{"id":58132,"date":"2025-04-13T05:13:14","date_gmt":"2025-04-13T08:13:14","guid":{"rendered":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/agencia1\/58132"},"modified":"2025-04-13T05:13:14","modified_gmt":"2025-04-13T08:13:14","slug":"por-suposto-respeito-a-privacidade-adolescentes-estao-morrendo-ou-cometendo-crimes-graves-na-internet","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/agencia1\/58132","title":{"rendered":"‘Por suposto respeito \u00e0 privacidade, adolescentes est\u00e3o morrendo ou cometendo crimes graves na internet’"},"content":{"rendered":"

Vanessa Cavalieri, ju\u00edza da Vara da Inf\u00e2ncia e Juventude do Rio, analisa a s\u00e9rie ‘Adolesc\u00eancia’ e orienta pais sobre como lidar com a vida online dos filhos. Para a ju\u00edza Vanessa Cavalieri, s\u00e9rie ‘Adolesc\u00eancia’ se tornou fen\u00f4meno por expor riscos a que adolescentes est\u00e3o expostos na internet
\nBBC\/Netflix
\nNo top 10 de s\u00e9ries mais vistas da hist\u00f3ria da Netflix, Adolesc\u00eancia virou um fen\u00f4meno global ao retratar a hist\u00f3ria de um menino de 13 anos acusado de matar uma colega de escola.
\nO enredo provocou debates nas redes sociais e mobilizou reportagens. Mas n\u00e3o surpreendeu a ju\u00edza Vanessa Cavalieri, da Vara da Inf\u00e2ncia e Juventude do Rio de Janeiro.
\n“A s\u00e9rie n\u00e3o mexeu tanto comigo porque trata de algo que vejo e falo h\u00e1 anos”, afirma.
\nDesde o lan\u00e7amento da produ\u00e7\u00e3o, em 13 de mar\u00e7o, o telefone de Cavalieri n\u00e3o para de tocar, com pedidos de entrevistas e palestras sobre o tema.
\nPara ela, a produ\u00e7\u00e3o se tornou um sucesso de audi\u00eancia e impactou o p\u00fablico por expor uma realidade que muitos desconhecem ou ignoram: os riscos a que adolescentes est\u00e3o expostos na internet.
\n“Muitas fam\u00edlias acham que, se o filho est\u00e1 em casa, mexendo no celular ou no computador em seu quarto, ele est\u00e1 seguro. Mas isso n\u00e3o \u00e9 necessariamente verdade.”
\nA magistrada destaca que a s\u00e9rie aproxima o telespectador da hist\u00f3ria ao apresentar um protagonista comum.
\n“Ele vem de uma fam\u00edlia trabalhadora, com pais amorosos e cuidadosos, que n\u00e3o foram negligentes de forma significativa. Ele poderia ser colega dos nossos filhos na escola, frequentar o mesmo clube, morar no nosso condom\u00ednio. Isso choca, porque nos faz perceber que uma trag\u00e9dia assim pode estar perto de n\u00f3s.”
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\nA ju\u00edza Vanessa Cavalieri, da Vara da Inf\u00e2ncia e Juventude do Rio de Janeiro
\nBBC\/Rosane Naylor
\nH\u00e1 dez anos \u00e0 frente da Vara da Inf\u00e2ncia e Juventude do Tribunal de Justi\u00e7a do Rio, Cavalieri observa que o perfil dos adolescentes envolvidos em infra\u00e7\u00f5es mudou.
\n“Antes, eram jovens em situa\u00e7\u00e3o de alta vulnerabilidade socioecon\u00f4mica, envolvidos em crimes como tr\u00e1fico de drogas e roubos. Mas, desde 2019, temos um novo grupo: adolescentes de classe m\u00e9dia e alta, alunos de escolas particulares, que praticam crimes digitais e planejam ataques em escolas.”
\nMas um padr\u00e3o se manteve: a maioria \u00e9 cometida por meninos.
\n“Cerca de 90% dos casos registrados na cidade envolvem garotos. Isso vale para qualquer classe social e tanto para crimes digitais quanto presenciais.”
