Base de apoio, economia, votos de homens e de latinos: por que Trump venceu a eleição


Saiba quais os fatores que levaram o candidato republicano a superar Kamala Harris em número de delegados e no voto popular. Apoiadores de Donald Trump comemoram vitória do republicano
AP Photo/Evan Vucci
Após previsões que mostravam uma corrida eleitoral disputada voto a voto entre Kamala Harris e Donald Trump, a vitória do republicano veio de forma acachapante.
Trump abocanhou cinco dos sete estados-chave, aqueles decisivos para o resultado da eleição, segundo projeção da agência de notícias Associated Press, e ainda avançou em redutos tradicionalmente democratas. Nos outros dois, Nevada e Arizona, o republicano lidera com folga —e a apuração não terminou.
Trump obteve tanto a vitória no Colégio Eleitoral quanto no total de votos, algo que um candidato republicano não havia obtido desde a reeleição de George W. Bush, em 2004. E o fez apesar de condenações na Justiça e de ter incentivado a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, inflamando seus apoiadores com falsas acusações de fraude eleitoral.
O que explica a eleição de Trump? Veja cinco dos principais motivos, a seguir:
Plano de governo
Analistas políticos dos EUA ressaltam que, apesar dos erros dos democratas e da gestão Biden, há uma base forte de apoiadores que votou com convicção no seu plano de governo.
Trump fez uma campanha prometendo realizar uma deportação massiva de imigrantes ilegais, no protecionismo, contra agenda liberal nos costumes e contra o aumento do custo de vida.
O republicano também possui uma forte base de seguidores, conhecidos como MAGA (em referência ao slogan de sua primeira campanha, Faça a América Grande Outra Vez, ou Make America Great Again). Estes são majoritariamente brancos de regiões empobrecidas que veem Trump, embora um bilionário nascido em Nova York, como uma figura anti-establishment.
“Uma grande parte da história é que um número suficiente de americanos quer o que Trump está vendendo”, diz um artigo de Edward Luce ao “Financial Times”. “Deportação em massa de imigrantes ilegais, o fim da globalização e um dedo médio para a abordagem muitas vezes autoparódica da elite liberal à identidade, mais conhecida como ‘wokeness’. Tudo isto superou quaisquer dúvidas que os eleitores tivessem sobre o caráter de Trump.”
Professor de economia da USP analisa impacto da vitória de Trump na região de Ribeirão
Economia
Embora o presidente americano Joe Biden tenha bons números a apresentar nos índices de desemprego, no crescimento do PIB e nos índices da bolsa de valores, muitos americanos não sentiram no próprio bolso a bonança econômica que os democratas imaginaram que o país estava vivendo.
Biden realizou a liberação de US$ 1,9 trilhão (R$ 10,9 trilhões na conversão atual) como parte de um plano de recuperação da economia pós-pandemia logo após assumir o cargo. Na sequência, a inflação disparou no país, chegando a 9,1% em 12 meses em junho de 2022, maior patamar em quatro décadas. A cifra é exorbitante para os padrões dos EUA.
O salto no custo de vida obrigou a alta nos juros, que encareceu o crédito no país.
Boa parte das pesquisas eleitorais mostrava os eleitores americanos preocupados com a economia. Durante sua campanha, Trump frequentemente abria seus comícios perguntando ao público: “Vocês acham que sua vida está melhor ou pior do que há quatro anos?”, e passava a comentar a alta dos preços de itens básicos, como comida.
Guerra em Gaza e na Ucrânia
Antes das eleições, especulava-se que, no caso de uma eleição apertada, Trump poderia se beneficiar com eleitores descontentes com Kamala que votariam em Jill Stein, do Partido Verde, a única na disputa a condenar abertamente as ações de Israel em Gaza. Isso não chegou a ocorrer: as vitórias de Trump nos estados-chave se deram por margens maiores do que os votos recebidos pela candidata minoritária.
Isto posto, porém, Kamala e o Partido Democrata se distanciaram de eleitores que constituíam sua base de apoio, como muçulmanos e jovens de esquerda, ao apoiar as ações de Israel na guerra contra o Hamas e o Hezbollah, mesmo com o alto número de mortes de civis.
Estudantes acampados protestam contra as ações de Israel em Gaza em frente ao campus da Universidade de Columbia, em Nova York
Caitlin Ochs/Arquivo/Reuters
As guerras no Oriente Médio e na Ucrânia também foram vistas pelo eleitorado em geral como um mau uso do dinheiro de seus impostos em um momento no qual a população americana tinha necessidades mais urgentes.
Trump, por outro lado, embora abertamente pró-Israel, usou o fato de não ter iniciado nenhuma guerra no seu mandato anterior – em que pese a desestabilização nas relações internacionais – para prometer encerrar os dois conflitos rapidamente.
Voto masculino e voto latino
Entre os diferentes eleitores, Trump teve um desempenho muito melhor entre homens latinos. Além disso, em relação às duas eleições em que ele havia participado anteriormente, Trump avançou no voto entre negros, segundo as primeiras pesquisas após a votação.
Esse movimento já era visível em pesquisas de opinião antes do pleito.
Segundo Nate Cohn, analista do “New York Times”, apesar das falas abertamente xenofóbicas do republicano, boa parte dos eleitores latinos legalizados concorda com propostas como deportação de ilegais e a construção de um muro na fronteira com o México. Outras preocupações, como a economia e a criminalidade, também eram consideradas mais importantes para essa fatia da população, que achavam Trump mais competente para lidar com elas.
Em relação aos homens, há a percepção de que Trump se coloca há anos como uma figura masculina em contraposição a pautas “feministas” que ameaçariam a posição destes na sociedade.
“Em 2016, Trump apresentou-se como alternativa ao insatisfeito homem branco da classe trabalhadora. Ele conduziu uma campanha ofensas explícitas de gênero e raça. Seus comícios foram caracterizados por uma misoginia grosseira e quase caricatural”, lembra um artigo da revista “Slate”.
Troca da candidatura democrata
Trump, apesar de ter saído enfraquecido do 6 de Janeiro e de condenações por abuso sexual, galvanizou de tal forma o Partido Republicano que se colocou como candidato natural da sigla à Presidência.
Do outro lado da disputa, Biden foi escolhido como candidato dos democratas à reeleição, mas um desempenho péssimo no primeiro debate, em junho, acendeu alertas sobre a sua idade e as suas condições de cumprir mais um mandato. Após muita pressão de apoiadores, o presidente anunciou em 21 de julho a sua desistência da disputa, e Kamala teve apenas 16 semanas de campanha.
Apesar de um início animador da democrata, a campanha de Trump bateu na tecla da troca de oponentes em cima da hora como um sinal de fraqueza dos adversários. O republicano conseguiu colar a imagem de Harris à de Biden em seus comícios, aproveitando-se da hesitação dos democratas. A mensagem de Harris, de renovação geracional na política americana, foi prejudicada por ela não ter sido a primeira opção de sua chapa, preterida pelo octogenário Biden.
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