eles t\u00eam para receber;
\na empresa devedora apresenta o plano de recupera\u00e7\u00e3o, documento em que informa como vai cumprir com seus compromissos;
\nse os credores aceitarem, o plano passa a ser v\u00e1lido; caso contr\u00e1rio, \u00e9 decretada a fal\u00eancia da empresa.
\nQuanto tempo leva um processo de recupera\u00e7\u00e3o judicial?
\nComo \u00e9 algo complexo, o processo pode se subdividir em outros, mas, via de regra, processos de recupera\u00e7\u00e3o judicial que tramitam em varas especializadas podem demorar de 350 a 400 dias para serem aprovados, estima o professor de direito empresarial. Caso o processo n\u00e3o esteja correndo em uma vara especializada, esse prazo pode passar dos 500 dias.
\n“N\u00e3o \u00e9 um processo muito tranquilo, porque voc\u00ea est\u00e1 avisando que n\u00e3o consegue pagar suas d\u00edvidas, ent\u00e3o os credores todos v\u00e3o tentar de algum modo receber o seu cr\u00e9dito rapidamente”, afirma Menezes.
\nO que \u00e9 uma tutela preparat\u00f3ria?
\nNo an\u00fancio, a Voepass informou que entrou com um pedido de tutela preparat\u00f3ria para abertura de uma reestrutura\u00e7\u00e3o financeira, o que, segundo o professor de direito empresarial da USP, n\u00e3o \u00e9 comum, mas est\u00e1 previsto no C\u00f3digo de Processo Civil, quando h\u00e1 algum tipo de urg\u00eancia e um direito que \u00e9 plaus\u00edvel de ser exigido, como a suspens\u00e3o de algum tipo de pagamento.
\n“Voc\u00ea pede uma liminar \u00e0 Justi\u00e7a para determinados fins e depois voc\u00ea entra com a a\u00e7\u00e3o principal, por isso se chama tutela preparat\u00f3ria, voc\u00ea entra para preparar um lit\u00edgio principal.”
\nEssa a\u00e7\u00e3o que ele menciona pode consistir em um processo de recupera\u00e7\u00e3o judicial ou em outra peti\u00e7\u00e3o civil de renegocia\u00e7\u00e3o de d\u00edvidas, que definir\u00e1 as garantias que a empresa ter\u00e1.
\nNo entanto, n\u00e3o h\u00e1 um prazo estabelecido por lei para que seja expedida uma decis\u00e3o.
\n“Se o juiz indeferir essa liminar, eles podem recorrer. Se o Tribunal [de Justi\u00e7a de S\u00e3o Paulo] mantiver esse indeferimento de liminar, eles podem at\u00e9 entrar com uma a\u00e7\u00e3o principal de renegocia\u00e7\u00e3o, mas os credores ficam livres para fazer a cobran\u00e7a normalmente.”
\nSegundo Menezes, em termos legais, somente empresas de capital aberto, listadas na Bolsa de Valores, s\u00e3o obrigadas a dar publicidade a decis\u00f5es como essas, o que n\u00e3o \u00e9 o caso da Voepass. “N\u00e3o \u00e9 comum, mas deve fazer parte de uma tentativa da empresa de mostrar transpar\u00eancia”, diz.
\nQuais as estrat\u00e9gias mais comuns para se sanar d\u00edvidas?
\nSeja no \u00e2mbito de uma recupera\u00e7\u00e3o judicial ou em outro tipo de renegocia\u00e7\u00e3o, a empresa tem uma s\u00e9rie de possibilidades para reequilibrar suas finan\u00e7as que s\u00e3o aceitas pela Justi\u00e7a. Entre as mais comuns, que podem ou n\u00e3o ser combinadas, est\u00e3o:
\nconvers\u00e3o de d\u00edvidas em participa\u00e7\u00f5es societ\u00e1rias;
\nalongamento do perfil da d\u00edvida ou seja, prorrogar o prazo de pagamento dos d\u00e9bitos;
\nmorat\u00f3ria de d\u00edvidas, ou seja, dar in\u00edcio ao pagamento depois de um determinado per\u00edodo, o que pode representar v\u00e1rios anos;
\ndes\u00e1gios, ou seja, descontos percentuais sobre a d\u00edvida corrente.
\n“H\u00e1 uma varia\u00e7\u00e3o. N\u00e3o h\u00e1 um receitu\u00e1rio, cada empresa tem um perfil de potencial recupera\u00e7\u00e3o e esse plano vai ser desenhado de acordo com a potencialidade dessa empresa”, afirma Menezes.
\nVoepass anuncia pedido de reestrutura\u00e7\u00e3o financeira
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