\nNo ambiente digital, ela afirma ter observado um aumento dos crimes de \u00f3dio ou cometidos em comunidades de \u00f3dio, e a grande maioria dos envolvidos s\u00e3o meninos.
\n“Raramente vemos meninas nesses casos, com exce\u00e7\u00e3o daquelas que participam de comunidades de automutila\u00e7\u00e3o e suic\u00eddio, principalmente em plataformas como o Discord”, diz.
\nO que \u00e9 Discord, a rede social usada para cometer crimes contra adolescentes?
\n“Por outro lado, notamos um aumento da misoginia, homofobia e supremacia branca, incluindo ideologias neonazistas, e, nesses casos, os envolvidos s\u00e3o quase exclusivamente meninos. No Brasil, n\u00e3o houve ataques em escolas praticados por meninas, por exemplo; todos foram planejados ou executados por meninos.”
\nEla nota um crescimento no ressentimento de meninos com rela\u00e7\u00e3o a pautas de g\u00eanero \u2014 o que podem lev\u00e1-los a ser atra\u00eddos para movimentos como os incels.
\nRetratado na s\u00e9rie, o termo \u00e9 uma abrevia\u00e7\u00e3o de “celibat\u00e1rios involunt\u00e1rios” (do ingl\u00eas involuntary celibates) e \u00e9 marcado pelo discurso de \u00f3dio contra as mulheres.
\nPor isso, diz Cavalieri, o debate sobre masculinidades, de forma equilibrada, \u00e9 urgente.
\n“Hoje, um menino em desenvolvimento, que nem sabe quem \u00e9 ainda, que est\u00e1 descobrindo sua sexualidade e o lugar do masculino na sociedade, muitas vezes \u00e9 massacrado com falas de que ‘nenhum homem presta’, ‘todo homem \u00e9 abusador’. Essa generaliza\u00e7\u00e3o \u00e9 muito ruim”, afirma.
\n“Alguns escutam isso de forma muito radical. E esse radicalismo pode acabar levando o p\u00eandulo para o outro extremo. Precisamos encontrar um equil\u00edbrio”, adiciona.
\n“Precisamos ensinar os meninos sobre rela\u00e7\u00f5es respeitosas, de afeto. Eles sofrem com exclus\u00e3o, falta de pertencimento e de afeto. Seria importante ensinar que h\u00e1 um caminho de descoberta da sexualidade com amor, com envolvimento emocional.”
\nA seguir, a ju\u00edza elenca quatro li\u00e7\u00f5es que pais e educadores podem tirar da s\u00e9rie para se reconectar com a vida online de seus filhos.
\n1. Estudar sobre a adolesc\u00eancia
\nQuando assumiu a vara, Cavalieri percebeu que apenas o conhecimento jur\u00eddico n\u00e3o era suficiente para lidar com os casos que surgiam.
\n“Queria muito fazer um trabalho efetivo, um trabalho que conseguisse efetivamente ressocializar, educar e recuperar os jovens que seguiram um caminho equivocado”, diz.
\n“Fui estudar adolesc\u00eancia, com uma abordagem multidisciplinar na neuroci\u00eancia, psican\u00e1lise, psicologia e psiquiatria. Queria entender por que esses adolescentes se envolviam em atos infracionais e como evitar a reincid\u00eancia”, conta.
\n“Chegou uma hora que comecei a entender como funcionava a cabe\u00e7a dos adolescentes, o que era o tal do c\u00f3rtex pr\u00e9-frontal imaturo que tanta gente menciona e o que isso implica. O que essa imaturidade cerebral influencia o comportamento dos adolescentes.”
\n“Eles parecem adultos, mas ainda est\u00e3o em desenvolvimento. S\u00e3o impulsivos e t\u00eam dificuldade em adiar recompensas. Por isso, precisam da orienta\u00e7\u00e3o de adultos para tomar boas decis\u00f5es. Precisamos de letramento em adolesc\u00eancia.”
\nA ju\u00edza afirma que os pais devem estudar e buscar conhecimento sobre essa fase.
\n“\u00c9 importante ter letramento na adolesc\u00eancia, para os pais entenderem o que \u00e9 natural, o que passa na mente do adolescente e quais s\u00e3o suas necessidades.”
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\n2. Compartilhar experi\u00eancias
\nCavalieri alerta que muitos pais perdem a conex\u00e3o com os filhos na adolesc\u00eancia.
\n“Precisamos ter mais compaix\u00e3o pelos adolescentes”, diz.
\n“Com uma crian\u00e7a de dois ou tr\u00eas anos, vemos pais muito pacientes e dispostos a entrar em brincadeiras infantis. Ent\u00e3o voc\u00ea brinca de fazer de conta, canta a musiquinha da Dona Aranha o dia inteiro. S\u00f3 que quando chega na adolesc\u00eancia, n\u00e3o temos paci\u00eancia com o universo adolescente”, diz.
\n“Vamos nos afastando porque n\u00e3o conseguimos olhar para eles com compaix\u00e3o. Precisamos descer do pedestal de adulto e nos equiparar um pouquinho a eles, para poder ter conex\u00e3o e conversa.”
\nEla sugere que os pais se interessem pelo universo dos filhos.
\n“Eu vou falar por mim. Por exemplo, eu fui apresentada uns anos atr\u00e1s pela minha filha mais velha, quando ela tinha 13 anos, a um cantor que eu n\u00e3o conhecia, que \u00e9 super famoso, o Harry Styles. Me lembro que a primeira m\u00fasica que ela me mostrou, pensei que fosse David Bowie. E entendi que havia ali um ponto de conex\u00e3o com a minha filha”, relata.
\n“Talvez eu n\u00e3o sa\u00edsse da minha casa para ir no show por conta pr\u00f3pria, mas fui porque eu queria estar com ela, dividindo essa experi\u00eancia. Falta isso: nos interessarmos pelo universo deles.”
\nA dica vale para o ambiente online, diz a magistrada. “Eu e minhas filhas compartilhamos entre n\u00f3s coisas v\u00eddeos no Instagram que achamos que a outra vai gostar. Isso \u00e9 uma forma da gente criar ali v\u00ednculo. ”
\n3. Monitoramento da atividade online
\nPara Cavalieri, \u00e9 um erro interpretar monitoramento como invas\u00e3o de privacidade.
\n“Em nome a esse suposto respeito \u00e0 privacidade, adolescentes est\u00e3o morrendo ou cometendo crimes graves; pessoas est\u00e3o se suicidando ou sendo v\u00edtimas de golpes grav\u00edssimos. Isso porque os pais n\u00e3o supervisionaram o uso da internet”, afirma.
\n“A internet \u00e9 um lugar perigoso. Assim como os pais n\u00e3o consideram invas\u00e3o de privacidade perguntar aonde um adolescente vai ou virem um filho conversando com uma pessoa estranha, temos que o olhar para o ambiente virtual da mesma forma, lembrando que \u00e9 t\u00e3o ou mais perigoso do que a rua.”
\nEla recomenda o uso de aplicativos de controle parental, como o Custody ou Change, que tamb\u00e9m usam GPS para localizar o aparelho dos adolescentes em tempo real.
\n“Os pais devem ter todas as senhas e logins para emerg\u00eancias”, diz. “E o GPS nunca deve ser desabilitado. Isso \u00e9 fundamental para a seguran\u00e7a dos adolescentes e pode ser decisivo em caso de emerg\u00eancia.”
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\n4. Estabelecer limites claros
\nAl\u00e9m do monitoramento, Cavalieri afirma que \u00e9 essencial estabelecer limites claros para o tempo de conex\u00e3o \u00e0 internet.
\n“Depress\u00e3o, obesidade e outros problemas de sa\u00fade est\u00e3o ligados ao uso excessivo de telas. O ideal \u00e9 que o celular fique fora do quarto e seja bloqueado na hora de dormir”, diz.
\nEla lembra que especialistas, assim como diretrizes do governo, recomendam que crian\u00e7as n\u00e3o tenham celulares e que adolescentes precisem de regras claras.
\n“\u00c9 preciso definir quais conte\u00fados s\u00e3o proibidos. Por exemplo, apostas online s\u00e3o restritas a maiores de 18 anos e extremamente viciantes”, afirma.
\nSegundo a ju\u00edza, um dos principais pontos de aten\u00e7\u00e3o \u00e9 o tempo de uso das telas e o hor\u00e1rio para desligar os aparelhos.
\n“As telas e as redes sociais s\u00e3o altamente viciantes. Estudos mostram que plataformas como Instagram e Facebook ativam no c\u00e9rebro as mesmas \u00e1reas de prazer e recompensa que a coca\u00edna. \u00c9 esse o n\u00edvel de impacto que estamos discutindo”, alerta.
\nO guia preparado pelo governo federal para uso de telas define que crian\u00e7as menores de dois n\u00e3o n\u00e3o devem usar telas, e, entre 3 e 5 anos, o tempo m\u00e1ximo deve ser de uma hora por dia.
\nA Sociedade Brasileira de Pediatria tamb\u00e9m faz recomenda\u00e7\u00f5es: crian\u00e7as menores de tr\u00eas anos n\u00e3o devem usar telas. Entre 3 e 6 anos, o uso deve ser permitido apenas em situa\u00e7\u00f5es excepcionais.
\n“Por exemplo, se a crian\u00e7a estiver doente e precisar fazer nebuliza\u00e7\u00e3o, pode assistir a um desenho para se acalmar”, explica.
\nEntre 6 e 12 anos, segundo a SBP, o tempo total de exposi\u00e7\u00e3o \u00e0s telas deve ser de, no m\u00e1ximo, uma hora por dia. Para adolescentes acima de 12 anos, o ideal \u00e9 limitar entre duas e tr\u00eas horas di\u00e1rias.
\n“Mas isso inclui todas as telas, n\u00e3o s\u00f3 redes sociais”, ressalta Cavalieri. “O ideal seria, no m\u00e1ximo, meia hora por dia de TikTok.”
\nA ju\u00edza alerta que um dos maiores problemas da gera\u00e7\u00e3o atual \u00e9 a priva\u00e7\u00e3o cr\u00f4nica do sono causada pelo uso excessivo de telas.
\n“Crian\u00e7as e adolescentes est\u00e3o dormindo menos do que o necess\u00e1rio \u2013 entre nove e 11 horas por noite. Isso afeta o crescimento, a aten\u00e7\u00e3o e o aprendizado. H\u00e1 crian\u00e7as diagnosticadas com d\u00e9ficit de aten\u00e7\u00e3o sem terem TDAH, quando na verdade sofrem de priva\u00e7\u00e3o de sono”, diz.
\nPor isso, Cavalieri recomenda que o celular n\u00e3o fique no quarto e seja bloqueado \u00e0 noite. “Se a hora de dormir \u00e9 nove ou dez da noite, o celular, o computador e qualquer outro aparelho precisam ser bloqueados at\u00e9 a manh\u00e3 seguinte”, afirma.
\nSaiba como ativar prote\u00e7\u00e3o para controlar tempo e atividade de crian\u00e7as no celular
\nDiscord: o que \u00e9 a rede social usada para cometer crimes contra adolescentes?<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Vanessa Cavalieri, ju\u00edza da Vara da Inf\u00e2ncia e Juventude do Rio, analisa a s\u00e9rie ‘Adolesc\u00eancia’ e orienta pais sobre como lidar com a vida online dos filhos. Para a ju\u00edza Vanessa Cavalieri, s\u00e9rie ‘Adolesc\u00eancia’ se tornou fen\u00f4meno por expor riscos a que adolescentes est\u00e3o expostos na internet BBC\/Netflix No top… Continue lendo → <\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"class_list":["post-58132","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-sem-categoria"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/58132","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=58132"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/58132\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=58132"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=58132"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia1.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=58132"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}